Dividimos a Conta, Dividimos o Destino: Um Encontro em Lisboa
— Então é isso? Vamos mesmo dividir a conta? — perguntei, tentando esconder o tremor na minha voz enquanto olhava para o recibo pousado entre nós. O restaurante estava cheio, o burburinho abafava as palavras, mas naquele momento tudo parecia silencioso. O João, com o seu sorriso meio torto e olhar distante, encolheu os ombros.
— Acho que é o mais justo, não achas? — respondeu ele, sem me encarar diretamente.
Naquele instante, senti-me pequena. Não era pelo dinheiro — nunca foi pelo dinheiro — mas pela frieza do gesto, pela ausência de cuidado. Tínhamos passado as últimas três horas a conversar sobre sonhos, viagens e até sobre as nossas famílias. Ou pelo menos eu tinha falado da minha, talvez demais. Ele limitou-se a ouvir, a fazer perguntas vagas, como se estivesse a preencher um questionário.
Conheci o João numa dessas aplicações de encontros. O seu perfil era simples: uma foto no Miradouro de Santa Catarina, outra com um cão (descobri depois que era do irmão), e uma descrição breve: “Lisboeta, apaixonado por música e boa comida”. Troquei algumas mensagens com ele antes de aceitar o convite para jantar. Talvez tenha sido ingénua, talvez estivesse apenas cansada da solidão que me acompanhava desde que o meu pai morreu.
A minha mãe dizia sempre: “Catarina, não te atires de cabeça. Os homens hoje em dia não querem compromissos.” Mas eu queria acreditar que podia ser diferente. Queria acreditar que ainda havia espaço para gestos simples, para conversas sinceras e para aquele frio na barriga que sentia quando via o nome dele aparecer no telemóvel.
O jantar começou bem. Falámos de tudo um pouco: ele contou-me que trabalhava numa empresa de informática em Oeiras, que gostava de correr ao fim de semana e que tinha acabado uma relação há pouco tempo. Eu partilhei mais do que devia — sobre o meu trabalho como professora primária, sobre a minha irmã mais nova que estava grávida e sobre a saudade do meu pai.
A certa altura, reparei que ele olhava constantemente para o telemóvel. Perguntei se estava tudo bem e ele respondeu:
— Desculpa, é só trabalho. Sabes como é…
Sorri, mas por dentro senti uma pontada. Lembrei-me das vezes em que o meu ex-namorado fazia o mesmo e de como isso me fazia sentir invisível. Mas continuei a falar, a tentar preencher os silêncios com histórias engraçadas dos meus alunos e das peripécias da minha família.
Quando chegou a sobremesa, sugeri partilharmos um bolo de chocolate. Ele aceitou, mas mal tocou nele. O silêncio entre nós tornou-se pesado. Olhei à volta e vi casais a rir, amigos a brindar, famílias reunidas. Senti-me deslocada.
Foi então que ele pediu a conta e, sem hesitar, disse:
— Vamos dividir?
A frase ficou a ecoar na minha cabeça. Não era pelo valor — era pelo significado. Era como se estivesse a dizer: “Não quero investir mais do que isto.”
Saímos do restaurante e caminhámos juntos até ao metro. O João despediu-se com dois beijos na face e um “foi giro conhecer-te”. Fiquei ali parada, a vê-lo afastar-se na noite lisboeta.
No caminho para casa, liguei à minha irmã:
— Então? Como correu? — perguntou ela, ansiosa.
— Correu… correu — respondi, tentando não chorar.
— Ele não era nada de especial, pois não?
— Não sei… talvez eu é que esperasse demasiado.
Cheguei a casa e sentei-me no sofá escuro da sala. A casa estava silenciosa, apenas o tique-taque do relógio me fazia companhia. Pensei em todas as vezes que ignorei pequenos sinais — as mensagens respondidas horas depois, as conversas superficiais, os convites sempre em cima da hora.
No dia seguinte, durante o almoço de família em casa da minha mãe, tentei disfarçar o desânimo. Mas ela percebeu logo:
— Catarina, não te prendas ao primeiro que aparece só porque tens medo de ficar sozinha.
— Não é isso… só queria sentir que alguém se importa — respondi baixinho.
A minha irmã interrompeu:
— Os homens hoje em dia estão todos assim. O meu Miguel também não foi logo um príncipe no início.
— Mas pelo menos esforçou-se — retorqui.
O almoço prosseguiu entre risos forçados e olhares cúmplices. A minha mãe serviu arroz doce e olhou-me nos olhos:
— Filha, às vezes é melhor estar só do que mal acompanhada.
Naquela noite, voltei ao perfil do João na aplicação. Vi que já tinha mudado a foto — agora estava numa esplanada com outra rapariga ao fundo. Senti um aperto no peito, mas também uma estranha sensação de alívio.
Os dias passaram e fui-me afastando das aplicações de encontros. Dediquei-me mais aos meus alunos, à família e aos amigos verdadeiros. Comecei a perceber que não precisava de alguém ao meu lado para me sentir completa.
Ainda assim, às vezes dou por mim a pensar: será que estou a ser demasiado exigente? Ou será que simplesmente mereço mais do que dividir uma conta — mereço dividir sonhos?
E vocês? Já sentiram esse vazio depois de um encontro? Será que estamos todos à procura de algo impossível ou apenas esquecemos como é cuidar uns dos outros?