O Segredo do Meu Marido: Um Aniversário de Revelações
— Anna, tens a certeza que queres continuar assim? — A voz ecoava na minha cabeça, mesmo antes de abrir o bilhete. Estava sozinha na cozinha, a cortar cenouras para a sopa, quando o intercomunicador tocou. O meu coração deu um salto. Não esperava visitas, muito menos naquele dia — o dia dos meus anos.
— Sim? — perguntei, limpando as mãos ao avental.
— Entrega para a senhora Anna Silva — disse uma voz masculina, abafada pelo aparelho.
Abri a porta do prédio e, minutos depois, o elevador trouxe-me um jovem de sorriso profissional e um enorme buquê de rosas vermelhas. O cheiro intenso das flores encheu o corredor.
— Parabéns, senhora. — Ele entregou-me as flores e um pequeno envelope branco.
Assinei sem pensar e fechei a porta. O meu marido, Miguel, nunca me enviara flores por entrega. Sempre preferira comprar qualquer coisa simples no regresso do trabalho: tulipas ou gerberas, nunca rosas vermelhas. Senti um arrepio. Talvez fosse uma surpresa diferente este ano.
Com um sorriso nervoso, abri o envelope. O bilhete era curto, escrito à mão:
“Teu marido não é quem pensas. Liga-me se queres saber a verdade. 912 345 678.”
As palavras pareciam saltar do papel. Senti as pernas fraquejarem e tive de me sentar à mesa da cozinha. O relógio marcava 17h12. Miguel só chegaria às 19h. Olhei para o telemóvel, depois para o bilhete. Quem faria uma coisa destas? Uma ex-namorada? Uma brincadeira de mau gosto?
O cheiro das rosas tornou-se enjoativo. Peguei no telemóvel e escrevi o número no WhatsApp. A foto de perfil era um pôr-do-sol. Digitei: “Quem é?”
A resposta chegou quase instantaneamente: “Alguém que sabe o que ele te esconde.”
O meu coração batia tão forte que temi que os vizinhos ouvissem. Pensei em ligar à minha irmã, Rita, mas ela sempre dissera que eu era demasiado desconfiada.
Miguel chegou às 19h05, com um ramo de tulipas amarelas e um sorriso cansado.
— Parabéns, meu amor! — Beijou-me na testa. — Espero que tenhas tido um dia tranquilo.
Olhei para ele, tentando decifrar-lhe o rosto. Era o mesmo homem com quem partilhava a vida há dez anos? Ou havia ali algo que eu nunca vira?
— Recebi flores — disse-lhe, tentando soar casual.
— Ah sim? — Ele olhou para as tulipas nas mãos. — Espero que gostes destas…
— Não foram estas — interrompi. — Vieram por entrega. Rosas vermelhas.
Vi-lhe um breve estremecimento no olhar.
— De quem? — perguntou, forçando um sorriso.
— Não sei… — Mostrei-lhe o bilhete.
Miguel empalideceu.
— Deve ser algum engano… Ou uma brincadeira estúpida.
A noite prosseguiu num silêncio estranho. O jantar foi quase mudo; só se ouviam os talheres a bater nos pratos. Depois dos parabéns cantados à pressa e do bolo meio comido, Miguel disse que estava cansado e foi-se deitar cedo.
Fiquei sozinha na sala, a olhar para as rosas e para o bilhete. Decidi ligar para o número.
— Boa noite… Quem fala? — perguntei, tentando controlar a voz trémula.
Do outro lado, uma mulher respondeu:
— Chamo-me Sofia. Sei que isto é difícil de ouvir, mas tens direito à verdade. O Miguel… ele tem outra família em Braga. Uma mulher e uma filha de seis anos.
Senti o chão fugir-me dos pés.
— Não pode ser… Isso é impossível! — gritei.
— Eu própria já falei com ele. Sei que não sou a única a saber… Pergunta-lhe sobre a Andreia e a pequena Matilde.
Desliguei sem saber o que pensar. Passei a noite em claro, a ouvir Miguel ressonar no quarto ao lado. No dia seguinte, esperei que ele saísse para o trabalho e liguei à Rita.
— Anna, tens de falar com ele! — disse ela, depois de ouvir tudo. — Não podes viver assim, cheia de dúvidas.
Passei o dia num torpor. Quando Miguel chegou a casa, estava decidida.
— Precisamos de falar — disse-lhe assim que entrou.
Ele pousou a pasta e olhou-me nos olhos.
— Sobre as flores?
— Sobre a Andreia e a Matilde — respondi, sentindo as lágrimas ameaçarem cair.
Miguel ficou imóvel. O silêncio entre nós era ensurdecedor.
— Anna… Eu posso explicar…
— Explicar o quê? Que tens outra família? Que me mentiste durante anos?
Ele sentou-se à minha frente e passou as mãos pelo rosto.
— Não foi assim tão simples… Conheci a Andreia antes de ti, mas quando nos casámos ela apareceu grávida… Não consegui abandoná-la nem à Matilde… Mas nunca deixei de te amar!
As lágrimas corriam-me pelo rosto.
— Amar? Isto é amor? Mentir-me todos os dias?
Miguel tentou tocar-me na mão, mas afastei-me.
— Preciso de tempo — disse-lhe. — Sai daqui hoje. Vai para onde quiseres…
Ele saiu sem protestar. Fiquei sozinha na casa onde construímos uma vida juntos, rodeada por memórias que agora pareciam mentiras.
Nos dias seguintes, Rita veio dormir comigo. Os meus pais ligaram quando souberam da história; a minha mãe chorava ao telefone: “Como é possível? Sempre pensei que ele era tão bom rapaz…”
No trabalho, mal conseguia concentrar-me. Os colegas cochichavam; alguém devia ter ouvido rumores. Senti vergonha, raiva e uma tristeza profunda.
Miguel mandava mensagens todos os dias: “Perdoa-me”, “Deixa-me explicar melhor”, “Não quero perder-te”. Mas eu não sabia se queria ouvir mais explicações ou se alguma vez conseguiria perdoar-lhe.
Uma noite, fui até ao quarto da Matilde em Braga — sim, fui lá mesmo! Queria ver com os meus próprios olhos se era verdade. Esperei do lado de fora da escola primária até ver Miguel chegar com uma menina pela mão. Ela era parecida com ele: os mesmos olhos castanhos, o mesmo sorriso tímido.
Voltei para Lisboa destroçada mas estranhamente aliviada: pelo menos já não havia dúvidas nem ilusões.
Passaram-se semanas até conseguir falar com Miguel cara a cara outra vez. Encontrámo-nos num café discreto perto do trabalho dele.
— Anna… Eu sei que errei. Mas não quero perder-te nem à Matilde…
Olhei-o nos olhos pela primeira vez sem raiva; só havia cansaço e tristeza em mim.
— Miguel, tu já me perdeste há muito tempo… Só ainda não tinhas percebido.
Saí do café sentindo-me mais leve mas também mais vazia do que nunca. A vida que conhecia tinha acabado ali mesmo; agora tinha de reconstruir tudo do zero — os sonhos, as rotinas, até a confiança em mim própria.
Hoje olho para trás e pergunto-me: quantas pessoas vivem rodeadas de segredos sem saberem? Quantas Annas há por aí, enganadas por quem mais confiam?
E vocês? O que fariam se recebessem um bilhete assim no vosso dia especial?