Os Homens da Minha Vida: Entre Escolhas e Consequências
— Não podes continuar assim, Inês! — gritou a minha mãe da cozinha, enquanto eu tentava esconder as lágrimas no quarto. O cheiro do arroz de pato misturava-se ao peso das palavras dela. — Já tens trinta e dois anos, filha. Quando é que vais assentar?
Fechei os olhos, sentindo o peito apertado. O eco da voz da minha mãe parecia vir de todos os cantos da casa. Lembrei-me do António, o primeiro homem que amei. Tinha dezassete anos e achava que o mundo era pequeno demais para nós dois. Ele era filho do padeiro, mãos calejadas e sorriso fácil. Jurou-me amor eterno junto ao rio Mondego, mas partiu para França em busca de uma vida melhor. Nunca mais voltou. Fiquei com cartas guardadas numa caixa de sapatos e um vazio que tentei preencher com outros nomes.
— Inês, ouviste o que eu disse? — insistiu a minha mãe.
— Ouvi, mãe. — respondi, tentando soar firme. — Mas não é assim tão simples.
Ela apareceu à porta do quarto, avental manchado e olhos cansados.
— O teu pai e eu só queremos ver-te feliz. Não podes continuar a fugir de tudo.
Fugir. Era isso que eu fazia? Talvez. Depois do António veio o Miguel, colega de faculdade, filho de um advogado famoso em Coimbra. Era tudo o que a minha mãe sonhava: educado, ambicioso, com futuro garantido. Mas nunca me fez rir como o António fazia. Os jantares com a família dele eram um desfile de aparências e silêncios desconfortáveis. Uma noite, depois de mais um jantar tenso, Miguel disse:
— Inês, tu nunca vais pertencer ao meu mundo.
Chorei sozinha na casa de banho do restaurante, sentindo-me pequena e deslocada. Terminei tudo naquela semana. A minha mãe ficou furiosa:
— És tola! Achas que vais encontrar melhor? O Miguel era um bom partido!
Mas eu queria mais do que um bom partido. Queria alguém que me visse, que me entendesse.
Os anos passaram e os homens foram entrando e saindo da minha vida como passageiros numa estação de comboios. Houve o Rui, músico de rua em Lisboa, com quem vivi seis meses intensos num quarto alugado em Alfama. Ele ensinou-me a dançar fado e a perder o medo do desconhecido. Mas também me ensinou o sabor amargo da traição: encontrei-o na cama com outra mulher numa tarde em que cheguei mais cedo do trabalho.
— Não é o que parece! — tentou justificar-se, mas as lágrimas já me cegavam.
Voltei para casa dos meus pais em Coimbra, derrotada e envergonhada. A minha mãe não disse nada dessa vez; apenas me abraçou enquanto eu soluçava no seu colo como quando era criança.
Depois veio o Pedro, colega do escritório onde comecei a trabalhar como contabilista. Era discreto, gentil, mas nunca me fez sentir borboletas no estômago. Os jantares eram previsíveis, as conversas mornas. Um dia ele pediu-me em casamento num restaurante italiano vazio.
— Inês, queres casar comigo?
Olhei para ele e percebi que não conseguia imaginar um futuro ao lado dele. Disse-lhe que não estava pronta. Ele levantou-se, pagou a conta e saiu sem olhar para trás.
Os meus pais ficaram devastados:
— Estás a desperdiçar todas as oportunidades! — gritava o meu pai.
Mas eu não queria viver uma vida pela metade só para agradar aos outros.
Aos trinta anos conheci o João numa caminhada na Serra da Lousã. Era enfermeiro, divorciado, com uma filha pequena chamada Matilde. Pela primeira vez senti que podia construir algo real. Passávamos fins de semana a passear pelos trilhos, a rir com a Matilde no parque infantil, a cozinhar juntos ao som de Amália Rodrigues.
Mas a ex-mulher dele nunca aceitou a nossa relação. Ligava-lhe a toda a hora, fazia cenas à porta da escola da filha. Um dia João chegou a casa exausto:
— Não aguento mais esta guerra, Inês. A Matilde está a sofrer.
Acabámos por nos afastar. Senti-me injustiçada pelo destino: sempre que parecia estar perto da felicidade, algo ou alguém me puxava para trás.
Agora aqui estou eu, sentada na cama do meu quarto de infância, rodeada por peluches antigos e fotografias desbotadas. Oiço os meus pais discutirem baixinho na sala sobre o meu futuro como se eu fosse uma criança perdida.
Às vezes pergunto-me se sou eu o problema. Se sou demasiado exigente ou simplesmente azarada no amor. Vejo as minhas amigas casadas, com filhos, casas próprias e vidas aparentemente perfeitas nas redes sociais. Sinto inveja? Talvez um pouco. Mas também sinto alívio por não ter cedido à pressão de viver uma vida que não era minha.
Numa noite chuvosa recebi uma mensagem inesperada: era do António.
“Inês, estou em Portugal por uns dias. Gostava de te ver.”
O coração disparou como se tivesse dezassete anos outra vez. Marcámos encontro num café junto ao rio onde tudo começou.
— Estás igual — disse ele ao ver-me entrar.
— Tu também — menti com um sorriso nervoso.
Conversámos durante horas sobre tudo e nada: as saudades de casa, os sonhos adiados, as cicatrizes do tempo.
— Nunca deixei de pensar em ti — confessou ele baixinho.
Senti vontade de chorar ali mesmo. Mas percebi que já não éramos os mesmos adolescentes ingénuos de antigamente. Havia demasiado passado entre nós.
Despedi-me dele com um abraço apertado e uma lágrima teimosa a escorrer pela face.
Voltei para casa sentindo-me estranhamente leve. Talvez porque finalmente percebi que não há finais perfeitos nem escolhas certas ou erradas — há apenas caminhos diferentes e as consequências das nossas decisões.
Hoje olho para trás sem arrependimentos profundos. Cada homem da minha vida foi um espelho das minhas escolhas e inseguranças, dos meus sonhos e medos.
Pergunto-me: será que alguma vez encontrarei paz com as minhas escolhas? Ou será que viver é mesmo isto — aprender a aceitar as imperfeições do caminho?
E vocês? Já sentiram que cada escolha vos afastou ou aproximou do vosso verdadeiro eu?