O Jantar Que Mudou a Minha Vida: Uma Noite Para Nunca Esquecer
— Não acredito que estás aqui, Mariana. — A voz do meu irmão, João, ecoou pelo pequeno restaurante italiano, cortando o ar como uma faca. Eu estava sentada à mesa com o Miguel, um rapaz que conheci há apenas uma semana na Feira do Livro do Porto. O cheiro a manjericão fresco e alho pairava no ar, mas de repente tudo perdeu o sabor.
O Miguel olhou para mim, confuso, enquanto eu tentava engolir em seco. — Conheces este senhor? — perguntou ele, baixinho, tentando manter a compostura.
— É o meu irmão — respondi, sentindo o rosto a arder. — João, por favor, não faças isto agora.
Mas ele já estava ao meu lado, os olhos faiscando de raiva. — Mariana, precisamos de falar. Agora.
Naquele momento, tudo o que eu queria era desaparecer. Tinha passado os últimos meses a tentar reconstruir a minha vida depois do divórcio difícil com o Pedro. A minha mãe dizia sempre: “Filha, tens de te dar uma nova oportunidade.” E ali estava eu, finalmente a tentar seguir em frente, mas o passado parecia não me largar.
O Miguel levantou-se, desconfortável. — Se quiseres, posso ir embora…
— Não! — exclamei, talvez alto demais. — Por favor, fica. João, senta-te connosco. Não faças uma cena.
Ele hesitou, mas acabou por se sentar. O silêncio era tão pesado que quase conseguia ouvi-lo a esmagar os meus sonhos.
— Mariana, sabes quem é este homem? — perguntou João, fitando o Miguel com desconfiança.
— Sei. Conheci-o na feira do livro. Conversámos sobre Agatha Christie e Camilo Castelo Branco. Ele é professor de literatura no liceu Sá de Miranda.
O Miguel sorriu timidamente, tentando aliviar a tensão. — É verdade. E a sua irmã é uma leitora apaixonada.
João ignorou-o e virou-se para mim. — Mariana, ele é casado.
O chão fugiu-me dos pés. Olhei para o Miguel à procura de negação, de um sorriso nervoso, de qualquer coisa que desmentisse aquelas palavras. Mas ele baixou os olhos.
— Mariana… — começou ele, a voz embargada. — Eu devia ter-te contado antes. Não queria estragar esta noite. Estou separado há três meses, mas ainda não oficializei o divórcio. Não queria envolver-te nos meus problemas.
Senti as lágrimas a quererem saltar-me dos olhos. — Porque não disseste nada? Achaste que eu não merecia saber?
Ele abanou a cabeça, desesperado. — Não foi isso! Eu só… Queria sentir-me normal outra vez. Queria acreditar que podia começar de novo sem arrastar contigo os meus fantasmas.
João levantou-se abruptamente. — Mariana, vamos embora. Não tens de passar por isto outra vez.
Mas eu fiquei ali sentada, imóvel. Lembrei-me das noites em claro depois do Pedro me ter traído com a colega do escritório. Lembrei-me das discussões com a minha mãe sobre como nunca mais ia confiar em ninguém. E agora isto.
O Miguel estendeu-me a mão por cima da mesa. — Mariana, perdoa-me. Eu gosto mesmo de ti. Não queria magoar-te.
Olhei para ele e vi sinceridade nos seus olhos castanhos, mas também vi medo e insegurança — os mesmos sentimentos que me assombravam há meses.
— Preciso de pensar — murmurei, levantando-me devagar.
Saí do restaurante sem olhar para trás, sentindo o vento frio da noite a cortar-me a pele. João veio atrás de mim.
— Desculpa se fui duro contigo — disse ele, já na rua deserta da Baixa do Porto. — Só quero proteger-te.
— Eu sei — respondi, abraçando-o com força. — Mas às vezes preciso de cair para aprender a levantar-me sozinha.
Caminhámos em silêncio até ao carro dele. O caminho para casa foi feito sem palavras; só o som da chuva miudinha contra o vidro preenchia o vazio entre nós.
Quando cheguei ao meu pequeno apartamento em Cedofeita, sentei-me no sofá e deixei as lágrimas correrem livremente. Peguei no telemóvel e vi uma mensagem do Miguel: “Desculpa por tudo. Se quiseres falar, estarei aqui.” Apaguei-a sem responder.
Na manhã seguinte, acordei com os olhos inchados e uma sensação de vazio no peito. A minha mãe ligou-me logo cedo:
— Então filha, como correu o jantar?
Hesitei antes de responder:
— Correu… como tinha de correr.
Ela percebeu logo pelo tom da minha voz que algo estava errado.
— Mariana, não deixes que os erros dos outros te impeçam de ser feliz. Mas também não ignores os sinais que a vida te dá.
Passei os dias seguintes num torpor estranho entre o trabalho no hospital e as tentativas falhadas de me distrair com livros e séries antigas. O Miguel tentou ligar-me várias vezes mas nunca atendi.
Uma semana depois encontrei-o por acaso na Livraria Lello. Estava diferente: mais magro, olheiras fundas.
— Mariana… — disse ele suavemente.
— Olá Miguel.
Ficámos ali parados entre prateleiras cheias de histórias alheias enquanto tentávamos resolver a nossa própria narrativa.
— Só queria pedir-te desculpa mais uma vez — disse ele finalmente. — Sei que errei ao esconder-te parte da minha vida. Mas gostava mesmo de tentar outra vez… quando estiver pronto para ser honesto desde o início.
Olhei para ele e percebi que também eu precisava de tempo para sarar as minhas feridas antes de confiar outra vez em alguém.
— Talvez um dia — respondi com um sorriso triste.
Agora escrevo estas palavras sentada à janela do meu quarto com vista para os telhados húmidos do Porto e pergunto-me: será que algum dia vamos conseguir amar sem medo? Ou estaremos sempre condenados a repetir os erros do passado?