Será que ser mãe é só pagar contas? – O dia em que o dinheiro quase destruiu a minha família

— Mãe, não achas que podiam ter dado mais? — A voz da Inês cortou o silêncio da cozinha como uma faca afiada. Eu estava a lavar os pratos do pequeno-almoço, ainda com o cheiro do café no ar, quando ela largou aquela frase, sem aviso, sem rodeios.

Fiquei parada, com as mãos molhadas, a olhar para a janela embaciada. O sol de Lisboa tentava entrar, mas parecia que até ele hesitava. — Como assim, filha? — perguntei, tentando manter a voz firme. O coração já batia mais rápido, uma mistura de medo e incredulidade.

Ela suspirou, impaciente. — O envelope… O presente de casamento. A Marta recebeu cinco mil euros dos pais. O João, três mil. E vocês… — Hesitou, como se procurasse as palavras certas para não soar ingrata. — Vocês deram só mil euros. Toda a gente reparou.

Senti um nó na garganta. Só mil euros? Só? Respirei fundo, tentando não me perder na raiva ou na tristeza. — Inês, nós pagámos todo o casamento. O copo d’água no Solar dos Arcos, o vestido, o fotógrafo… Até o bolo! Sabes quanto custou tudo isso?

Ela desviou o olhar, mas não cedeu. — Eu sei, mãe. Mas… Não sei… Senti-me envergonhada. Parecia que não me valorizavam tanto como os outros pais valorizam os filhos deles.

As palavras dela ecoaram dentro de mim como um trovão. Envergonhada? Não valorizada? Passei noites sem dormir a fazer contas, a cortar nos meus próprios sonhos para lhe dar aquele dia perfeito. O pai dela até adiou a reforma para conseguirmos pagar tudo sem pedir empréstimos.

— Inês, filha… — A minha voz tremeu. — Achas mesmo que o nosso amor se mede em dinheiro?

Ela não respondeu. Ficou ali, de braços cruzados, olhos húmidos mas teimosos. O silêncio entre nós era pesado, quase insuportável.

O António entrou na cozinha nesse momento, apanhando-nos naquele impasse. — O que se passa aqui? — perguntou, olhando de uma para a outra.

— Nada — disse Inês rapidamente, mas eu sabia que ele percebia tudo só pelo meu olhar.

Depois desse dia, tudo mudou cá em casa. O ambiente ficou tenso. A Inês começou a aparecer menos vezes ao jantar. Quando vinha, estava sempre agarrada ao telemóvel, distante. O António tentava puxar conversa, mas ela respondia com monossílabos.

Eu chorava à noite, baixinho para ninguém ouvir. Sentia-me falhada como mãe. Onde é que errámos? Será que demos demais? Ou será que nunca demos o suficiente?

Lembrei-me de quando a Inês era pequena e fazia desenhos para mim com corações e flores. Escrevia “Amo-te mãe” com letras tortas e um sorriso aberto. Nunca pediu nada além de colo e atenção. Quando foi que tudo mudou?

O casamento dela foi um sonho caro: 120 convidados, decoração com flores frescas em todas as mesas, música ao vivo até às tantas da manhã. Ela quis tudo perfeito e eu quis dar-lhe tudo perfeito. O António dizia: “Não podemos competir com os outros pais, Maria.” Mas eu insistia: “É só uma vez na vida.” Agora percebo que talvez tenha sido esse o erro: tentar competir com expectativas que nunca foram nossas.

Uma noite, depois de mais um jantar silencioso, sentei-me ao lado do António na sala.

— Achas que falhámos como pais? — perguntei-lhe em voz baixa.

Ele olhou para mim com ternura cansada. — Não falhámos nada. A Inês está confusa. O mundo dela é diferente do nosso. Mas ela vai perceber um dia.

Queria acreditar nele, mas as dúvidas corroíam-me por dentro.

As semanas passaram e a distância entre mim e a Inês só aumentava. No aniversário dela, comprei-lhe um colar de prata com um pequeno coração — simples, mas escolhido com carinho. Quando lho dei, ela sorriu de forma automática e agradeceu sem entusiasmo.

Naquela noite não consegui dormir. Levantei-me e fui até à varanda. Lisboa brilhava lá em baixo, indiferente à minha dor. Senti-me sozinha como nunca antes.

No domingo seguinte, decidi tentar falar com ela outra vez.

— Inês, precisamos de conversar — disse-lhe quando ela apareceu para almoçar.

Ela revirou os olhos mas sentou-se à mesa comigo.

— Filha… Eu sei que te desiludimos com o presente de casamento. Mas quero que saibas que tudo o que fizemos foi por amor. Não temos as posses dos pais da Marta ou do João. Mas demos tudo o que podíamos… e mais ainda.

Ela ficou calada durante uns segundos longos demais.

— Eu sei… Desculpa mãe — murmurou finalmente. — Acho que me deixei levar pelo que os outros disseram… Senti-me inferior e descarreguei em ti.

As lágrimas correram-me pela cara sem aviso.

— Só quero que sejas feliz — disse-lhe entre soluços.

Ela abraçou-me pela primeira vez em meses.

Mas as feridas ficaram. O António continuava a tentar manter a paz, mas eu sentia que algo se tinha partido entre nós três. A confiança já não era a mesma; havia sempre um cuidado nas palavras, um medo de magoar ou ser magoado outra vez.

Os meses passaram e a vida foi voltando ao normal — ou ao novo normal. A Inês engravidou e veio contar-nos numa tarde chuvosa de novembro.

— Vão ser avós! — anunciou com um sorriso tímido.

O António chorou de alegria; eu abracei-a com força, tentando esquecer todas as mágoas passadas.

Mas à noite, sozinha no quarto escuro, dei por mim a pensar: será que algum dia vou conseguir esquecer aquela sensação de ser apenas uma carteira para a minha filha? Será que ela vai perceber algum dia quanto custa amar alguém sem esperar nada em troca?

E vocês? Já sentiram que o amor foi posto à prova por causa do dinheiro? Será que ser mãe é só pagar contas… ou é muito mais do que isso?