Naquela Noite Expulsei o Meu Filho e a Minha Nora – Quando Finalmente Disse: Basta!

— Não aguento mais, Rui! Não aguento! — gritei, a voz embargada, as mãos trémulas. O trovão ribombou lá fora, como se o próprio céu quisesse sublinhar o que eu acabava de dizer. Rui olhou-me, olhos arregalados, como se nunca me tivesse visto assim. Sílvia, sentada no sofá, largou o telemóvel e ficou a olhar para mim, a boca entreaberta, sem saber se devia intervir.

Foram meses, talvez anos, a engolir sapos, a aceitar que o meu filho, o meu único filho, voltasse para casa com a mulher porque “as coisas estavam difíceis”. No início, achei que era só uma fase. Afinal, quem sou eu para negar abrigo ao meu próprio sangue? Mas a fase arrastou-se. Primeiro foi só até encontrarem trabalho. Depois, até conseguirem juntar dinheiro para uma renda. Depois, até “as coisas acalmarem”.

A verdade é que nunca acalmaram. Pelo contrário. A casa, que sempre fora o meu refúgio, tornou-se um campo de batalha silencioso. Acordava com o barulho da televisão às três da manhã, encontrava louça suja na pia, roupas espalhadas pela casa. O frigorífico esvaziava-se num instante, e a conta da luz disparou. Mas o pior era o silêncio. O silêncio de quem não agradece, de quem acha que tudo é devido.

— Mãe, estás a exagerar — disse Rui, levantando-se devagar, como se eu fosse uma criança birrenta. — Estamos a fazer o melhor que podemos.

— O melhor? — ri-me, mas foi um riso amargo. — O melhor era veres a tua mãe a trabalhar horas extra para pagar as contas enquanto tu e a Sílvia ficam no sofá a ver séries!

Sílvia levantou-se também, ajeitando o cabelo loiro. — Dona Teresa, não precisa falar assim connosco. Estamos a tentar…

— A tentar? — interrompi, sentindo as lágrimas a quererem saltar. — A tentar o quê? A tentar ver quantos meses mais conseguem viver à minha custa?

O Rui ficou calado. Sempre foi assim: calado nos momentos importantes, como se o silêncio resolvesse tudo. Mas eu já não aguentava mais. O meu coração batia tão forte que pensei que ia desmaiar. Lembrei-me do António, o meu marido, que morreu há cinco anos. Ele nunca teria deixado isto acontecer. Sempre disse que eu era demasiado mole com o Rui.

— Chega! — gritei, a voz ecoando pela casa. — Quero-vos fora daqui. Hoje. Agora.

O silêncio que se seguiu foi ensurdecedor. Sílvia olhou para o Rui, esperando que ele dissesse alguma coisa, mas ele apenas baixou a cabeça. Senti-me traída. Não só por eles, mas por mim própria, por ter deixado chegar a este ponto.

— Mãe… — murmurou Rui, finalmente. — Não podes fazer isto.

— Posso, sim. E vou fazer. Já chega de me tratarem como se eu fosse uma empregada. Já chega de me fazerem sentir uma estranha na minha própria casa.

Sílvia começou a chorar, lágrimas silenciosas a escorrerem-lhe pelo rosto. — Não temos para onde ir…

— Deviam ter pensado nisso antes — respondi, fria. — Eu avisei-vos tantas vezes…

Eles recolheram as coisas em sacos de plástico, apressados, atirando roupas e objetos pessoais à pressa. O Rui olhou para mim uma última vez, os olhos vermelhos de raiva e mágoa.

— Vais arrepender-te disto, mãe — disse, antes de bater a porta com força.

Fiquei ali, parada no corredor, a ouvir o eco da porta a fechar-se. O silêncio que tanto desejei finalmente caiu sobre a casa, mas não era um silêncio de paz. Era um silêncio pesado, sufocante, cheio de tudo o que ficou por dizer.

Sentei-me à mesa da cozinha, as mãos a tremerem. Olhei para a chávena de chá que já estava fria. Lembrei-me de quando o Rui era pequeno, de como corria pela casa com os carrinhos de brincar, de como me abraçava quando tinha pesadelos. Como é que chegámos aqui? Em que momento deixei de ser mãe para ser apenas um teto?

As horas passaram devagar. A tempestade lá fora acalmou, mas dentro de mim continuava a trovejar. Liguei à minha irmã, Maria, mas ela não atendeu. Tentei distrair-me com a televisão, mas não consegui prestar atenção a nada. A cada barulho lá fora, pensava que eles podiam voltar, pedir desculpa, dizer que me amavam. Mas não voltaram.

Na manhã seguinte, acordei cedo, como sempre. Preparei o pequeno-almoço para três, por hábito, e só depois percebi que estava sozinha. O cheiro do café encheu a casa vazia, mas não trouxe conforto. Sentei-me à mesa e chorei. Chorei tudo o que não chorei nos últimos meses. Chorei pelo Rui, pela Sílvia, por mim. Chorei pelo António, que não estava cá para me dizer se fiz bem ou mal.

Os dias seguintes foram um tormento. Os vizinhos começaram a perguntar pelo Rui e pela Sílvia. Inventei desculpas: “Foram passar uns dias fora”, “Estão a tratar de assuntos deles”. Mas a verdade pesava-me no peito como uma pedra.

Uma semana depois, recebi uma mensagem do Rui: “Estamos bem. Não te preocupes.” Só isso. Sem um “amo-te”, sem um “desculpa”. Senti-me ainda mais sozinha.

Comecei a duvidar de mim própria. Será que fui demasiado dura? Será que devia ter aguentado mais um pouco? Mas depois lembrava-me das noites sem dormir, do cansaço, da sensação de ser invisível na minha própria casa. Lembrava-me do António a dizer: “Tens de pensar em ti também, Teresa.”

A solidão tornou-se rotina. Aprendi a gostar do silêncio, mas nunca deixei de sentir falta do barulho deles pela casa. Às vezes, apanhava-me a pôr dois pratos na mesa, por engano. Outras vezes, sonhava com o Rui em pequeno, a pedir-me colo.

Um dia, encontrei a Sílvia no supermercado. Estava magra, com olheiras fundas. Olhou para mim e desviou o olhar. Fui ter com ela.

— Sílvia…

Ela hesitou, mas acabou por parar.

— Está tudo bem? — perguntei, sentindo o coração apertado.

Ela encolheu os ombros. — Estamos a tentar arranjar um quarto. O Rui está à procura de trabalho…

— Se precisarem de alguma coisa…

Ela interrompeu-me com um olhar duro. — Não se preocupe, Dona Teresa. Já nos ajudou o suficiente.

Fiquei ali, parada no corredor do supermercado, a vê-la afastar-se. Senti vontade de correr atrás dela, de pedir desculpa, de dizer que sentia a falta deles. Mas não consegui.

Os meses passaram. O Natal chegou e passou sem notícias deles. A casa ficou mais fria do que nunca. Os vizinhos já não perguntavam por eles. A vida seguiu, mas eu fiquei presa naquela noite, naquele grito de “basta”.

Agora, sentada no sofá, olho para as fotografias do Rui em pequeno e pergunto-me: será que fiz o certo? Será que há um momento em que uma mãe deve escolher entre si e o filho? Ou será que o amor de mãe é mesmo incondicional? Se fosse consigo… o que faria?