Quando o Perfume da Traição se Torna Liberdade: A Minha História

— Não mintas, Miguel. Eu vi-vos. Vi como olhavas para ela. — A minha voz saiu-me rouca, quase um sussurro, mas cada palavra era uma lâmina.

Miguel desviou o olhar, mexendo nervosamente no guardanapo. O restaurante estava cheio, mas para mim só existia aquele cheiro estranho — perfume doce e desconhecido — e o peso insuportável da traição. Não era ciúme. Não era sequer amor. Era só a certeza de que tudo tinha acabado muito antes de eu admitir.

— É só uma colega de trabalho, Mariana. Estás a exagerar. — Ele tentou sorrir, mas os olhos dele fugiam dos meus.

Nesse instante, percebi que não era a primeira vez. Que aquele perfume já tinha entrado em casa, misturado com o cheiro do nosso quarto, das nossas roupas. Senti-me ridícula por não ter percebido antes. Por ter acreditado nas desculpas, nos serões passados no escritório, nas mensagens apagadas do telemóvel.

Levantei-me sem dizer mais nada. Saí do restaurante com as pernas a tremer e o coração aos pulos. Lá fora, o ar frio de Lisboa cortou-me a cara como uma bofetada. Chorei baixinho, encostada a uma parede húmida de azulejos azuis, enquanto as pessoas passavam apressadas sem reparar em mim.

Naquela noite, Miguel não voltou para casa. Mandou uma mensagem curta: “Preciso de pensar.” Eu ri-me sozinha — pensar no quê? No que fazer com duas mulheres? No que dizer aos nossos filhos? No que restava do nosso casamento?

No dia seguinte, sentei-me à mesa da cozinha com a minha mãe. Ela olhou para mim com aquele olhar de quem já viu tudo na vida.

— Mariana, tu és forte. Não deixes que ele te destrua. — Ela pousou a mão enrugada sobre a minha.

— Não sei se sou forte ou só estou cansada… — respondi, olhando para a chávena de café frio.

Os dias seguintes foram um nevoeiro. Os miúdos perguntavam pelo pai. Eu inventava desculpas: “O pai está a trabalhar muito.” “O pai foi viajar.” Até que um dia, Miguel apareceu para buscar umas roupas. Trazia o mesmo perfume estranho agarrado à pele.

— Vou ficar uns tempos fora. Preciso de espaço — disse ele, sem me encarar.

— E os teus filhos? Também precisam de espaço? — perguntei, sentindo a raiva crescer dentro de mim.

Ele encolheu os ombros e saiu sem olhar para trás.

Uma semana depois, recebi uma chamada inesperada. O número era desconhecido, mas a voz do outro lado era inconfundível:

— Mariana? Sou o Rui… Rui Costa… da faculdade.

O coração deu um salto. Rui tinha sido o meu melhor amigo nos tempos da universidade em Coimbra. Tínhamos perdido o contacto depois de ele emigrar para Inglaterra.

— Rui! Que surpresa! — tentei soar animada, mas a voz saiu-me trémula.

— Vi no Facebook que estás em Lisboa… Queres tomar um café?

Hesitei por um segundo. Mas depois pensei: porque não? O que tinha eu a perder?

Encontrámo-nos num café perto do Chiado. Rui estava igual: sorriso aberto, olhos castanhos cheios de vida. Falámos durante horas — sobre os velhos tempos, sobre os sonhos que tínhamos tido e os que tínhamos deixado pelo caminho.

— E tu? Estás bem? — perguntou ele, olhando-me nos olhos.

Engoli em seco.

— O Miguel foi-se embora… Está com outra mulher.

Rui ficou em silêncio por uns segundos. Depois pousou a mão sobre a minha.

— Mereces melhor, Mariana. Sempre mereceste.

Senti as lágrimas virem aos olhos outra vez, mas desta vez não eram de tristeza. Eram de alívio. Pela primeira vez em muito tempo senti-me vista, ouvida.

Os dias começaram a ganhar cor novamente. Comecei a sair mais com os miúdos, a ir ao cinema sozinha, a ler livros que tinha deixado por abrir há anos. A minha mãe ajudava-me como podia — fazia sopa para todos e enchia-me de conselhos práticos:

— Não te esqueças de pagar a luz até dia 15! — gritava ela da cozinha.

Mas nem tudo era fácil. O Miguel ligava pouco aos filhos e quando vinha buscá-los ao fim-de-semana parecia sempre apressado, como se estivesse ali por obrigação.

Uma noite, depois de deixar os miúdos em casa do pai, fui jantar com o Rui ao Bairro Alto. Rimos tanto que me doeram as bochechas. No fim da noite, ele olhou para mim com ternura:

— Sabes… sempre gostei de ti. Só nunca tive coragem de dizer.

Fiquei sem palavras. Senti uma mistura de medo e esperança — medo de voltar a confiar em alguém; esperança de que talvez ainda fosse possível ser feliz.

Mas a vida não é um conto de fadas. Dias depois, recebi uma mensagem da nova namorada do Miguel:

“Deixa o Miguel em paz. Ele já não te ama.”

Fiquei furiosa. Liguei-lhe imediatamente:

— Quem é ela para me mandar mensagens? Achas isto normal?

Do outro lado ouvi apenas silêncio e depois um suspiro cansado:

— Mariana… deixa-nos seguir em frente.

Desliguei sem responder. Passei o resto da noite acordada, a pensar em tudo o que tinha perdido — e em tudo o que ainda podia ganhar.

No trabalho começaram os boatos. As colegas cochichavam nos corredores:

— Coitada da Mariana… O marido trocou-a por uma miúda…

Aprendi a ignorar os olhares de pena e os sorrisos falsos. Aprendi a andar de cabeça erguida.

Certa tarde, fui buscar os miúdos à escola e encontrei o Miguel à porta com a nova namorada — loira, alta, sorriso perfeito. Os miúdos correram para mim:

— Mãe! Olha quem está aqui!

Sorri-lhes e abracei-os com força, tentando ignorar o nó na garganta.

À noite chorei sozinha na casa de banho. Não pela perda do Miguel — mas pela perda da família que tinha imaginado para mim e para os meus filhos.

O Rui continuava presente — paciente, carinhoso, nunca me pressionou para nada. Um dia levou-me à praia da Costa da Caparica ao pôr-do-sol.

— Mariana… não tens de decidir nada agora. Só quero que saibas que estou aqui para ti — disse ele suavemente.

Olhei para o mar e senti uma paz estranha dentro de mim. Talvez fosse isso que significava liberdade: poder escolher sem medo; poder recomeçar sem pedir desculpa por ser feliz.

Hoje olho para trás e vejo tudo como se fosse um filme antigo: as discussões na cozinha; os silêncios pesados à mesa; o cheiro do perfume estranho no casaco do Miguel; as noites em claro; os risos com o Rui; os abraços dos meus filhos; os conselhos da minha mãe; as contas por pagar; as lágrimas escondidas; as pequenas vitórias diárias.

A vida nunca volta ao que era antes — mas talvez isso não seja mau.

Pergunto-me muitas vezes: quantas mulheres vivem presas ao medo de recomeçar? Quantas acreditam que não merecem mais? E vocês… já sentiram esse cheiro amargo da traição? Ou já descobriram o aroma doce da liberdade?