Quando Conheci Teresa: Um Dilema na Meia-Idade
— Não me olhes assim, Marta. Eu só… preciso de tempo para pensar.
A minha voz saiu trémula, quase um sussurro, enquanto a minha mulher me fitava do outro lado da mesa da cozinha. O cheiro do café acabado de fazer misturava-se com a tensão no ar. Marta, com os olhos vermelhos de quem não dormiu, apertava a chávena com tanta força que temi que se partisse.
— Tempo para pensar? Depois de trinta anos juntos, agora é que precisas de tempo? — A voz dela era cortante, mas percebia-se o medo por trás da raiva.
Nunca imaginei chegar aqui. Sempre fui o homem previsível: João, 55 anos, funcionário público em Lisboa, pai de dois filhos já crescidos, marido dedicado. Ou pelo menos era isso que todos pensavam — até eu próprio acreditava nisso. Mas tudo mudou há seis meses, quando Teresa entrou no meu departamento.
Teresa tinha 48 anos e um sorriso que parecia iluminar os corredores cinzentos do edifício. Não era mais nova do que Marta, mas havia nela uma leveza, uma energia que me fazia sentir… vivo. Começámos por almoçar juntos, depois vieram as conversas longas sobre livros, música, sonhos adiados. Eu ria-me com ela como já não fazia há anos.
Lembro-me do primeiro toque acidental das nossas mãos ao passar-lhe um dossier. O calor ficou ali, entre nós, como uma promessa. E foi nesse dia que comecei a chegar mais tarde a casa, a inventar reuniões e a evitar o olhar inquisidor de Marta.
Os meus filhos, Inês e Rafael, já não viviam connosco. A casa estava mais vazia, e eu sentia-me cada vez mais um estranho dentro dela. Marta percebia. Começou a perguntar se havia outra mulher. Neguei sempre, mas ela conhecia-me demasiado bem.
Uma noite, depois de mais um jantar silencioso, Marta explodiu:
— João, não aguento mais este vazio! Se há outra pessoa, diz-me agora!
Fiquei calado. O silêncio foi a minha resposta. Ela levantou-se da mesa e saiu de casa sem dizer para onde ia. Fiquei ali sentado, sozinho, com o prato frio à minha frente e o coração aos pulos.
No dia seguinte, Teresa percebeu logo que algo não estava bem.
— Dormiste mal? — perguntou ela, pousando a mão no meu braço.
O toque dela era um bálsamo. Senti vontade de lhe contar tudo, mas limitei-me a sorrir e a dizer que era só cansaço.
Os dias passaram e a nossa ligação intensificou-se. Começámos a sair depois do trabalho — primeiro para cafés inocentes, depois para passeios à beira-rio. Uma noite, chovia torrencialmente e acabámos por nos abrigar num pequeno bar em Alfama. Foi ali que tudo mudou.
— João… — disse ela, olhando-me nos olhos — Não quero ser apenas uma distração na tua vida.
— Não és uma distração — respondi antes de me dar conta do que estava a dizer. — És o que me faz sentir vivo outra vez.
Beijámo-nos ali mesmo, entre copos vazios e promessas sussurradas. Senti-me jovem outra vez — ou talvez apenas tolo.
A partir desse momento, vivi dividido entre dois mundos: o da rotina familiar e o da paixão clandestina. Cada mentira pesava-me na consciência. Marta tornou-se cada vez mais distante; Teresa cada vez mais presente.
Um sábado à tarde, enquanto Marta estava na casa da irmã, convidei Teresa para vir cá a casa. Queria mostrar-lhe o meu mundo — ou talvez queria apenas sentir que podia ter tudo. Ela hesitou à porta:
— Tens a certeza?
— Não sei se tenho certeza de alguma coisa — confessei — mas quero estar contigo.
Passámos horas a conversar no sofá da sala onde tantas vezes brinquei com os meus filhos pequenos. O contraste entre o passado e o presente era doloroso.
Quando Teresa foi embora, encontrei uma fotografia antiga caída no chão: eu e Marta na praia da Comporta, jovens e felizes. Senti uma pontada no peito.
Na segunda-feira seguinte, Marta esperava-me acordada quando cheguei tarde do trabalho.
— Já não aguento mais mentiras — disse ela com voz firme. — Ou escolhes ficar comigo e tentamos reconstruir o que tínhamos… ou vais embora agora mesmo.
Fiquei parado à porta, incapaz de responder. O medo de perder tudo misturava-se com o desejo de recomeçar do zero com Teresa.
Nessa noite não dormi. Pensei em tudo: nos jantares em família, nas férias em Vila Nova de Milfontes, nas discussões por coisas pequenas… e também nos risos com Teresa, na sensação de ser visto e desejado outra vez.
No dia seguinte liguei à minha filha Inês:
— Pai? Está tudo bem?
A voz dela fez-me chorar pela primeira vez em anos. Contei-lhe tudo: as dúvidas, o vazio, Teresa.
— Pai… tu sempre foste o nosso porto seguro. Mas também tens direito a ser feliz. Só te peço que sejas honesto com a mãe — disse ela com uma maturidade que me surpreendeu.
A decisão parecia impossível: ficar por lealdade ou partir em busca de felicidade?
Naquela noite sentei-me com Marta na sala escura. O silêncio era pesado.
— Não sei se consigo viver sem ti — disse-lhe finalmente — mas também não sei se consigo continuar assim.
Ela chorou baixinho e eu abracei-a como há muito não fazia. Ficámos assim durante horas, sem palavras.
No dia seguinte marquei um encontro com Teresa num jardim perto do trabalho.
— Não posso continuar contigo — disse-lhe com lágrimas nos olhos. — Amo-te… mas não posso destruir tudo o que construí ao longo destes anos.
Ela chorou também, mas compreendeu. Abraçámo-nos longamente antes de cada um seguir o seu caminho.
Voltei para casa decidido a lutar pelo meu casamento. Procurei terapia de casal com Marta; foi difícil, doloroso, mas aos poucos fomos encontrando novas formas de nos reencontrar.
Hoje olho para trás e pergunto-me: teria sido mais feliz se tivesse escolhido Teresa? Ou será que a verdadeira coragem está em tentar reconstruir aquilo que julgávamos perdido?
E vocês? O que fariam se tivessem de escolher entre o conforto do conhecido e a promessa do novo? Será possível amar duas pessoas ao mesmo tempo sem se perder pelo caminho?