Quando a Sogra Ultrapassa Todos os Limites: A Minha Luta por Respeito Dentro de Casa

— Mariana, não achas que já chega de sal? Isto está intragável! — A voz da Dona Amélia ecoou pela cozinha, cortando o silêncio como uma faca afiada. Os olhos do Ricardo desviaram-se do telemóvel e pousaram em mim, hesitantes, como se quisesse defender-me mas não tivesse coragem. Eu, com a colher ainda na mão, senti o rosto arder de vergonha. Era a terceira vez naquela semana que ela criticava a minha comida à frente de toda a gente.

A verdade é que nunca imaginei que a minha vida se transformasse nisto. Quando eu e o Ricardo decidimos vir morar com a mãe dele, foi porque o nosso apartamento estava em obras e parecia lógico aproveitar a casa grande dela em Almada. “É só por uns meses”, prometeu-me ele, com aquele sorriso que sempre me desarma. Mas os meses passaram e as obras arrastaram-se. E eu fui ficando cada vez mais pequena dentro daquela casa que nunca foi minha.

No início, tentei agradar. Levantava-me cedo para preparar o pequeno-almoço, arrumava tudo ao pormenor, até passava a ferro as camisas do Ricardo e as blusas da Dona Amélia. Mas nada parecia suficiente. Um dia era o café demasiado forte, no outro era o chão mal limpo. E as críticas não eram só para mim — até ao Ricardo ela não poupava: “Filho, quando é que arranjas um emprego de jeito? Esta tua mania das startups não te leva a lado nenhum!”.

O pior era aos domingos, quando vinha a família toda almoçar. A mesa cheia de primos, tias e vizinhos, todos a falar alto, a rir. E eu ali, sempre nervosa, porque sabia que mais cedo ou mais tarde vinha o comentário venenoso. “Mariana, tu não sabes fazer arroz de pato como a minha irmã Lurdes!” Ou então: “No meu tempo, as mulheres sabiam cuidar da casa…”. Eu sorria amarelo, engolia em seco e fingia que não ouvia. Mas por dentro sentia-me cada vez mais invisível.

Uma tarde, depois de mais uma discussão por causa do detergente da loiça — “Este cheira mal! No meu tempo usava-se sabão azul e branco!” — fechei-me na casa de banho e chorei baixinho. Lembrei-me da minha mãe, lá em Viseu, sempre pronta a ouvir-me ao telefone: “Filha, tens de impor respeito! Não deixes que te passem por cima.” Mas como? Ali eu era sempre a forasteira.

O Ricardo tentava ajudar à sua maneira. “Amor, ignora… A minha mãe é assim com toda a gente.” Mas eu via como ele também se encolhia perante ela. Às vezes discutiam à noite, quando pensavam que eu já dormia:

— Mãe, deixa a Mariana em paz!
— Olha que eu só quero o melhor para ti! Esta rapariga não sabe nada da vida!

E eu ouvia tudo do quarto, com o coração apertado.

As coisas pioraram quando comecei a trabalhar em casa. O meu chefe do escritório em Lisboa permitiu-me fazer teletrabalho, mas Dona Amélia não entendia:

— Trabalhar ao computador? Isso não é trabalho! No meu tempo é que se trabalhava a sério!

E cada vez que eu tinha uma reunião importante pelo Zoom, ela entrava no quarto sem bater:

— Mariana, onde puseste o pano da loiça?

Os meus colegas ouviam tudo e eu sentia-me humilhada.

Um dia, depois de um almoço especialmente tenso — Dona Amélia criticou-me porque comprei pão fatiado em vez de pão inteiro — decidi sair para apanhar ar. Sentei-me num banco do jardim e liguei à minha mãe.

— Mãe, eu já não aguento mais…
— Filha, tens de falar com o Ricardo. Isto não pode continuar assim.

Nessa noite esperei que Dona Amélia fosse dormir e sentei-me com o Ricardo na sala.

— Ricardo, eu amo-te. Mas não posso continuar assim. Sinto que perdi o controlo da minha vida… Não sou feliz nesta casa.

Ele olhou para mim com tristeza.

— Eu sei… Eu também estou cansado disto tudo. Mas as obras ainda vão demorar…
— Então vamos arrendar um quarto! Qualquer coisa! Eu só quero sentir-me em casa outra vez.

Ele prometeu pensar no assunto. Mas os dias passaram e nada mudou.

O ponto de rutura chegou numa tarde chuvosa de novembro. Estava a preparar um bolo para o aniversário do Ricardo quando Dona Amélia entrou na cozinha:

— Vais mesmo usar essa receita? A minha nunca falha!

Eu respirei fundo.

— Dona Amélia, por favor… Deixe-me fazer à minha maneira.

Ela olhou para mim como se eu tivesse cometido uma heresia.

— Olha que falta de respeito! Na minha casa ainda mando eu!

Nesse momento senti tudo desabar dentro de mim. Larguei a colher na bancada e saí da cozinha sem dizer palavra. Fui para o quarto e comecei a fazer as malas. O Ricardo entrou pouco depois.

— O que estás a fazer?
— Vou para casa da minha mãe uns dias. Preciso de respirar.

Ele tentou convencer-me a ficar, mas eu estava decidida. Apanhei o comboio para Viseu nessa noite.

Na casa dos meus pais voltei a sentir paz. Dormi como já não dormia há meses. A minha mãe fez-me chá e ouviu-me sem julgar.

— Filha, às vezes temos de escolher entre agradar aos outros ou sermos fiéis a nós próprias.

Fiquei lá uma semana. O Ricardo ligava todos os dias:

— Volta… A minha mãe está diferente desde que saíste. Acho que percebeu que exagerou.

Quando regressei a Almada, Dona Amélia recebeu-me com um silêncio estranho. Não pediu desculpa — nunca pediria — mas deixou-me cozinhar em paz nesse domingo. Até me elogiou o arroz doce.

As coisas não mudaram radicalmente, mas aprendi a impor limites. Quando ela começa com as críticas, sorrio e digo calmamente:

— Obrigada pela sugestão, Dona Amélia. Mas vou fazer à minha maneira.

O Ricardo apoiou-me mais desde então. E começámos finalmente a procurar um apartamento só nosso.

Às vezes pergunto-me: quantas mulheres portuguesas vivem esta luta silenciosa dentro das suas próprias casas? Quantas vezes calamos para evitar conflitos? Será que vale mesmo a pena sacrificar-nos tanto pelo bem-estar dos outros?