Naquela Noite em que Expulsei o Meu Filho e a Nora: O Dia em que Disse Basta

— Não acredito, Miguel! Outra vez? — gritei, sentindo a garganta arder de raiva e frustração. A porta da sala ainda estava entreaberta, e eu podia ouvir as vozes abafadas da minha nora, a Sofia, a rir-se com os amigos deles na cozinha. O cheiro a tabaco e cerveja misturava-se com o aroma do meu jantar frio, esquecido em cima da mesa.

A minha casa sempre foi o meu refúgio. Depois de trinta anos a trabalhar como enfermeira no Hospital de Santa Maria, aprendi a valorizar o silêncio, a ordem e os pequenos rituais do fim do dia. Mas desde que o Miguel e a Sofia perderam o emprego — ou melhor, desde que decidiram que era mais fácil viver à minha custa — tudo mudou.

Seis meses antes, abriram-me a porta com olhos de cão perdido. “Mãe, só por uns dias, até arranjarmos trabalho”, disseram. Eu, ingénua, acreditei. Preparei-lhes o quarto de hóspedes, comprei-lhes comida especial porque a Sofia é vegetariana, e até lhes dei uma cópia das chaves. Mas os dias transformaram-se em semanas, as semanas em meses, e o “só por uns dias” tornou-se num pesadelo sem fim.

— Mãe, não faças assim tanto drama — respondeu o Miguel, com aquele tom de voz que me fazia sentir pequena. — São só uns amigos. Precisávamos de descontrair.

— Descontrair? — repeti, quase a chorar. — E eu? Quando é que eu posso descontrair na minha própria casa?

A Sofia apareceu à porta da sala, com um copo de vinho na mão e um sorriso forçado.

— Dona Teresa, não leve a mal. Amanhã limpamos tudo. Prometemos.

Olhei para ela e vi ali uma estranha. Aquela rapariga que eu acolhi como filha nunca se oferecia para ajudar nas tarefas da casa. Passava os dias no sofá, agarrada ao telemóvel ou ao computador, à espera que eu saísse para ir trabalhar para poderem fazer festas e barulho.

Naquela noite, algo em mim quebrou. Lembrei-me do meu marido, o António, que morreu há dez anos. Ele nunca teria permitido isto. Sempre disse que eu era demasiado mole com o Miguel. Talvez tivesse razão.

— Chega! — gritei. — Quero-vos fora da minha casa. Agora!

O silêncio caiu como uma pedra. Os amigos deles calaram-se de repente. O Miguel olhou para mim como se eu fosse uma louca.

— Estás a falar a sério? — perguntou ele, incrédulo.

— Estou. Quero-vos fora. E quero as chaves de volta.

A Sofia largou o copo na mesa com força.

— Isto é ridículo! Não tens coração!

Senti as lágrimas a escorrerem-me pelo rosto, mas mantive-me firme.

— Tenho coração demais. E é por isso que estou farta de ser pisada na minha própria casa!

O Miguel levantou-se devagar. Vi-lhe nos olhos uma mistura de raiva e vergonha.

— Não tens noção do que estás a fazer. Somos teus filhos!

— És meu filho — corrigi — mas também és adulto. E adultos não vivem às custas das mães para sempre.

Os amigos deles começaram a sair em silêncio, alguns murmurando desculpas envergonhadas. A Sofia foi buscar as malas ao quarto, atirando-as contra as paredes como se quisesse magoar-me com cada pancada.

Enquanto recolhiam as últimas coisas, lembrei-me dos natais felizes em família, das tardes de domingo em que cozinhávamos juntos, das conversas à lareira. Onde é que tudo se perdeu?

Quando finalmente fecharam a porta atrás deles, sentei-me no chão da cozinha e chorei como há muito não chorava. Senti-me sozinha, mas também aliviada. Pela primeira vez em meses, ouvi o silêncio da minha casa.

No dia seguinte, encontrei as chaves deles em cima da mesa da entrada. O Miguel deixou-me um bilhete: “Desculpa. Não sei quando volto a falar contigo.” Guardei o papel na gaveta das cartas importantes.

Os dias seguintes foram estranhos. A casa parecia maior e mais fria sem eles. Os vizinhos começaram a perguntar por eles; inventei desculpas. No supermercado, vi a Sofia ao longe e ela virou-me as costas.

À noite, deitada na cama vazia, perguntava-me se tinha feito o certo. Mas depois lembrava-me do cansaço acumulado, da sensação de ser uma estranha na minha própria casa.

Uma semana depois, recebi uma mensagem do Miguel: “Mãe, podemos falar?” Hesitei antes de responder. Queria acreditar que ele tinha percebido alguma coisa com tudo isto.

Encontrámo-nos num café perto do jardim da Estrela. O Miguel estava mais magro e cansado.

— Mãe… desculpa — disse ele, baixinho. — Fui egoísta.

Olhei para ele e vi ali o meu menino outra vez.

— Crescer dói — respondi-lhe — mas às vezes é preciso cair para aprender a levantar.

Ele sorriu tristemente.

— Podemos tentar recomeçar?

Abracei-o com força.

Agora escrevo estas palavras ainda com o coração apertado. Sei que muitos me vão julgar por ter posto o meu próprio filho na rua. Mas pergunto-vos: até onde vai o amor de mãe? Será que fiz bem em impor limites? Ou devia ter aguentado mais um pouco?