Entre Duas Lágrimas: O Dia em Que Minha Vida Ruiu Entre a Minha Mãe e a Minha Sogra

— Maria, tu não podes fazer isto! — gritou a minha mãe, com os olhos vermelhos de tanto chorar, agarrando-se ao meu braço como se assim pudesse impedir o inevitável.

— Por amor de Deus, pensa no meu filho! — implorou a minha sogra, Dona Lurdes, com a voz embargada, as mãos trémulas apertando o lenço que nunca largava.

Eu estava ali, entre as duas mulheres mais importantes da minha vida, sentindo-me esmagada pelo peso das suas expectativas e pelo eco das suas palavras. O corredor do meu pequeno apartamento em Santarém parecia encolher-se à minha volta, sufocando-me. Lá fora, o sol brilhava indiferente, mas dentro de mim só havia tempestade.

Tudo começou há meses, quando descobri que o António, meu marido há dez anos, tinha outra. Não foi uma daquelas traições fugazes de uma noite. Era uma relação. Uma mulher do trabalho, a tal Carla dos Recursos Humanos, que toda a gente dizia ser tão simpática. Eu desconfiava há algum tempo — os olhares desviados, as mensagens apagadas no telemóvel, as desculpas para chegar tarde. Mas nunca quis acreditar. Até ao dia em que encontrei um bilhete no bolso do casaco dele: “Obrigada pelo jantar de ontem. Amo-te.” O mundo caiu-me aos pés.

Tentei confrontá-lo naquela noite. Esperei que as crianças adormecessem — o Tiago e a Matilde, tão inocentes no seu sono tranquilo — e sentei-me à mesa da cozinha com o bilhete na mão. Ele entrou, cansado, e quando viu o papel, ficou pálido.

— Maria… não é o que parece…

— Não mintas mais, António. Por favor. Só quero saber a verdade.

Ele baixou os olhos e confessou tudo. Disse que estava confuso, que não sabia como tinha chegado ali. Pediu-me desculpa mil vezes, mas cada palavra era como uma faca. Passei a noite em claro, ouvindo o silêncio pesado da casa e pensando no que fazer.

No dia seguinte, contei à minha mãe. Ela ficou devastada. “O que vais fazer agora? E os teus filhos? E a vergonha?” A palavra ecoava como um trovão: vergonha. Em Santarém, todos se conhecem. Um casamento desfeito é assunto para meses de cochichos nas padarias e nos cafés.

A sogra soube pouco depois. Veio logo falar comigo, pedindo para não tomar decisões precipitadas. “O António é homem… sabes como são os homens… às vezes perdem-se, mas voltam ao caminho.” Senti raiva e tristeza ao mesmo tempo. Porque é sempre a mulher que tem de perdoar? Porque é sempre a mulher que tem de engolir o orgulho?

Os dias passaram arrastados. O António tentou voltar para casa várias vezes. Chorou, prometeu mudar. Mas eu já não conseguia olhar para ele sem sentir um vazio enorme. Os meus filhos perguntavam porque é que o pai já não dormia connosco. Eu inventava desculpas: “O pai está a trabalhar muito.” Mas até eles começaram a perceber que algo estava errado.

Foi então que decidi separar-me. Não foi fácil. A minha mãe chorou durante dias. “Vais ficar sozinha! Quem vai querer uma mulher com dois filhos?” A sogra veio todos os dias tentar convencer-me a mudar de ideias. “Pensa nos teus filhos! Eles precisam do pai!” Mas eu já não aguentava mais viver uma mentira.

Ontem foi o auge de tudo isto. As duas vieram juntas — coisa rara — e sentaram-se à minha frente como juízas de um tribunal invisível.

— Maria, tu és filha única! Sempre te dei tudo! Não podes agora destruir a tua família por causa de um erro do António! — soluçava a minha mãe.

— O meu filho está arrependido! Ele ama-te! Não faças isto aos teus filhos nem a nós! — insistia Dona Lurdes.

Eu sentia-me pequena, esmagada entre as suas dores e as minhas próprias feridas. Queria gritar que também eu estava magoada, que também eu tinha direito a ser feliz. Mas parecia que ninguém me ouvia.

Lembrei-me do dia do meu casamento na igreja de Marvila: o vestido branco, os sorrisos sinceros dos meus pais, o António nervoso ao altar. Lembrei-me do nascimento do Tiago e da Matilde, dos natais passados em família, das tardes de domingo no parque Ribeirinho. Tudo parecia tão distante agora.

— E se fosses tu? — perguntei à minha mãe, com a voz embargada. — Se o pai te tivesse traído assim? O que farias?

Ela calou-se por um momento, mas depois desviou o olhar.

— Os tempos eram outros… — murmurou.

— Pois eram — respondi eu — mas eu não quero viver presa ao passado.

A sogra levantou-se abruptamente.

— Vais destruir esta família por orgulho? Vais deixar os teus filhos crescerem sem pai?

Senti uma raiva surda crescer dentro de mim.

— Eles vão ter pai! O António pode vê-los quando quiser! Mas eu não vou continuar casada com alguém que me traiu!

As lágrimas corriam-me pelo rosto sem controlo. As duas mulheres olharam para mim como se eu fosse uma estranha.

Depois de muita discussão e lágrimas, saíram finalmente de casa. Fiquei sozinha na sala, abraçada aos meus joelhos, ouvindo apenas o tic-tac do relógio na parede.

Nessa noite não consegui dormir. Fiquei a olhar para o teto escuro, pensando em tudo o que tinha perdido e no pouco que ainda me restava: os meus filhos e a minha dignidade.

Hoje acordei cedo para preparar o pequeno-almoço ao Tiago e à Matilde. Eles vieram abraçar-me na cozinha e senti uma força nova dentro de mim. Talvez seja possível recomeçar.

Mas ainda me pergunto: será egoísmo escolher-me a mim própria? Será justo exigir respeito quando todos esperam apenas resignação? Quantas mulheres continuam presas ao medo da vergonha numa terra pequena como a nossa?

E vocês? O que fariam no meu lugar?