Sete Noites em Branco: O Silêncio que Mudou o Meu Marido
— Não podes continuar assim, Mariana! — A voz da minha mãe ecoava pela cozinha, carregada de impaciência e preocupação. — Ele não vai voltar só porque tu choras todas as noites.
A minha filha, Inês, de apenas quatro anos, brincava no tapete da sala, alheia ao furacão que devastava a nossa casa. Eu estava ali, sentada à mesa, com as mãos trémulas a segurar uma chávena de chá frio. Sete noites sem dormir. Sete noites a ouvir o silêncio ensurdecedor do quarto vazio ao meu lado.
O Rui saiu de casa há quase duas semanas. Disse apenas: “Preciso de espaço.” Não houve discussão, não houve gritos. Só um olhar vazio e uma mala feita à pressa. Desde então, nem uma mensagem. Nem para saber da Inês. Nem para saber de mim.
— Mãe, eu não sei o que fiz de errado — murmurei, sentindo as lágrimas a ameaçarem cair outra vez.
Ela suspirou, aproximando-se para me pousar uma mão no ombro.
— O Rui sempre foi frágil, Mariana. O teu pai dizia que ele era bom rapaz, mas não aguentava pressões. Talvez esteja só… partido.
Partido. A palavra ficou a ecoar-me na cabeça. Como se o homem com quem casei pudesse simplesmente quebrar-se e desaparecer. Mas eu sabia que não era só isso. Havia sinais: o cansaço nos olhos dele, as respostas curtas, o afastamento cada vez maior. E eu, atolada nas rotinas da maternidade e do trabalho, não quis ver.
Naquela noite, depois de deitar a Inês, sentei-me no sofá com o telemóvel na mão. Abri o WhatsApp e escrevi: “Rui, precisamos falar. A Inês pergunta por ti todos os dias.”
Esperei. O visto azul nunca apareceu.
As noites seguintes foram um tormento. A Inês acordava a meio da noite a chamar pelo pai. Eu inventava desculpas: “O papá está a trabalhar muito.” Mas ela não acreditava. Os olhos dela, grandes e castanhos como os do Rui, fitavam-me com uma tristeza que me despedaçava.
No trabalho, os colegas começaram a notar o meu ar ausente. A Carla, da contabilidade, puxou-me de lado:
— Mariana, se precisares de falar…
Sorri-lhe, mas não consegui dizer nada. Como explicar que o homem que amei desde os 19 anos tinha desaparecido? Que eu estava sozinha a tentar manter tudo à tona?
A minha mãe insistia em vir cá todos os dias. Trazia sopa, arrumava a casa e criticava o Rui sempre que podia.
— Ele nunca foi homem para ti! — dizia ela enquanto lavava a loiça com força excessiva. — Sempre dependente dos pais dele…
Eu defendia-o em silêncio. Lembrava-me das noites em que ele embalava a Inês para eu poder dormir mais uma hora. Das vezes em que me surpreendia com flores ou um bilhete deixado no frigorífico: “Amo-te.”
Mas esses momentos pareciam tão distantes agora.
Na sexta noite sem dormir, acordei sobressaltada com um barulho na porta. O coração disparou. Corri ao corredor e vi apenas o carteiro a deixar publicidade na caixa do correio. Senti-me ridícula por ter esperança.
Nessa madrugada, sentei-me na varanda com uma manta sobre os ombros e deixei-me chorar em silêncio. O bairro estava adormecido; só eu parecia acordada no mundo inteiro.
Foi então que me lembrei da última conversa séria que tive com o Rui:
— Sentes-te feliz? — perguntei-lhe numa noite qualquer.
Ele hesitou antes de responder:
— Às vezes sinto-me… cansado. Como se tudo fosse demasiado pesado.
Eu ri e disse: “É normal, somos pais!”
Agora percebo que devia ter escutado melhor.
No sétimo dia, a minha mãe apareceu mais cedo do que o costume.
— Mariana, tens de reagir! — disse ela ao entrar sem bater à porta. — Não podes deixar que ele te destrua assim!
— Não é só ele… — respondi num fio de voz. — Eu também estou perdida.
Ela sentou-se ao meu lado e abraçou-me pela primeira vez desde que tudo começou.
— Filha… às vezes os homens quebram porque nunca aprenderam a pedir ajuda. O teu pai também teve uma fase assim…
Olhei para ela surpreendida. Nunca me tinha contado isso.
— Ele desapareceu durante três dias quando tu eras pequena — confessou ela baixinho. — Eu achei que estava tudo acabado… mas voltou. E tivemos de aprender tudo de novo.
A esperança renasceu em mim por um instante.
Nessa noite, depois de adormecer a Inês com uma história inventada sobre um pai perdido numa floresta à procura do caminho para casa, sentei-me outra vez no sofá e liguei ao Rui. Chamou até ir para o voicemail.
Deixei mensagem:
— Rui… eu não sei se ainda me amas ou se algum dia vais voltar. Mas a Inês precisa de ti. E eu também… mesmo que seja só para dizer adeus.
Na manhã seguinte acordei com uma mensagem dele:
“Desculpa. Preciso de tempo para perceber quem sou sem ti.”
O chão fugiu-me dos pés. Fui à casa de banho e olhei-me ao espelho: olhos inchados, cabelo desgrenhado, pele pálida. Quem era eu sem ele?
Durante dias vivi em piloto automático: trabalho, escola da Inês, supermercado, casa. A minha mãe continuava presente, mas agora mais silenciosa.
Uma tarde, ao buscar a Inês à escola, encontrei a sogra à porta.
— Mariana… posso falar contigo?
Assenti em silêncio.
— O Rui está muito mal — disse ela baixinho. — Não é contigo… ele está mesmo perdido. Não fala com ninguém cá em casa também.
Senti raiva e alívio ao mesmo tempo.
— Ele devia pelo menos falar com a filha — respondi dura.
Ela assentiu tristemente.
— Eu sei… mas às vezes as pessoas partem-se por dentro e não sabem como voltar a juntar-se.
Naquela noite escrevi uma carta ao Rui. Não para ele voltar, mas para lhe dizer tudo o que sentia: medo, mágoa, saudade e também gratidão pelos anos felizes.
Guardei-a numa gaveta porque não tive coragem de enviar.
Os dias foram passando e aprendi a viver só com a Inês. Comecei a dormir melhor; ela também chorava menos à noite. A minha mãe deixou de criticar tanto e passou a ouvir mais.
Um mês depois recebi uma mensagem do Rui:
“Posso ver a Inês este fim-de-semana?”
O coração bateu forte outra vez — não por esperança de reconciliação, mas por perceber que talvez estivéssemos todos a aprender a viver com as nossas cicatrizes.
Agora olho para trás e pergunto-me: quantas famílias vivem silêncios como este? Quantos homens partem porque não sabem pedir ajuda? E nós mulheres… será que ouvimos verdadeiramente antes de ser tarde demais?