O Marido da Minha Amiga Que Fugiu da Paternidade a Qualquer Custo

— Beatriz, espera! — chamei, quase sem fôlego, ao vê-la atravessar apressada a Praça do Comércio, empurrando o carrinho do pequeno Tomás. Ela parou, olhou-me com olhos vermelhos e um sorriso cansado.

— Olá, Sofia… — respondeu, tentando disfarçar a voz embargada.

Aproximei-me e, antes que pudesse perguntar se estava tudo bem, ela desabou:

— Não sei o que fazer mais. Sinto-me a afundar todos os dias.

O Tomás, de apenas oito meses, dormia tranquilo, alheio ao turbilhão que se passava à sua volta. Sentei-me com ela num banco de jardim, e Beatriz começou a contar-me tudo, como se precisasse desesperadamente de alguém que a ouvisse.

— O Miguel… mudou tanto desde que o Tomás nasceu. Antes era tão carinhoso, tão presente. Agora… parece que me culpa por tudo. Por ter engravidado, por ter mudado as nossas vidas. — Ela limpou uma lágrima apressada. — Ele diz que não está preparado para ser pai, que sente que perdeu a liberdade. Às vezes, nem olha para o nosso filho.

Fiquei em silêncio, ouvindo cada palavra como se fossem pedras a cair num poço sem fundo. Lembrei-me de como Beatriz e Miguel eram inseparáveis na faculdade, sempre de mãos dadas, sempre a rir. Nunca imaginei vê-los assim.

— Ontem… — continuou ela, com a voz quase inaudível — discutimos outra vez. Ele chegou tarde, cheirava a álcool. Disse que precisava de espaço, que não aguentava mais ouvir o choro do Tomás. Atirou-me à cara que eu só penso no bebé e que ele deixou de existir para mim.

— E tu? O que disseste? — perguntei, sentindo um nó no estômago.

— Chorei. Supliquei-lhe para não desistir de nós. Mas ele… ele fez as malas e saiu. Disse que ia para casa da mãe dele em Cascais.

O silêncio entre nós era pesado. O som dos elétricos ao longe parecia vir de outro mundo.

— Achas que ele volta? — perguntou-me, com esperança nos olhos.

Não soube responder. O Miguel sempre fora impulsivo, mas abandonar a mulher e o filho? Isso era novo.

Beatriz contou-me como os pais dela também estavam divididos: a mãe achava que ela devia lutar pelo casamento; o pai dizia-lhe para pensar em si e no Tomás primeiro. Os sogros? Fingiam não ver o problema, protegendo o filho como se fosse uma criança indefesa.

— Sinto-me sozinha, Sofia. Não tenho ninguém com quem falar disto sem ser julgada. Todos acham que é minha culpa… Que sou eu que não faço o suficiente para manter o Miguel feliz.

A raiva começou a crescer dentro de mim. Como podia alguém culpar uma mãe exausta por tentar manter a família unida?

— Beatriz, tu não tens culpa de nada! — disse-lhe, apertando-lhe a mão. — O Miguel é adulto. Se não estava preparado para ser pai, devia ter dito antes! Agora não pode simplesmente fugir das responsabilidades.

Ela sorriu tristemente.

— Sabes… às vezes penso se não teria sido melhor nunca engravidar. Se calhar assim ainda estávamos juntos…

— Não digas isso! Olha para o Tomás… — Inclinei-me sobre o carrinho e vi aquele rostinho sereno. — Ele merece todo o amor do mundo.

Beatriz assentiu, mas percebi que as dúvidas continuavam a corroê-la por dentro.

Os dias passaram e continuei a acompanhar Beatriz à distância. O Miguel ligava de vez em quando, mas só para reclamar das despesas ou para dizer que precisava de mais tempo. Nunca perguntava pelo filho.

Uma tarde, Beatriz ligou-me em lágrimas:

— Sofia… ele quer o divórcio. Disse que não sente nada por mim nem pelo Tomás. Que quer recomeçar do zero…

Fui ter com ela imediatamente. Encontrei-a sentada no chão da cozinha, rodeada de brinquedos espalhados e fraldas por trocar.

— Não sei como vou conseguir… — murmurou ela, olhando para as mãos vazias.

Sentei-me ao lado dela e abracei-a com força.

— Vais conseguir porque és forte. Porque tens o Tomás. E porque tens amigos que nunca te vão deixar cair.

Os meses seguintes foram um teste à resiliência da Beatriz. Entre audiências no tribunal e noites sem dormir, ela foi-se reconstruindo aos poucos. Arranjou um trabalho numa loja perto de casa e começou a frequentar um grupo de apoio a mães solteiras em Lisboa.

O Miguel? Aparecia esporadicamente, sempre com desculpas novas para não ver o filho: trabalho a mais, viagens inesperadas, cansaço extremo. A família dele continuava a protegê-lo, dizendo que era uma fase e que ele voltaria quando estivesse pronto.

Mas Beatriz já não esperava por milagres.

Um dia, ao sair do trabalho, encontrou Miguel à porta de casa.

— Preciso falar contigo — disse ele, com ar abatido.

Ela deixou-o entrar e sentaram-se frente a frente na sala desarrumada.

— Não consigo ser pai — confessou ele finalmente. — Não sinto ligação nenhuma ao Tomás. Sinto-me sufocado só de pensar em mudar uma fralda ou acordar de noite com o choro dele.

Beatriz olhou-o nos olhos pela primeira vez em meses.

— Achas que eu não me sinto sufocada? Achas que é fácil para mim? Mas eu fico! Eu luto! Porque ele é nosso filho!

Miguel baixou os olhos.

— Eu não sou como tu… Não consigo fingir que está tudo bem.

Ela respirou fundo e respondeu:

— Então vai embora de vez. Mas não voltes quando for tarde demais para seres pai.

Miguel saiu sem olhar para trás.

Naquela noite, Beatriz chorou tudo o que tinha para chorar. Depois levantou-se, foi ao quarto do Tomás e ficou ali sentada até ao amanhecer, vendo-o dormir.

Hoje, passados dois anos desse dia, Beatriz é outra mulher. O Tomás cresceu saudável e feliz, rodeado do amor da mãe e dos amigos que nunca os abandonaram. Miguel nunca mais apareceu.

Às vezes pergunto-me se é possível alguém fugir assim das próprias responsabilidades sem nunca olhar para trás. Será que um dia ele vai arrepender-se? Ou será que há pessoas destinadas a nunca saberem amar verdadeiramente?

E vocês? Acham que é possível perdoar alguém que abandona um filho? O amor pode mesmo sobreviver à ausência?