Sozinha em Lisboa: Entre a Liberdade e o Vazio
— Não percebo porque insistes em ficar aí sozinha, Mariana! — A voz da minha mãe ecoava pelo telefone, misturada com o barulho dos elétricos lá fora. — Lisboa não é para meninas sozinhas.
Fechei os olhos, tentando conter as lágrimas. O cheiro a café frio e torradas queimadas pairava no ar do meu pequeno T1 em Arroios. Era domingo de manhã, e eu sentia o peso de cada palavra dela como se fossem pedras no peito.
— Mãe, já falámos sobre isto. Preciso do meu espaço. Preciso de crescer — respondi, tentando soar firme, mas a minha voz tremeu.
— Crescer? Achas que crescer é viver num cubículo, longe da família? — Ela suspirou alto. — O teu pai também não entende. E a tua irmã sente a tua falta.
Desliguei antes que a conversa descambasse para acusações mais duras. Encostei-me à janela, observando os telhados vermelhos e o céu cinzento de Lisboa. A cidade parecia tão viva lá fora, mas dentro de mim tudo era silêncio.
Viver sozinha era o meu sonho desde adolescente. Sempre invejei a liberdade das personagens dos livros, mulheres que caminhavam pelas ruas com passos decididos, donas do seu destino. Mas ninguém me avisou que a liberdade podia ser tão solitária.
No início, tudo era novidade: decorar o apartamento à minha maneira, escolher o que comer sem ouvir críticas, sair quando me apetecia. Mas rapidamente percebi que as noites eram longas e frias. O silêncio tornava-se ensurdecedor.
A minha amiga Inês ligava-me de vez em quando:
— Mariana, vamos sair hoje? Há um concerto no Bairro Alto.
— Não sei… Estou cansada — respondia quase sempre. Na verdade, tinha medo de me perder na multidão, medo de não pertencer a lado nenhum.
No trabalho, era só mais uma entre dezenas de rostos cansados. O meu chefe, Sr. António, mal sabia o meu nome. Os colegas falavam de filhos, maridos e férias em família. Eu sorria e fingia interesse, mas sentia-me invisível.
Uma noite, depois de um dia particularmente difícil, sentei-me no sofá com uma taça de vinho barato e liguei a televisão só para ouvir vozes humanas. O telefone tocou. Era o meu pai.
— Filha, está tudo bem? — perguntou com aquela voz grave que raramente usava para falar de sentimentos.
— Está… Está tudo bem — menti.
— A tua mãe está preocupada. E eu também. Sabes que podes voltar para casa quando quiseres.
Agradeci e desliguei rapidamente. Não queria que ele ouvisse o choro preso na garganta.
Os dias passaram-se assim: trabalho, casa, silêncio. Comecei a evitar espelhos porque não gostava do que via — olheiras fundas, cabelo desgrenhado, olhos tristes. A solidão começou a transformar-se em algo mais escuro: uma sensação de vazio que me consumia devagarinho.
Certa tarde, ao regressar do supermercado com sacos pesados nas mãos, cruzei-me com a vizinha do lado, Dona Rosa. Uma senhora idosa que vivia sozinha há anos.
— Olá menina Mariana! Precisa de ajuda?
Sorri-lhe, agradecida pela gentileza inesperada.
— Não se preocupe, Dona Rosa. Consigo sozinha.
Ela insistiu em acompanhar-me até à porta.
— Sabe, viver sozinha não é fácil… Mas às vezes é preciso aprender a gostar da nossa própria companhia — disse ela antes de se despedir.
As palavras dela ficaram comigo durante dias. Talvez fosse isso que me faltava: aprender a gostar de mim mesma.
Tentei mudar pequenas coisas: comecei a cozinhar pratos novos só para mim, comprei flores para alegrar a sala, inscrevi-me num curso de fotografia ao sábado de manhã. Conheci pessoas novas, mas as amizades eram frágeis como vidro — bastava um deslize e desapareciam.
Um dia recebi uma mensagem inesperada da minha irmã mais nova:
— Tenho saudades tuas. Vens jantar cá a casa?
O convite mexeu comigo. Hesitei antes de responder. Tinha medo de regressar ao ninho e sentir-me ainda mais deslocada.
Acabei por aceitar. O jantar foi um misto de nostalgia e desconforto. A minha mãe criticou o meu cabelo curto; o meu pai perguntou se já tinha namorado; a minha irmã olhava para mim como se eu fosse uma estranha.
No regresso a casa, caminhei pelas ruas vazias sentindo-me mais sozinha do que nunca. Lisboa brilhava à noite, mas eu sentia-me invisível entre as luzes e os turistas alegres.
Nessa noite chorei até adormecer. No dia seguinte acordei com uma decisão: precisava de ajuda. Liguei à Inês e pedi-lhe para nos encontrarmos.
— Mariana… finalmente! Já estava preocupada contigo — disse ela ao ver-me entrar no café.
Contei-lhe tudo: o medo, o vazio, as noites intermináveis.
— Não tens de passar por isto sozinha — disse ela, apertando-me a mão.
A partir desse dia comecei a procurar apoio: psicóloga, grupos de partilha online, até voltei a ligar mais vezes à família. Não foi fácil reconstruir pontes nem aprender a pedir ajuda. Mas aos poucos fui percebendo que viver sozinha não significa viver isolada.
Hoje ainda moro no mesmo apartamento em Arroios. Ainda há dias em que o silêncio pesa e as saudades apertam. Mas aprendi a valorizar os pequenos momentos: um café com uma amiga, um telefonema da minha irmã, um passeio ao pôr-do-sol junto ao Tejo.
Às vezes pergunto-me: será que algum dia vou sentir-me verdadeiramente em casa? Ou será que a solidão faz parte do preço da liberdade? E vocês… já sentiram este vazio mesmo rodeados de gente?