À Sombra da Minha Sogra – Tempestade Após o Nascimento do Meu Filho
— Não acredito que fizeste isto sem me perguntar, Rui! — gritei, sentindo o peito apertado, o bebé a chorar nos meus braços e a minha voz a ecoar pela casa.
Ele desviou o olhar, envergonhado. — Ela só quer ajudar, Mariana. É tua sogra, não um monstro.
Ajuda? Ajuda seria respeitar o meu espaço, pensei, mas não disse. O cheiro do café acabado de fazer misturava-se com o aroma do creme do bebé e o suor frio que me escorria pelas costas. A minha sogra, Dona Lurdes, já estava na cozinha, a reorganizar os armários como se fosse a dona da casa.
— Mariana, querida, tens de aprender a fazer as coisas de outra maneira. Assim o menino nunca vai dormir bem — disse ela, pegando no meu filho como se eu fosse uma criança incapaz.
Senti-me invisível. O Rui não dizia nada. Limitava-se a olhar para o telemóvel, fingindo que não via o desconforto que pairava no ar. Eu estava exausta. As noites eram um ciclo de mamadas e choros, e agora tinha de lidar com uma mulher que criticava cada gesto meu.
Na primeira noite, Dona Lurdes insistiu em dormir no quarto ao lado do nosso. — Se precisares de alguma coisa, chama-me — disse ela, mas o tom era mais de vigilância do que de apoio. Quando tentei adormecer o bebé ao meu colo, ela apareceu à porta: — Não vês que assim ele nunca vai aprender a dormir sozinho?
O Rui tentava apaziguar: — Mãe só quer ajudar, Mariana. Não leves a mal.
Mas eu levava. Levava tudo a mal. Sentia-me uma intrusa na minha própria casa. O leite quase não saía, talvez por causa do stress. Uma noite acordei com Dona Lurdes no quarto, a pegar no bebé sem me pedir licença. — Vai descansar, menina. Eu trato dele.
— Não! — gritei mais alto do que queria. O bebé acordou a chorar ainda mais alto. O Rui entrou apressado: — O que se passa aqui?
— A tua mãe não pode continuar assim! — explodi. — Preciso de espaço! Preciso de ser mãe!
Dona Lurdes ficou ofendida. — Só estou a tentar ajudar! Se não queres, digo já ao Rui que vou embora!
Mas ela não foi. Ficou mais uma semana. Uma semana em que cada gesto meu era observado, cada erro amplificado. Uma semana em que comecei a duvidar de mim própria.
No terceiro dia, tentei preparar sopa para mim e para o bebé. Dona Lurdes tirou-me a colher da mão: — Não sabes fazer assim. Deixa estar, eu faço.
Senti as lágrimas a subir-me aos olhos. Fui para o quarto e fechei a porta. O Rui veio atrás de mim.
— Mariana, tens de perceber… Ela só quer sentir-se útil.
— E eu? Eu não posso sentir-me mãe? Não posso errar? Não posso aprender?
Ele ficou calado. Pela primeira vez vi dúvida nos olhos dele.
Naquela noite sonhei com a minha mãe, falecida há dois anos. No sonho ela sorria e dizia: “Confia em ti, filha.” Acordei com os olhos molhados e uma decisão tomada.
Na manhã seguinte sentei-me à mesa com Dona Lurdes e Rui.
— Preciso que me oiçam — comecei, com a voz trémula mas firme. — Agradeço toda a ajuda, mas preciso do meu espaço. Preciso de ser mãe à minha maneira. Preciso que respeitem isso.
Dona Lurdes bufou: — No meu tempo não era assim…
— Pois não era — interrompi — mas agora é o meu tempo.
O Rui olhou para mim como se me visse pela primeira vez. — Mãe… talvez seja melhor ires para casa uns dias.
O silêncio caiu pesado sobre nós. Dona Lurdes levantou-se devagar e foi arrumar as coisas dela sem dizer mais nada.
Quando finalmente saiu pela porta, senti um alívio misturado com culpa. O Rui abraçou-me em silêncio.
Os dias seguintes foram estranhos. A casa parecia maior e mais vazia. O bebé chorava menos; ou talvez eu estivesse mais calma para o ouvir sem desespero.
Recebi mensagens da sogra: “Espero que saibas o que fazes.” “O Rui nunca foi assim antes.” Ignorei-as durante dias até responder: “Estou a aprender a ser mãe. Preciso que confie em mim.”
A relação com o Rui ficou tensa durante semanas. Ele sentia-se dividido entre mim e a mãe dele. Às vezes discutíamos baixinho para não acordar o bebé:
— Não percebes que também é difícil para mim? — dizia ele.
— E para mim não é? Estou sozinha nisto tudo! — respondia eu.
Houve noites em que pensei em fazer as malas e ir para casa da minha irmã em Coimbra. Mas ficava sempre pelo meu filho; por mim também.
Com o tempo, Dona Lurdes começou a ligar menos vezes. O Rui percebeu que eu precisava de apoio e não de vigilância. Começámos a encontrar um equilíbrio frágil entre as visitas dela e o nosso espaço.
Hoje olho para trás e vejo como tudo podia ter corrido mal se eu tivesse continuado calada. Mas também vejo as marcas que ficaram: uma relação tensa com a sogra, um casamento que teve de ser reconstruído tijolo a tijolo.
Às vezes pergunto-me: será que fiz bem em impor limites? Ou devia ter cedido mais para manter a paz? Até onde devemos ir para agradar à família sem perdermos quem somos?
E vocês? Já sentiram que tinham de escolher entre vocês próprios e a família?