Não fui convidada para o casamento do meu filho, mas tive de lhes dar um lar: O duplo padrão na minha família

— Mãe, não compliques. Não é nada pessoal. — A voz do meu filho, André, ecoava fria do outro lado da linha. Senti o chão fugir-me dos pés. As palavras dele, tão diretas e cortantes, perfuraram-me o peito como uma faca afiada. Eu estava sentada à mesa da cozinha, as mãos trémulas a segurar a chávena de café já frio. O relógio marcava sete da manhã, mas o dia parecia já perdido.

— Como assim não é pessoal? — perguntei, tentando controlar a voz que ameaçava quebrar-se. — Sou tua mãe, André. Como posso não ser convidada para o teu casamento?

Houve um silêncio pesado. Do outro lado, ouvi um suspiro impaciente.

— A Marta acha melhor assim. Não queremos dramas no dia. Sabes como as coisas ficaram depois do divórcio com o pai…

A Marta. Sempre a Marta. Desde que entrou na vida do André, tudo mudou. Ela nunca gostou de mim, isso era claro como água. Mas nunca pensei que chegasse ao ponto de me excluir do dia mais importante da vida do meu filho.

Desliguei o telefone sem dizer mais nada. Senti as lágrimas a correrem-me pelo rosto, quentes e salgadas, misturando-se com a vergonha e a raiva que me consumiam por dentro. Oiço o tic-tac do relógio e penso em tudo o que fiz por ele: noites sem dormir, febres altas, trabalhos extra para pagar-lhe os estudos… E agora isto.

Durante dias, vivi como um fantasma dentro da minha própria casa. Os vizinhos perguntavam pelo casamento, se já tinha escolhido o vestido, se precisava de ajuda com os preparativos. Eu sorria, fingia normalidade, mas por dentro sentia-me a morrer aos poucos.

No dia do casamento, sentei-me sozinha na sala, com as persianas corridas para não ver ninguém. Oiço ao longe foguetes e buzinas — provavelmente alguém da aldeia a celebrar o casamento do meu filho único. Senti-me invisível, descartável.

Passaram-se semanas sem notícias do André. Até que uma tarde, enquanto lavava a loiça, ouvi bater à porta. Era o meu ex-marido, Joaquim, com um ar embaraçado.

— Olha… — começou ele, sem saber onde pôr as mãos — O André e a Marta precisam de um sítio para ficar uns tempos. A casa nova ainda não está pronta e…

Fiquei estática. O sangue gelou-me nas veias.

— Eles querem ficar aqui? — perguntei, incrédula.

— Sim… — respondeu ele, evitando o meu olhar — Só até arranjarem solução.

Ri-me amargamente.

— Não fui digna de ir ao casamento mas já sou boa para lhes dar tecto?

Ele encolheu os ombros.

— Sabes como são os miúdos…

Não sabia se chorava ou gritava. Mas acabei por aceitar. Talvez fosse uma oportunidade para recuperar alguma coisa com o André.

No dia seguinte chegaram com malas e caixas. A Marta entrou primeiro, olhou em volta com desdém.

— Espero que tenhas espaço suficiente — disse ela, sem sequer me cumprimentar.

O André evitava olhar-me nos olhos. Senti uma dor funda no peito, mas engoli em seco e tentei ser cordial.

Os dias seguintes foram um teste à minha sanidade. A Marta criticava tudo: o cheiro da casa, a comida que eu fazia (“Aqui não há comida vegan?”), até a decoração (“Estas cortinas são tão… antigas”). O André limitava-se a ficar calado ou a concordar com ela.

Uma noite ouvi-os a discutir no quarto de hóspedes.

— Não percebo porque temos de ficar aqui! — dizia ela — A tua mãe faz-me sentir desconfortável!

— Não temos alternativa! — respondeu ele — E ela é minha mãe…

Senti uma pontada de esperança ao ouvir aquelas palavras. Talvez ainda houvesse espaço para mim no coração dele.

Mas as coisas só pioraram. A Marta começou a trazer amigas para casa sem avisar. Um dia cheguei da mercearia e encontrei três raparigas sentadas na sala a beber vinho e a rir alto.

— Olha quem chegou! — disse uma delas, olhando-me de cima abaixo.

Senti-me uma intrusa na minha própria casa.

Nessa noite, sentei-me na varanda com uma manta sobre os ombros e chorei baixinho. Lembrei-me dos tempos em que o André era pequeno e corria para mim sempre que tinha medo do escuro ou fazia um arranhão no joelho. Onde estava esse menino agora?

Certa manhã, depois de mais uma discussão sobre o pequeno-almoço (“Não tens leite de amêndoa? Isto é básico!”), perdi a paciência.

— Basta! — gritei — Esta é a minha casa! Se não estão bem aqui, procurem outro sítio!

O André olhou-me finalmente nos olhos. Vi neles algo que já não via há anos: tristeza e arrependimento.

— Mãe… desculpa — murmurou ele — Nunca quis magoar-te assim.

A Marta bufou e saiu da cozinha batendo com a porta.

Ficámos os dois em silêncio durante longos minutos.

— Porque é que me fizeste isto? — perguntei baixinho — Porque é que me excluíste?

Ele passou as mãos pelo cabelo, nervoso.

— Não sei… Tive medo de conflitos… Quis agradar à Marta… Fui cobarde.

As lágrimas correram-me pelo rosto outra vez. Ele aproximou-se e abraçou-me pela primeira vez em anos.

— Perdoa-me, mãe…

Aquele abraço não apagou tudo o que aconteceu, mas foi um começo. Nos dias seguintes, o ambiente melhorou ligeiramente. A Marta continuava distante, mas o André tentava compensar: ajudava nas tarefas da casa, conversava comigo à noite sobre coisas banais como futebol ou política.

Pouco tempo depois encontraram finalmente um apartamento e mudaram-se. No dia em que saíram, fiquei sozinha na casa silenciosa. Senti um misto de alívio e tristeza profunda.

Hoje olho para trás e pergunto-me: quantas mães passam por isto? Quantas são descartadas quando já não são convenientes? Será que algum dia serei realmente reconhecida pelo meu filho?

E vocês? Já sentiram este duplo padrão nas vossas famílias? O que fariam no meu lugar?