O Dia em Que Corri para Salvar o Meu Filho em Pleno Jogo de Futebol
— Tomás! Não! — gritei, mas a minha voz perdeu-se no burburinho da multidão. O meu coração disparou quando vi o meu filho de dois anos a correr, descalço, pelo relvado do campo de futebol. O jogo do Atlético de São Vicente estava no auge, os jogadores focados, a bola a rolar rápido. E ali estava ele, pequenino, loiro, com o sorriso mais inocente do mundo, a atravessar o campo como se fosse o protagonista da tarde.
Por um segundo, hesitei. Senti todos os olhares cravados em mim — mães, pais, avós, até o treinador do Atlético, o senhor Manuel, que sempre me cumprimentava com um aceno tímido. O meu marido, Rui, estava ao meu lado, mas ficou paralisado. “Vai buscá-lo!”, sussurrou ele, quase sem voz. Corri. Senti o chão tremer sob os meus pés, tropecei na minha própria mala e ouvi risos abafados nas bancadas. O árbitro apitou, os jogadores pararam. O Tomás olhou para mim e riu-se alto, como se tudo aquilo fosse uma grande brincadeira.
Agarrei-o nos braços. O cheiro a relva misturava-se com o perfume doce do seu cabelo. “Não podes fazer isto, filho!”, sussurrei-lhe ao ouvido, tentando não chorar de alívio e vergonha. As palmas começaram — não sei se de apoio ou de gozo — e alguém gritou: “Mãe do ano!”. Senti o rosto a arder.
Voltámos para as bancadas. A minha sogra, Dona Lurdes, olhou-me com aquele ar de quem já sabia tudo sobre a vida: “Se fosses mais atenta…”. O Rui tentou defender-me: “Oh mãe, são crianças…”. Mas ela já estava a contar a história às vizinhas: “A Vitória deixou o menino fugir para o campo! Imagina se levava com a bola na cabeça!”.
O pior veio depois. Alguém filmou tudo com o telemóvel e publicou no Facebook do grupo do bairro: “Mãe salva filho em pleno jogo!”. Em poucas horas, o vídeo tinha centenas de partilhas e comentários. Uns achavam graça: “Que fofo!”, outros criticavam: “Isto é irresponsabilidade!”. Recebi mensagens de desconhecidos: “Cuidado com o seu filho!”, “Hoje foi só um susto…”.
Naquela noite não consegui dormir. O Tomás dormia tranquilo ao meu lado, mas eu revivia cada segundo: o medo de ele se magoar, a vergonha pública, a sensação de falhar como mãe. O Rui tentou animar-me: “Amanhã já ninguém se lembra disto”. Mas eu sabia que não era verdade.
No dia seguinte, no café da Dona Rosa, senti os olhares curiosos. A senhora Hermínia comentou alto: “Hoje em dia as mães só olham para o telemóvel…”. Eu queria responder que estava atenta, que só me distraí por um segundo para dar água ao Tomás. Mas calei-me.
Em casa, a tensão cresceu. A minha mãe ligou-me: “Vitória, tens de ter mais cuidado! Sabes como as pessoas falam…”. O Rui ficou irritado: “Já chega! Foi um acidente!”. Mas eu sentia-me cada vez mais pequena.
Os dias passaram e o vídeo continuava a circular. Recebi convites para ir à rádio local contar a história — recusei todos. Não queria ser conhecida como “a mãe do menino que invadiu o campo”.
O Tomás continuava igual: curioso, irrequieto, feliz. Mas eu mudei. Passei a ter medo de sair com ele sozinha, evitava os parques cheios e os eventos do bairro. Sentia que todos me julgavam.
Uma tarde, enquanto arrumava os brinquedos do Tomás, ouvi-o dizer ao boneco: “Não podes fugir para o campo! A mamã fica triste.” Sentei-me no chão e chorei baixinho. Percebi que ele tinha sentido a minha ansiedade.
O Rui abraçou-me: “Vitória, tu és uma boa mãe. Todos erramos.” Mas eu não conseguia perdoar-me.
No aniversário do Tomás, convidei apenas a família mais próxima. A Dona Lurdes trouxe um bolo enorme e comentou: “Olha que hoje não há campo para fugir!” Todos riram menos eu.
À noite, sentei-me à janela do quarto do Tomás e olhei para as luzes da cidade. Pensei em todas as mães que já passaram por situações embaraçosas ou assustadoras por causa dos filhos. Porque é que somos tão rápidas a julgar umas às outras? Porque é que um momento de fragilidade se transforma num espetáculo público?
Hoje olho para trás e vejo que aquele dia mudou algo em mim — não só pela vergonha ou pelo medo do julgamento alheio, mas porque me obrigou a aceitar que ser mãe é viver no fio da navalha entre o controlo e o caos.
E vocês? Já sentiram que um pequeno erro vos definiu aos olhos dos outros? Será que alguma vez conseguimos perdoar-nos verdadeiramente pelos nossos deslizes?