Aquela Noite em Que Expulsei o Meu Filho e a Nora: O Dia em Que Disse Basta

— Não, não vou tolerar isto mais uma vez! — gritei, sentindo a voz tremer, mas sem conseguir controlar a raiva. O meu filho, o João, olhou-me com aqueles olhos de menino perdido, mas já não era um menino. Tinha trinta e dois anos, casado há dois, e naquela noite, pela terceira vez naquele mês, encontrei-o em minha casa com a Ana, a nora que nunca me aceitou verdadeiramente.

A porta ainda estava entreaberta quando cheguei do trabalho. O cheiro a comida feita às pressas misturava-se com o perfume doce da Ana. Ouvi risos abafados vindos da sala. O relógio marcava quase nove da noite. Senti o coração apertar — eu só queria chegar a casa e descansar, mas ali estava eu, outra vez, a sentir-me uma estranha na minha própria casa.

— Mãe, chegaste cedo — disse o João, tentando sorrir. A Ana nem se dignou a levantar-se do sofá. Estava de pernas cruzadas, com o telemóvel na mão, como se fosse dona do espaço.

— Isto não pode continuar — disse eu, tentando manter a calma. — Vocês não podem aparecer aqui quando vos apetece, sem avisar. Esta casa é minha!

O João bufou. — Mas somos família! Não percebo porque estás sempre tão tensa.

A Ana revirou os olhos. — Se calhar devias era agradecer por ter companhia.

Foi como se me tivessem dado um estalo. Agradecer? Por invadirem o meu espaço? Por deixarem loiça suja na pia e pegadas de lama no corredor? Por ouvirem música alta até às tantas enquanto eu tentava dormir para acordar cedo no dia seguinte?

Seis meses antes, tudo tinha mudado. O João perdeu o emprego e veio pedir-me ajuda. Abri-lhe as portas de casa, claro — sou mãe, nunca conseguiria deixá-lo na rua. Mas ele trouxe a Ana consigo e, desde então, a minha vida virou do avesso. No início diziam que era só por uns dias. Depois foram semanas. Meses. E cada vez mais exigências: queriam jantar feito, queriam usar o carro, queriam privacidade no meu próprio quarto de hóspedes.

As discussões começaram logo na segunda semana. A Ana implicava com tudo: com a comida que eu fazia, com as regras da casa, até com as minhas plantas na varanda. O João tentava apaziguar, mas acabava sempre por tomar o partido dela.

— Mãe, tens de perceber que agora somos adultos — dizia ele. — Não podes controlar tudo.

Mas quem é que estava a controlar? Eu só queria respeito! Só queria sentir que ainda tinha um canto meu no mundo.

Naquela noite fatídica, depois de mais uma discussão sobre a loiça por lavar e o barulho até tarde, perdi a cabeça. Fui ao corredor e tirei as chaves da porta do cabide.

— Acabou! Quero que saiam já daqui. E devolvam-me as chaves!

O João ficou branco. — Mãe… não podes fazer isto…

— Posso e faço! Esta casa é minha! Já chega de faltas de respeito!

A Ana levantou-se devagarinho, com um sorriso cínico nos lábios. — Sempre soube que eras egoísta.

Senti as lágrimas a quererem saltar-me dos olhos, mas não lhes dei esse gosto. Mantive-me firme enquanto eles arrumavam as coisas à pressa. O João ainda tentou argumentar:

— Não temos para onde ir esta noite…

— Têm amigos, têm família da parte dela. Eu já fiz tudo o que podia por vocês.

Quando fecharam a porta atrás deles, fiquei sozinha na sala escura. Sentei-me no sofá e chorei como há muito não chorava. Chorei pela perda do meu filho para uma mulher que nunca me aceitou; chorei pela solidão; chorei pela culpa de ser mãe e ter de pôr limites ao próprio filho.

Os dias seguintes foram um vazio estranho. O silêncio em casa era ensurdecedor. Fui trabalhar como sempre, mas sentia um peso no peito impossível de explicar às colegas.

A minha irmã Margarida ligou-me ao fim de três dias:

— Ouvi dizer que expulsaste o João… Estás bem?

— Estou… ou pelo menos tento estar — respondi.

Ela suspirou do outro lado da linha:

— Sabes que ele está magoado…

— E eu? Não tenho direito a estar magoada também?

A Margarida ficou em silêncio. Acho que ninguém percebe verdadeiramente o que é ser mãe até passar por isto: amar tanto alguém que dói, mas perceber que esse amor não pode ser sinónimo de auto-anulação.

No domingo seguinte, fui à missa sozinha. Sentei-me no banco do fundo e rezei por força e sabedoria. Vi outras mães com os filhos ao colo ou de mãos dadas e senti uma inveja amarga.

À saída da igreja encontrei a Dona Emília:

— Então menina Teresa, está tão abatida…

Sorri sem vontade:

— São fases da vida…

Ela apertou-me a mão:

— Os filhos crescem e esquecem-se das raízes… Mas um dia voltam sempre à terra-mãe.

Queria acreditar nisso. Queria acreditar que o João ia perceber um dia porque fiz o que fiz.

Uma semana depois recebi uma mensagem dele: “Mãe, precisamos falar.” O coração disparou-me no peito. Convidei-o para vir cá a casa — sozinho.

Quando entrou, parecia mais velho do que era. Sentou-se à minha frente e ficou calado uns minutos.

— Mãe… desculpa. Sei que abusámos da tua boa vontade. A Ana está zangada contigo… mas eu percebo-te.

As lágrimas voltaram-me aos olhos.

— Só queria respeito… só queria sentir que ainda sou importante para ti…

Ele pegou-me nas mãos:

— És tudo para mim mãe… Mas também preciso de fazer a minha vida.

Ficámos ali sentados em silêncio durante muito tempo. Não sei se alguma vez voltaremos ao que éramos antes. Mas naquele momento percebi que às vezes amar também é saber dizer basta.

Agora pergunto-me: quantas mães passam por isto em silêncio? Quantas vezes deixamos ultrapassar os nossos limites por amor? Será que fiz bem? E vocês… já tiveram de pôr um ponto final para se protegerem?