O Perfume que Mudou Tudo: Uma História de Traição e Renascimento
— Dário, onde estiveste até esta hora? — perguntei, tentando controlar o tremor na minha voz enquanto olhava para o relógio da cozinha. Eram quase duas da manhã. O silêncio dele era ensurdecedor, mas o que mais me perturbava era aquele cheiro. Não era o perfume dele, nem o meu. Era um aroma doce, intenso, feminino — completamente estranho à nossa casa.
Ele pousou as chaves na mesa com um suspiro pesado. — Fui só tomar um copo com o Rui depois do trabalho, Marta. Já te disse que ando cansado, não compliques.
Mas eu conhecia o Dário melhor do que ninguém. Ou pelo menos pensava que conhecia. O olhar dele fugia do meu, e a forma como evitava aproximar-se só confirmava o que o meu coração já gritava: havia ali algo errado. Senti um aperto no peito, uma mistura de raiva e medo. Tantos anos juntos, tantas promessas trocadas… E agora, naquele instante, tudo parecia desmoronar-se.
— Não compliques? — repeti, a voz a subir de tom. — Chegas tarde, cheiras a perfume de mulher e achas que não devo complicar?
Ele virou-me as costas e foi direito ao quarto. Fiquei ali parada, sozinha na cozinha fria, a ouvir o som da água a correr no duche. Cada gota parecia marcar o fim de uma era na minha vida.
Na manhã seguinte, tentei agir normalmente. Preparei o pequeno-almoço para os nossos filhos, a Beatriz e o Tomás, como se nada tivesse acontecido. Mas por dentro sentia-me vazia. O Dário saiu cedo, sem sequer me olhar nos olhos. Senti-me invisível.
Durante dias, tentei convencer-me de que estava a exagerar. Talvez fosse só cansaço, talvez estivesse a imaginar coisas. Mas os sinais estavam lá: mensagens apagadas no telemóvel dele, reuniões de trabalho que se prolongavam até tarde, uma distância crescente entre nós.
A minha mãe percebeu logo que algo não estava bem. — Marta, filha, tu não és assim. O que se passa?
Olhei para ela com lágrimas nos olhos. — Acho que o Dário me está a trair.
Ela suspirou e puxou-me para um abraço apertado. — Tens de ser forte. Pensa em ti e nos teus filhos.
Mas como é que se pensa em si própria quando tudo à volta parece ruir? Como é que se enfrenta a traição sem se perder pelo caminho?
Nessa noite, esperei que ele adormecesse e peguei no telemóvel dele. As mãos tremiam-me tanto que quase deixei cair o aparelho. Bastaram dois minutos para encontrar as mensagens: “Adorei estar contigo hoje”, “O teu cheiro ficou em mim”… O nome dela era Andreia.
Senti uma náusea profunda. O chão fugiu-me dos pés. Saí para a varanda e chorei baixinho para não acordar as crianças.
No dia seguinte, confrontei-o.
— Já sei tudo, Dário. Não vale a pena mentires mais.
Ele ficou pálido como a cal da parede. — Marta…
— Quanto tempo? — interrompi-o, sem conseguir conter as lágrimas.
— Há uns meses… Não era suposto acontecer…
— Mas aconteceu! — gritei-lhe. — E agora? O que faço eu com isto?
Ele não respondeu. Limitou-se a sentar-se no sofá com as mãos na cabeça.
A partir desse momento, tudo mudou cá em casa. O silêncio tornou-se insuportável. Os miúdos começaram a perguntar porque é que andávamos sempre tristes, porque é que o pai dormia no sofá.
A minha irmã Joana veio cá passar uns dias para me ajudar. — Não podes deixar que ele te destrua assim, Marta. Tu vales muito mais do que isto.
Mas eu sentia-me pequena, insignificante. Cada vez que olhava para ele via todas as mentiras, todas as noites em claro à espera de uma mensagem ou de um telefonema.
Uma tarde, enquanto arrumava o quarto da Beatriz, encontrei um desenho dela: uma família de mãos dadas, mas com o pai desenhado longe dos outros três. Senti um nó na garganta. Os meus filhos estavam a sofrer por minha causa.
Decidi procurar ajuda profissional. Comecei a ir à psicóloga do centro de saúde da nossa freguesia em Almada. As primeiras sessões foram duras; chorei mais do que falei.
— Marta, tu tens direito à felicidade — disse-me a Dra. Sílvia numa das sessões. — Não tens de carregar sozinha o peso da culpa dele.
Essas palavras ficaram comigo durante dias. Comecei a pensar em tudo o que tinha abdicado por aquela família: os meus sonhos adiados, os convites recusados pelas amigas para sair à noite, os cursos que nunca tirei porque “não dava jeito” ao Dário.
Uma noite, depois de pôr os miúdos na cama, sentei-me com ele à mesa da cozinha.
— Não consigo perdoar-te agora — disse-lhe com voz firme. — Preciso de tempo e espaço para perceber quem sou sem ti.
Ele chorou pela primeira vez desde que tudo começou. Pediu-me desculpa mil vezes, prometeu mudar… Mas eu já não acreditava em promessas.
Decidi separar-me temporariamente. Fui com os miúdos para casa da minha mãe em Setúbal durante umas semanas. Foi estranho voltar ao quarto onde cresci, mas também reconfortante sentir-me protegida pelos meus pais e pela Joana.
Os dias passaram devagarinho. A Beatriz perguntava todos os dias pelo pai; o Tomás fazia birras porque queria voltar à nossa casa em Almada. Eu tentava ser forte por eles, mas à noite chorava baixinho para não os acordar.
Um dia recebi uma mensagem da Andreia: “Desculpa ter destruído a tua família.” Fiquei furiosa. Quem era ela para me pedir desculpa agora? Apaguei a mensagem sem responder.
A minha mãe insistia para eu falar com um advogado sobre a separação definitiva. O meu pai dizia-me para pensar bem antes de tomar decisões precipitadas.
— O casamento é para toda a vida — dizia ele com aquela voz grave de sempre.
Mas eu já não acreditava nisso.
Comecei a sair mais com as amigas antigas: jantares em Lisboa, passeios à beira-rio em Setúbal… Aos poucos fui recuperando partes de mim que julgava perdidas para sempre.
Um dia levei os miúdos ao parque e encontrei o Rui, amigo do Dário desde sempre.
— Marta… desculpa meter-me, mas acho que devias saber: o Dário está mesmo arrependido. Ele não anda bem desde que saíste de casa.
Olhei para o Rui e percebi que ele falava a sério. Mas será que bastava estar arrependido? E eu? Será que algum dia conseguiria voltar a confiar?
Passaram-se meses até conseguir olhar para o Dário sem sentir raiva ou tristeza profunda. Fizemos terapia de casal durante algum tempo por causa dos miúdos; tentámos reconstruir alguma coisa do que tínhamos perdido.
Mas percebi que já não era possível voltar atrás no tempo. A confiança é como um vaso partido: mesmo colado nunca volta a ser igual.
Arranjei um emprego novo numa papelaria perto da escola dos miúdos; voltei a estudar à noite para acabar o curso de contabilidade que tinha deixado pendurado há anos.
O Dário acabou por sair de casa definitivamente; arranjou um apartamento pequeno em Cacilhas e vê os filhos aos fins-de-semana.
Hoje olho para trás e vejo uma mulher diferente daquela Marta ingénua e dependente do início desta história. Aprendi a viver sozinha, a gostar de mim própria outra vez.
Às vezes ainda sinto saudades do tempo em que acreditava no “felizes para sempre”… Mas agora sei que sou capaz de recomeçar quantas vezes forem precisas.
E vocês? Já sentiram esse cheiro estranho que muda tudo num instante? O que fariam se tivessem de escolher entre perdoar ou recomeçar do zero?