Um Pedido Inesperado: Entre o Amor e o Arrependimento

— Não podes estar a falar a sério, Ricardo! — gritei, a voz embargada pelo choque e pelo vinho barato que ainda me queimava a garganta. O restaurante estava quase vazio, mas as poucas pessoas que restavam olharam discretamente na nossa direção. Ele ajoelhou-se ali mesmo, entre as cadeiras de madeira e as toalhas manchadas de vinho tinto, com um sorriso nervoso e um anel improvisado feito de guardanapo.

— Leonor, eu sei que é cedo. Mas… sinto que és a mulher da minha vida. Casa comigo.

O mundo parou. Oiço o tilintar dos talheres, o riso abafado de uma senhora idosa na mesa ao lado, o bater acelerado do meu coração. Como é que cheguei aqui? Ontem nem sabia quem era Ricardo. Hoje, ele pede-me em casamento como se fosse a coisa mais natural do mundo.

Tudo começou há menos de vinte e quatro horas. Saí de casa depois de uma discussão feia com a minha mãe. Ela não entendia porque queria estudar Belas-Artes em Lisboa. “Isso não é profissão para ninguém! Vais acabar a servir cafés como eu!” — atirou ela, com aquela amargura que só as mães portuguesas sabem usar. Saí porta fora, sem olhar para trás, com o telemóvel a vibrar na mão e o coração aos saltos.

Foi então que a minha amiga Sofia me ligou: “Anda ter comigo ao Bairro Alto. Precisas de desanuviar.” Aceitei sem pensar duas vezes. No bar, entre copos de gin e conversas sobre sonhos adiados, conheci Ricardo. Alto, moreno, sorriso fácil. Falámos sobre tudo: música, viagens, família. Ele contou-me que era engenheiro civil, mas sonhava ser escritor. Eu ri-me: “Então somos dois a fugir ao destino que nos deram.” A noite avançou depressa demais. Quando dei por mim, estávamos sozinhos na rua deserta, e ele segurava-me a mão como se já me conhecesse há anos.

— Queres vir ver o nascer do sol à praia? — perguntou ele, com aquele brilho nos olhos.

Disse que sim. Não pensei nas consequências. Não pensei em nada. Só queria fugir da minha vida por umas horas.

Na praia da Costa da Caparica, sentados na areia fria, falámos dos nossos medos mais profundos. Ele contou-me sobre o pai ausente e a mãe doente. Eu falei-lhe do meu irmão mais novo, Miguel, que sempre me olhou como exemplo e agora mal me dirigia a palavra. Quando o sol nasceu, senti-me leve como há muito não me sentia.

Voltámos para Lisboa de comboio, rindo como adolescentes. Foi aí que ele sugeriu irmos almoçar ao restaurante do tio dele em Alfama. Aceitei — outra vez sem pensar.

E agora aqui estou eu, com um homem quase desconhecido ajoelhado à minha frente, rodeada de olhares curiosos e sorrisos cúmplices.

— Leonor? — insiste ele, os olhos brilhantes de esperança.

Sinto o peso das expectativas dele e das minhas próprias dúvidas. Oiço a voz da minha mãe na cabeça: “Não confies em estranhos!” Mas também oiço a minha própria voz, cansada de viver pela metade.

— Ricardo… isto é loucura — murmuro.

Ele levanta-se devagar, sem largar a minha mão.

— Às vezes é preciso ser louco para ser feliz.

O almoço transforma-se num desfile de perguntas embaraçosas do tio dele: “Então já conheces a família? E os teus pais?” Minto descaradamente: digo que os meus pais estão bem e que apoiam todas as minhas decisões. Sinto-me suja por dentro.

Depois do almoço, Ricardo insiste em levar-me a casa. No caminho, recebo uma mensagem da minha mãe: “Volta para casa. Precisamos de falar.” O coração aperta-se-me no peito.

Chegamos ao meu bairro e ele estaciona o carro junto ao jardim onde brinquei em criança.

— Leonor… — começa ele, mas interrompo-o.

— Preciso de tempo para pensar.

Ele acena com a cabeça, mas vejo o desapontamento nos olhos dele.

Subo as escadas do prédio antigo com as pernas a tremer. A porta está entreaberta; entro devagar. A minha mãe está sentada à mesa da cozinha, olhos vermelhos de tanto chorar. O meu irmão Miguel está ao lado dela, calado como uma sombra.

— Onde estiveste? — pergunta ela num sussurro cansado.

Sento-me à frente dela e conto tudo: a discussão, a noite fora, Ricardo e o pedido insano de casamento. Ela ouve sem interromper, mas vejo-lhe o rosto endurecer a cada palavra.

— Achas que isto é um filme americano? — explode ela finalmente. — Vais casar com um homem que conheceste ontem? E se ele for um maluco? E se te magoar?

Miguel olha para mim com uma mistura de medo e admiração.

— Eu só quero ser feliz — digo baixinho.

A minha mãe levanta-se de rompante:

— Felicidade não se constrói em cima de impulsos! Olha para mim! Olha para o que me aconteceu por confiar demais!

Ela nunca fala do meu pai. Ele abandonou-nos quando eu tinha dez anos. Agora percebo o medo dela: não quer ver-me repetir os mesmos erros.

Passam-se dias em silêncio pesado. Ricardo liga-me todos os dias; eu não atendo. Sinto-me presa entre dois mundos: o da promessa fácil do desconhecido e o da segurança amarga do lar.

Uma tarde, Sofia aparece em minha casa sem avisar:

— Estás bem? — pergunta ela.

Desabo em lágrimas no seu ombro.

— Não sei o que fazer… Sinto que estou a perder tudo: a família, os sonhos… até a mim própria.

Ela segura-me as mãos:

— Às vezes temos de perder-nos para nos encontrarmos outra vez.

Naquela noite decido encontrar-me com Ricardo uma última vez. Marcamos no miradouro de Santa Catarina ao pôr-do-sol.

Ele está lá antes de mim, nervoso, mãos nos bolsos.

— Leonor… pensei muito no que disseste. Não quero forçar-te a nada. Só quero que sejas feliz — diz ele com sinceridade nos olhos.

Olho para Lisboa iluminada aos nossos pés e percebo que não posso fugir dos meus medos nem das minhas responsabilidades.

— Preciso de tempo para mim — digo-lhe finalmente. — Para perceber quem sou antes de pertencer a alguém.

Ele sorri tristemente:

— Se algum dia quiseres tentar outra vez… estarei aqui.

Volto para casa sentindo-me estranhamente leve e triste ao mesmo tempo. A minha mãe espera-me à porta; abraça-me sem dizer nada. Pela primeira vez em muito tempo sinto que talvez haja esperança para nós as duas.

Hoje olho para trás e pergunto-me: quantas vezes deixamos que o medo ou a pressa decidam por nós? E vocês… já tomaram uma decisão da qual se arrependeram profundamente?