Posso Confiar no Meu Próprio Filho?

— Mãe, já pensaste bem no que te disse? — A voz do Pedro ecoou pela sala, carregada de uma urgência que me incomodava. Eu estava sentada na poltrona onde tantas vezes embalei os meus netos, mas agora sentia-me pequena, quase invisível.

Olhei para ele, tentando decifrar-lhe o olhar. Era o meu filho, o meu menino, mas havia ali uma pressa, uma impaciência que me fazia tremer por dentro. — Pedro, não sei… Isto é a minha casa. Aqui vivi com o teu pai, aqui criei-vos a ti e à tua irmã. Não é fácil simplesmente… vender tudo.

Ele suspirou, passou a mão pelo cabelo como fazia quando era miúdo e não conseguia resolver um problema de matemática. — Mãe, tu já não tens idade para viver sozinha. O prédio está velho, o elevador avaria sempre… E se te acontece alguma coisa?

A preocupação dele era legítima, mas havia algo mais. Desde que a Ana, a minha nora, ficou desempregada, as conversas sobre dinheiro tornaram-se mais frequentes. O Pedro nunca foi ganancioso, mas agora parecia obcecado com a ideia de eu vender o apartamento. — O dinheiro da venda dava para todos vivermos melhor — disse ele uma vez, quase num sussurro.

Naquela noite, depois de ele sair, fiquei sozinha com os meus pensamentos. O relógio da parede marcava as horas com uma lentidão cruel. Lembrei-me do António, o meu marido, e de como ele sempre dizia: “Maria, nunca tomes decisões de cabeça quente.” Mas como manter a cabeça fria quando o coração está em chamas?

No dia seguinte, fui ao café da Dona Emília. Ela percebeu logo que eu estava diferente. — Então, Maria? Estás com um ar tão carregado…

— É o Pedro… quer que eu venda o apartamento e vá viver com eles. Mas eu não sei se devo confiar.

A Dona Emília pousou a chávena e olhou-me nos olhos. — Filhos são filhos, mas às vezes esquecem-se que também somos gente. Já viste bem o que queres para ti?

Essas palavras ficaram a ecoar-me na cabeça durante dias. O Pedro insistia cada vez mais. A Ana ligava-me a perguntar se já tinha decidido. Até os meus netos começaram a perguntar quando é que eu ia morar com eles.

Uma noite, ouvi um barulho estranho na escada do prédio. O coração disparou-me no peito. Fui espreitar pela janela e vi dois rapazes a discutir junto à porta da entrada. Senti-me vulnerável como nunca antes. Talvez o Pedro tivesse razão… Mas seria só preocupação ou havia ali outro motivo?

No domingo seguinte, fui almoçar a casa deles. A Ana estava diferente, mais fria do que o habitual. Durante a sobremesa, ouvi-os a discutir na cozinha:

— Ela tem de decidir rápido! Não podemos continuar assim… — sussurrava a Ana.
— Tem calma! É a minha mãe… — respondeu o Pedro.

Quando entrei na cozinha, fizeram-se de desentendidos. Fingi que não tinha ouvido nada, mas por dentro sentia-me cada vez mais insegura.

Nessa noite sonhei com o António. Ele sorria-me do outro lado da mesa da cozinha e dizia: “Maria, confia em ti.” Acordei com lágrimas nos olhos.

Decidi falar com a minha filha, a Sofia. Ela vive em Braga e raramente nos vemos. Liguei-lhe:

— Sofia, preciso de falar contigo sobre uma coisa importante.
— Diz, mãe…
— O teu irmão quer que eu venda o apartamento e vá viver com eles… Mas eu não sei se devo.

Houve um silêncio do outro lado da linha.

— Mãe… tens de fazer o que sentes ser melhor para ti. O Pedro está em dificuldades financeiras… Eu sei porque ele me pediu dinheiro há uns meses.

Senti um aperto no peito. Então era isso? O Pedro precisava do dinheiro? Senti-me traída e envergonhada por desconfiar do meu próprio filho.

Passei dias sem conseguir dormir. Cada canto da casa parecia sussurrar memórias: os risos das crianças no Natal, o cheiro do arroz doce da minha mãe, o António a ler o jornal ao domingo de manhã.

O Pedro continuava a pressionar:

— Mãe, já pensaste? Olha que não podes adiar isto para sempre.

Um dia, decidi confrontá-lo:

— Pedro, diz-me a verdade: é mesmo por preocupação comigo ou precisas do dinheiro?

Ele ficou vermelho, desviou o olhar.

— Mãe… as coisas não estão fáceis cá em casa. A Ana ainda não arranjou trabalho e estamos com dívidas… Mas claro que também me preocupo contigo!

Senti uma mistura de raiva e tristeza.

— Então porque não me disseste logo? Achas que sou tua mãe só quando te convém?

Ele tentou abraçar-me, mas afastei-o.

— Preciso de tempo para pensar — disse-lhe.

Nessa noite fui até à varanda e olhei as luzes da cidade. Senti-me sozinha como nunca antes. Lembrei-me das palavras da Dona Emília: “Já viste bem o que queres para ti?”

No dia seguinte fui ao banco informar-me sobre alternativas: podia arrendar um quarto ou pedir ajuda domiciliária sem ter de vender tudo o que construí ao longo da vida. Senti um alívio enorme por perceber que ainda tinha escolhas.

Quando contei ao Pedro que não ia vender o apartamento, ele ficou furioso:

— Mãe! Vais mesmo deixar-nos assim?

Olhei-o nos olhos:

— Não sou responsável pelas tuas dívidas. Sou tua mãe, mas também sou pessoa.

Ele saiu batendo com a porta. Chorei durante horas.

Os dias seguintes foram difíceis. A Ana deixou de me falar e os netos já não me ligavam como antes. Senti o peso da solidão e da culpa — estaria eu a ser egoísta?

Mas depois lembrei-me de tudo o que abdiquei por eles: os sonhos adiados, as noites sem dormir, os anos de trabalho para lhes dar uma vida melhor.

A Sofia veio visitar-me nesse fim de semana. Abraçou-me forte:

— Fizeste bem, mãe. Tens direito à tua vida.

Sentámo-nos à mesa da cozinha e falámos durante horas sobre tudo: medos, mágoas e esperanças para o futuro.

Hoje continuo sozinha no meu apartamento antigo, mas sinto-me mais dona de mim do que nunca. Ainda tenho medo do futuro — quem não tem? — mas aprendi que confiar em mim própria é tão importante como confiar nos outros.

Às vezes pergunto-me: será possível amar os nossos filhos sem perdermos quem somos? E vocês? Já tiveram de escolher entre a vossa felicidade e as expectativas da família?