Sob o Mesmo Teto: O Dia em que Descobri a Verdade Sobre a Teresa

— Teresa, onde estiveste ontem à noite? — perguntei, tentando controlar o tremor na voz, enquanto ela pousava as chaves em cima da mesa da cozinha. O relógio marcava quase meia-noite e o silêncio entre nós era tão denso que quase me sufocava.

Ela olhou-me de relance, como se a pergunta fosse uma pedra atirada à água parada. — Fui jantar com a Mariana, já te disse. Porque perguntas tanto?

O meu coração batia descompassado. Não era só ciúme, era algo mais fundo, uma inquietação que me corroía há meses. Desde que mudara de emprego e começara a chegar tarde, Teresa parecia distante, ausente até quando estava ao meu lado no sofá. Eu tentava ignorar, mas cada sorriso forçado, cada mensagem respondida com pressa, era mais um prego no caixão da nossa confiança.

Naquela noite, depois de ela adormecer, sentei-me na sala às escuras. Oiço o tic-tac do relógio e penso: “Será que sou eu o problema? Ou será que há mesmo algo que não estou a ver?” A dúvida é um veneno lento. Lembro-me do meu pai dizer: “Rui, nunca deixes que a desconfiança te cegue.” Mas e se for ela quem me cega?

No dia seguinte, no trabalho, não consigo concentrar-me. Oiço os colegas falarem de futebol e política, mas as palavras passam por mim como vento. No telemóvel, vejo uma publicidade sobre câmaras de vigilância doméstica. Sinto-me sujo só de pensar nisso, mas a tentação é maior do que a vergonha.

À noite, quando Teresa sai para “mais uma reunião”, instalo discretamente uma pequena câmara na sala. O coração bate-me tão forte que quase me denuncio a mim próprio. Sinto-me um criminoso na minha própria casa.

Os dias passam. Cada vez que revejo as gravações, sinto-me pior. Nada de anormal — até àquela sexta-feira.

Vejo-a entrar em casa com um homem. Reconheço-o: é o Miguel, colega dela do novo emprego. Riem-se baixo, sentam-se no sofá onde tantas vezes nos sentámos juntos. Ele toca-lhe na mão; ela não recua. O sangue gela-me nas veias.

No vídeo seguinte, vejo-os abraçados. Não preciso de ver mais nada.

Naquela noite não durmo. Oiço-a respirar ao meu lado e pergunto-me: “Como é possível? Como é que chegámos aqui?”

No sábado de manhã, preparo-lhe o pequeno-almoço como sempre fiz nos nossos melhores dias. Ela sorri, mas os olhos dela já não brilham como antes.

— Teresa, precisamos de conversar — digo finalmente.

Ela pousa a chávena devagar. — Sobre o quê?

— Sobre nós. Sobre o Miguel.

O silêncio cai como uma bomba. Ela empalidece.

— Rui… — começa ela, mas não consegue acabar.

— Vi tudo — interrompo. — Não vale a pena mentires.

Ela tapa o rosto com as mãos e começa a chorar baixinho. Sinto raiva, mas também uma tristeza tão funda que quase me afogo nela.

— Eu não queria magoar-te — diz ela entre soluços. — Senti-me sozinha… Tu estavas sempre cansado, distante…

As palavras dela são facas afiadas. Lembro-me das noites em que cheguei tarde do trabalho para lhe dar uma vida melhor, dos fins-de-semana em que adormeci no sofá enquanto ela esperava por mim.

— E achaste que trair era solução? — pergunto, sem conseguir conter as lágrimas.

Ela abana a cabeça, perdida.

— Não sei… Só sei que me perdi de mim mesma.

O resto do dia passa-se em silêncio. Ela sai de casa para pensar; eu fico sentado na sala vazia, rodeado pelas memórias do que fomos.

Os dias seguintes são um nevoeiro espesso. Conto à minha mãe; ela abraça-me e diz: “Filho, às vezes amar também é saber largar.” O meu irmão liga-me todos os dias para saber se estou bem. No trabalho, os colegas notam que algo mudou em mim, mas ninguém pergunta nada.

Teresa volta para casa ao fim de uma semana. Traz uma mala pequena e olhos inchados de tanto chorar.

— Vou ficar na casa da minha irmã — diz ela baixinho. — Preciso de tempo para perceber quem sou sem ti.

Vejo-a sair pela porta e sinto um vazio maior do que qualquer dor física. A casa parece maior, fria e estranha.

Passam-se meses. Tento reconstruir-me aos poucos: volto a correr junto ao rio Tejo, reencontro amigos antigos, dedico-me à música que sempre deixei para segundo plano. Mas há noites em que acordo sobressaltado com o eco das palavras dela: “Senti-me sozinha…”

Pergunto-me se alguma vez fui suficiente para ela — ou para mim próprio.

Um dia recebo uma mensagem dela: “Desculpa por tudo. Espero que encontres paz.” Não respondo logo; fico a olhar para o telemóvel como se esperasse que ele me desse respostas.

Hoje escrevo esta história não para culpar a Teresa ou justificar os meus erros, mas para tentar perceber onde nos perdemos um do outro e de nós mesmos.

Será possível amar alguém sem nos perdermos pelo caminho? Ou será que todos acabamos por trair — se não o outro, pelo menos aquilo em que acreditávamos ser?