A Batalha Invisível: O Coração de uma Mãe no Limite
— A senhora não percebe que está a destruir o meu casamento? — gritou a Marta, com os olhos vermelhos de raiva e lágrimas. O Ivan estava ali, sentado no sofá, a olhar para o chão, como se quisesse desaparecer. O silêncio dele cortava-me mais do que qualquer palavra. Senti o peito apertar-se, as mãos a tremer. Não era a primeira vez que discutíamos, mas nunca assim, nunca com esta violência.
— Marta, eu só quero ajudar… — tentei dizer, mas ela interrompeu-me com um gesto brusco.
— Ajudar? A senhora está sempre aqui! Não nos deixa respirar! — Ela virou-se para o Ivan. — Diz-lhe tu alguma coisa!
O Ivan levantou os olhos para mim, mas não disse nada. O silêncio dele era um muro entre nós. Senti-me sozinha, traída até pelo meu próprio filho. Será que falhei como mãe? Será que o protegi demais? Será que devia ter tido mais filhos, para não depositar tudo nele?
Lembro-me do dia em que o Ivan nasceu. O médico disse-me que não poderia ter mais filhos. Chorei tanto nessa noite, mas prometi a mim mesma que faria tudo por ele. Talvez tenha feito demais. Talvez tenha sufocado o Ivan com o meu amor e as minhas expectativas.
A Marta entrou na nossa vida há cinco anos. No início, achei-a simpática, educada. Mas logo percebi que ela queria afastar o Ivan de mim. Começou com pequenas coisas: um jantar a que não fui convidada, um Natal passado com os pais dela em vez de connosco. Fui ficando de lado, como uma peça de mobília antiga que já não serve.
— Mãe, talvez devas dar-nos algum espaço — disse-me o Ivan uma noite, depois de mais uma discussão com a Marta.
— Espaço? Eu só quero estar convosco! — respondi-lhe, sentindo as lágrimas a quererem saltar.
Ele suspirou, cansado.
— Eu amo-te, mãe. Mas agora tenho uma família também.
Essas palavras ficaram a ecoar na minha cabeça durante semanas. Tentei afastar-me, tentei não ligar tantas vezes, não aparecer sem avisar. Mas sentia-me vazia em casa sozinha. O meu marido morreu há dez anos; desde então, o Ivan era tudo para mim.
A Marta começou a trabalhar mais horas. O Ivan chegava tarde a casa. Eu preocupava-me: será que estavam bem? Será que precisavam de mim? Um dia, fui lá levar-lhes um bolo de laranja — o favorito do Ivan desde pequeno. Quando cheguei, ouvi-os a discutir na cozinha.
— A tua mãe outra vez? — disse a Marta, exasperada.
— Ela só quer ajudar… — murmurou o Ivan.
— Não vês que ela não nos deixa viver?
Fiquei à porta, sem coragem de entrar. Senti-me uma intrusa na vida do meu próprio filho.
Os meses passaram e as coisas só pioraram. A Marta engravidou e eu pensei: agora tudo vai mudar. Vou ser avó! Mas ela manteve-me à distância durante toda a gravidez. Só soube do nascimento da minha neta porque o Ivan me ligou no hospital.
Quando fui conhecer a pequena Leonor, a Marta mal me olhou nos olhos. Senti-me deslocada, como se estivesse a invadir um território proibido.
— Não pegue nela agora — disse-me a Marta friamente quando tentei pegar na bebé ao colo.
— Só quero conhecê-la… — murmurei.
Ela virou-se para o Ivan:
— Vês? É sempre assim!
O Ivan ficou calado outra vez. E eu saí dali com o coração em pedaços.
Comecei a evitar ir lá a casa. Passei a ligar menos vezes. Mas sentia-me cada vez mais sozinha. As amigas diziam-me para sair mais de casa, para arranjar um passatempo. Mas como é que se preenche o vazio de uma vida inteira dedicada ao filho?
Um dia, recebi uma mensagem do Ivan: “Mãe, precisamos de falar.” O coração disparou-me no peito. Fui até à casa deles com as mãos suadas e um nó na garganta.
Quando cheguei, estavam os dois à minha espera na sala. A Leonor dormia no quarto ao lado.
— Mãe — começou o Ivan — precisamos de estabelecer alguns limites.
Olhei para ele e depois para a Marta. Ela tinha um ar vitorioso nos olhos.
— Não queremos que venha cá sem avisar — disse ela friamente. — E por favor, respeite os nossos momentos em família.
Senti as lágrimas a escorrerem-me pelo rosto sem conseguir controlar.
— Eu só queria ajudar… só queria fazer parte…
O Ivan levantou-se e abraçou-me, mas senti-o distante.
— Amo-te mãe, mas tens de perceber que agora sou marido e pai também.
Saí dali com o coração despedaçado. Passei dias sem conseguir comer ou dormir. Olhava para as fotografias do Ivan em pequeno e perguntava-me onde tinha errado.
Uma tarde chuvosa, decidi escrever-lhes uma carta:
“Queridos Ivan e Marta,
Sei que tenho sido demasiado presente nas vossas vidas e peço desculpa por isso. Não foi por maldade ou egoísmo; foi por amor e medo de perder quem mais amo neste mundo. Sei que preciso de aprender a deixar-vos viver a vossa vida em paz. Só vos peço que não me excluam completamente. Preciso de vocês tanto quanto vocês precisam um do outro.”
Deixei a carta na caixa do correio deles e voltei para casa sentindo-me mais leve e ao mesmo tempo vazia.
Passaram-se semanas sem notícias deles. O silêncio era ensurdecedor. Comecei finalmente a inscrever-me numa aula de pintura na junta de freguesia; conheci outras pessoas da minha idade, ouvi histórias parecidas com a minha.
Um dia, ao sair da aula, vi o Ivan à porta de minha casa com a Leonor ao colo.
— Mãe… — disse ele emocionado — desculpa termos sido tão duros contigo.
Peguei na Leonor ao colo pela primeira vez sem medo nem culpa. Ela sorriu-me e senti uma paz que há muito não sentia.
A Marta ficou à porta do carro, hesitante. Olhou para mim e murmurou:
— Talvez possamos começar de novo…
Não sei se alguma vez vou recuperar totalmente o lugar que tinha na vida do Ivan ou se vou conseguir perdoar à Marta tudo o que me disse e fez sentir. Mas naquele momento percebi que tinha de aprender a viver com menos do que sonhei — e talvez isso seja suficiente.
Agora pergunto-me: quantas mães vivem esta batalha invisível todos os dias? Será possível amar sem sufocar? Como é que se aprende a deixar ir quem mais amamos?