Vendi a Casa Para Salvar o Meu Filho — E Perdi Muito Mais do Que o Telhado

— Mãe, por favor, não me deixes sozinho nisto. — A voz do Miguel tremia do outro lado da linha, e eu sentia o peso de cada palavra como se fossem pedras a cair-me no peito. Era já noite, e eu estava sentada à mesa da cozinha, a olhar para a chávena de chá frio, quando ele me ligou. O meu filho, o meu menino, agora homem feito, mas com a voz de quem voltou a ser criança perdida.

— Miguel, diz-me a verdade. O que é que aconteceu? — perguntei, tentando manter a calma, mas já com as mãos a suar.

— Mãe… perdi tudo. O trabalho, o carro… Estou cheio de dívidas. Eles ameaçaram-me. Eu não sei o que fazer. — A respiração dele era rápida, quase ofegante.

O meu coração apertou-se. O Miguel sempre foi impulsivo, desde pequeno. Mas nunca pensei que chegasse a este ponto. Lembrei-me das noites em que ele chegava tarde, dos telefonemas estranhos, das desculpas esfarrapadas. Sempre quis acreditar nele. Sempre quis ver só o melhor.

— Vou ajudar-te, filho. Não te preocupes. — Disse isto sem pensar nas consequências. Porque é isso que as mães fazem, não é? Salvam os filhos do mundo, mesmo quando o mundo já os engoliu.

No dia seguinte, pus a casa à venda. A nossa casa. Aquela onde cresci, onde vi o Miguel dar os primeiros passos, onde ainda tinha as marcas dos risos e das zangas nas paredes. Os vizinhos olhavam-me de lado quando souberam. A Dona Amélia do terceiro andar perguntou-me se estava doente. O senhor Joaquim do café disse-me que era loucura vender tudo assim de repente.

Mas eu só pensava no Miguel. Ele precisava de mim. E eu não ia falhar.

O processo foi rápido demais. Em menos de dois meses, tinha as malas feitas e um cheque na mão. Entreguei tudo ao Miguel, confiando que ele ia recomeçar. Que ia pagar as dívidas e arranjar um novo emprego. Que ia ser o filho que eu sempre soube que ele podia ser.

Durante algum tempo, ele parecia melhor. Mandava mensagens a dizer que estava tudo a correr bem, que ia começar num novo trabalho em Lisboa, que estava a pensar voltar à universidade à noite. Eu sentia-me aliviada, quase orgulhosa por ter feito o sacrifício certo.

Mas depois começaram os silêncios. As respostas curtas. As desculpas para não me visitar.

Uma noite, bati à porta do pequeno quarto que arrendei depois de vender a casa e chorei como há anos não chorava. Senti-me sozinha como nunca antes.

Foi a minha irmã, a Teresa, quem me abriu os olhos.

— Tu não vês? Ele está outra vez metido nisso! — atirou ela, sem rodeios, quando lhe contei que o Miguel não me atendia há dias.

— Não digas isso! Ele prometeu-me… — tentei argumentar, mas a voz falhou-me.

— Prometeu? Como já prometeu tantas vezes? — Ela olhou para mim com pena e raiva ao mesmo tempo. — Tu deste-lhe tudo e ele só sabe pedir mais.

Passei noites em claro a pensar no que ela disse. Lembrei-me das vezes em que apanhei o Miguel a mentir sobre dinheiro, das vezes em que desaparecia durante dias e voltava com desculpas esfarrapadas.

Um dia tomei coragem e fui procurá-lo ao bairro onde sabia que ele costumava ir jogar às escondidas. Encontrei-o num café escuro, rodeado de homens de olhar duro e risos fáceis.

— Mãe? O que estás aqui a fazer? — Ele levantou-se de repente, nervoso.

— Vim ver-te com os meus próprios olhos. — Senti as lágrimas a quererem saltar-me dos olhos mas segurei-as com força. — Diz-me: onde está o dinheiro?

Ele baixou os olhos e encolheu os ombros.

— Já não tenho nada… Mãe, eu tentei… mas não consegui parar…

O chão fugiu-me dos pés. Senti uma raiva surda misturada com uma tristeza tão funda que quase me sufocou.

— Dei-te tudo! Dei-te a nossa casa! E tu… tu gastaste tudo nisto? — A minha voz saiu num grito abafado.

Ele começou a chorar ali mesmo, sem vergonha dos outros homens à volta.

— Desculpa… Desculpa… Eu sou um falhado…

Quis abraçá-lo e ao mesmo tempo quis fugir dali para sempre.

Nos dias seguintes, tentei encontrar forças para continuar. Arranjei um trabalho como empregada de limpeza num lar de idosos. O dinheiro mal dava para pagar o quarto e as contas. A Teresa ajudava-me quando podia, mas também ela tinha os seus problemas.

O Miguel desapareceu durante semanas. Só me ligava quando precisava de dinheiro ou quando estava desesperado demais para pedir ajuda a mais alguém.

A relação com a família ficou tensa. O meu irmão deixou de me falar; dizia que eu era ingénua e que só estava a alimentar o vício do Miguel.

— Ele nunca vai mudar enquanto tu continuares a salvá-lo! — gritava ele ao telefone.

Mas como é que uma mãe desiste de um filho?

Houve dias em que pensei em acabar com tudo. Em desaparecer também eu. Mas depois lembrava-me dos olhos do Miguel em pequeno, da forma como me abraçava quando tinha pesadelos à noite.

Comecei a ir às reuniões dos Jogadores Anónimos com ele. Vi outros pais ali sentados, com as mesmas rugas de preocupação na testa, com as mesmas mãos trémulas de quem já perdeu quase tudo.

O Miguel teve recaídas. Muitas vezes voltou ao jogo às escondidas. Mas houve também pequenos progressos: um mês sem jogar, depois dois…

A minha vida nunca mais voltou ao que era antes. Nunca mais tive uma casa só minha; nunca mais confiei plenamente no meu filho; nunca mais consegui dormir uma noite inteira sem medo do telefone tocar com más notícias.

Mas aprendi uma coisa: amar não é salvar sempre; às vezes é saber dizer não, mesmo quando dói mais do que tudo.

Agora olho para trás e pergunto-me: teria feito diferente se soubesse o fim desta história? Quantas mães há por aí presas entre o amor e o medo de perderem os filhos para sempre?

E vocês? O que fariam no meu lugar?