O Amor Cego de Sofia por Tiago: Entre Avisos de Mãe e o Abismo do Coração
— Sofia, ouve-me só desta vez, filha. Por favor. — A voz da minha mãe tremia, mas eu já nem a olhava nos olhos. O cheiro do café acabado de fazer misturava-se com o perfume barato que Tiago usava e que ainda pairava na sala. — Ele não gosta de ti como tu pensas. Só está aqui pelo apartamento. Vê se entendes!
Senti o sangue ferver-me nas veias. — Mãe, chega! Já não sou uma criança! — gritei, a voz embargada pela raiva e pelo medo de que ela tivesse razão. — O Tiago ama-me. Não vês? Só porque não é como os teus amigos do clube de leitura ou os filhos da dona Amélia…
Ela suspirou fundo, os olhos marejados de lágrimas. — Eu só quero o teu bem, Sofia. Não quero ver-te sofrer.
Mas eu já não ouvia. O coração batia-me descompassado, como se cada batida fosse um grito de revolta contra o mundo inteiro. Lembro-me do primeiro dia em que vi o Tiago, sentado sozinho na esplanada do Café Central, a mexer no telemóvel com um ar distraído. Não era bonito — nem alto, nem elegante — mas tinha um sorriso torto e um olhar que parecia prometer aventuras. Eu, sempre a sentir-me invisível entre as amigas bonitas e confiantes, senti-me escolhida quando ele me olhou.
— Posso sentar-me? — perguntei-lhe nesse dia, surpreendendo-me a mim própria com a ousadia.
Ele sorriu. — Claro. Estava mesmo a precisar de companhia.
Conversámos durante horas. Falou-me dos sonhos dele — queria abrir um bar na baixa do Porto, viajar até ao Brasil, escrever um livro sobre a vida noturna da cidade. Eu contei-lhe dos meus dias monótonos na loja de roupa da minha tia e do apartamento pequeno que herdei da avó Rosa. Ele ouviu tudo com atenção, riu-se das minhas piadas sem graça e, no fim, pediu-me o número.
A partir desse dia, tudo mudou. O Tiago começou a aparecer cada vez mais vezes: trazia flores roubadas dos jardins públicos, chocolates baratos e histórias mirabolantes sobre empregos que nunca duravam mais de uma semana. A minha mãe torcia o nariz sempre que ele vinha cá a casa.
— Ele não tem rumo, Sofia. Não vês? Só te procura quando precisa de alguma coisa.
Mas eu não queria saber. Pela primeira vez na vida sentia-me amada, desejada. Quando ele me pediu para ficar uns dias em minha casa porque tinha discutido com o senhorio, nem hesitei.
— É só até arranjar outro sítio — prometeu ele, com aquele sorriso desarmante.
Os dias transformaram-se em semanas, as semanas em meses. O Tiago nunca pagava renda nem ajudava nas contas. Passava as tardes no sofá a ver televisão ou a sair com amigos que eu não conhecia. Quando lhe pedia para procurar trabalho, zangava-se.
— Achas que é fácil? O país está uma miséria! — gritava ele, batendo com a porta.
A minha mãe começou a vir menos vezes cá a casa. Quando vinha, limitava-se a olhar para mim com tristeza.
— Estás magra, Sofia. Tens olheiras. Isso não é felicidade.
Eu respondia sempre o mesmo: — Estou bem, mãe. Só estou cansada do trabalho.
Mas era mentira. Passava as noites acordada à espera que o Tiago voltasse dos bares onde dizia ir procurar emprego. Chegava sempre tarde, muitas vezes alcoolizado, cheirando a perfume barato e tabaco. Uma noite chegou com uma nódoa negra no olho.
— O que aconteceu? — perguntei assustada.
Ele encolheu os ombros. — Nada de especial. Uns tipos armados em espertos.
Comecei a desconfiar das histórias dele. Um dia encontrei mensagens no telemóvel dele para outra rapariga: “Logo passo aí”; “Saudades tuas”; “A Sofia não desconfia de nada”.
O chão fugiu-me dos pés. Esperei que ele chegasse e atirei-lhe o telemóvel para cima da mesa.
— Explica-me isto! — gritei.
Ele riu-se na minha cara. — És tão ingénua… Achas mesmo que alguém como eu ia ficar preso a alguém como tu?
As palavras dele cortaram-me como facas. Senti-me pequena, ridícula, usada.
— Sai daqui! — gritei entre lágrimas.
Ele levantou-se devagar, pegou no casaco e antes de sair disse: — Vais arrepender-te disto. Ninguém te vai querer como eu te quis.
Quando a porta bateu atrás dele, caí no chão e chorei até não ter mais forças. A minha mãe apareceu no dia seguinte sem avisar. Encontrou-me sentada no chão da cozinha, rodeada de chávenas sujas e papéis espalhados.
— Oh filha… — abraçou-me sem dizer mais nada.
Demorei meses a recuperar. Tive de vender algumas coisas para pagar as dívidas que o Tiago deixou: contas da luz por pagar, cartões de crédito usados sem eu saber. Perdi amigos porque me afastei deles durante aquele tempo todo.
Hoje olho para trás e vejo todos os sinais que ignorei: os avisos da minha mãe, as mentiras pequenas que fui desculpando, o vazio que sentia mesmo quando ele estava ao meu lado.
Pergunto-me muitas vezes: porque é que nos agarramos tanto à ideia de sermos amados quando isso nos destrói? Será que alguma vez aprendemos mesmo com os nossos erros? E vocês… já ignoraram algum aviso do coração só para não ficarem sozinhos?