O Brinde da Noiva Que Mudou Tudo
— Não faças isso, Maria. — A voz do meu pai soou baixa, quase um sussurro, mas cortou-me como uma lâmina. Eu já tinha o copo de espumante na mão, pronta para o brinde. O salão do Solar dos Pinheiros estava cheio de gente, todos à espera das minhas palavras. O Nuno olhava para mim com aquele sorriso nervoso que só ele sabia fazer. Mas o olhar do meu pai era um aviso — e eu sabia porquê.
Respirei fundo. O vestido apertava-me o peito, ou talvez fosse só a ansiedade. Tantos anos juntos, tantos sonhos partilhados… e agora, ali, tudo parecia frágil. Oiço a minha mãe a limpar as lágrimas ao meu lado, emocionada. A minha sogra, Dona Isabel, sentada na mesa principal, ergueu o queixo com aquela altivez que sempre me intimidou.
— Quero agradecer a todos por estarem aqui hoje — comecei, tentando manter a voz firme. — E agradecer especialmente ao Nuno, por nunca desistir de nós, mesmo quando tudo parecia perdido.
Vi Dona Isabel franzir o sobrolho. Continuei:
— Sei que nem sempre foi fácil para as nossas famílias aceitarem este amor…
— Maria! — interrompeu ela, num tom cortante. O salão ficou em silêncio. Senti todos os olhares sobre mim.
— O que é que queres dizer com isso? — perguntou ela, já com a voz a tremer de raiva.
O Nuno tentou intervir:
— Mãe, deixa a Maria acabar…
Mas ela não deixou:
— Não admito insinuações! Sempre aceitei esta relação, mesmo quando toda a gente dizia que não ia resultar!
O meu pai levantou-se de repente:
— Isabel, não vamos começar com isto agora…
O ambiente tornou-se irrespirável. Senti as lágrimas a quererem saltar-me dos olhos. O brinde tinha-se tornado uma guerra aberta.
— Eu só queria dizer que… — tentei continuar, mas a voz falhou-me.
Dona Isabel levantou-se também:
— Se há alguma coisa para dizer, diz agora! Não quero surpresas depois!
O Nuno agarrou-me na mão por baixo da mesa. Senti-o tremer.
— Mãe, por favor…
Ela ignorou-o:
— Sempre fiz tudo pelo meu filho! Até aceitei esta relação quando sabia que não era o melhor para ele!
Foi como se me tivessem dado uma bofetada. Toda a gente ficou em silêncio. Oiço alguém murmurar: “Isto vai acabar mal…”
A minha mãe tentou acalmar:
— Isabel, não é altura para isto…
Mas Dona Isabel estava descontrolada:
— Não é altura? Então quando é? Quando ela lhe partir o coração?
Senti o sangue ferver-me nas veias. Levantei-me também.
— Dona Isabel, sempre tentei ser parte desta família. Sempre tentei agradar-lhe! Mas nunca fui suficiente para si!
Ela olhou-me nos olhos:
— Porque nunca foste sincera! Nunca disseste ao Nuno o que fizeste naquele verão!
O salão explodiu em murmúrios. O Nuno largou-me a mão.
— Que verão? — perguntou ele, pálido.
Senti as pernas fraquejarem.
— Mãe… não faças isto… — sussurrou ele.
Ela continuou:
— O verão em que foste para o Algarve com as tuas amigas e deixaste o Nuno sozinho! Sabes bem o que aconteceu lá!
As lágrimas caíam-me pela cara abaixo. O Nuno olhava para mim à espera de uma resposta.
— Maria… é verdade?
Engoli em seco. Toda a minha vida passou-me diante dos olhos: os passeios à beira-mar com o Nuno, as noites em que sonhámos com este dia… e aquele verão em que me perdi de mim mesma.
— É verdade — disse finalmente, num fio de voz. — Mas não foi como ela está a dizer…
Dona Isabel riu-se:
— Não foi? Então conta tu! Conta ao meu filho como estiveste com outro rapaz enquanto ele te esperava aqui!
O Nuno afastou-se de mim como se eu fosse um estranho.
— Maria… porquê?
Senti-me despida perante todos. Quis fugir dali, desaparecer.
— Eu era miúda… estava confusa… Tinha medo de não ser suficiente para ti! Mas nunca deixei de te amar!
O silêncio era ensurdecedor. Vi os meus pais de cabeça baixa, envergonhados. Os convidados começaram a levantar-se discretamente das mesas.
Dona Isabel sentou-se de novo, vitoriosa. O Nuno saiu do salão sem olhar para trás.
Fiquei ali sozinha, no meio do salão vazio, com o vestido branco manchado de lágrimas e vergonha.
A festa acabou ali. Os convidados foram embora em silêncio, evitando cruzar o olhar comigo.
Horas depois, já em casa dos meus pais, ouvi-os discutir na cozinha:
— Devíamos ter contado ao Nuno antes… — dizia a minha mãe.
— Não era da nossa conta! — respondeu o meu pai. — A Maria tinha direito ao seu segredo!
Subi para o quarto e sentei-me na cama onde cresci. Olhei para as fotografias antigas na parede: eu e o Nuno no liceu, sorridentes; eu com as minhas amigas naquele verão fatídico; eu sozinha no jardim da escola.
Peguei no telemóvel e escrevi uma mensagem ao Nuno: “Desculpa. Amo-te.” Apaguei antes de enviar.
Na manhã seguinte, acordei com os olhos inchados e uma sensação de vazio no peito. A minha mãe entrou no quarto sem bater à porta:
— Maria… tens de falar com ele.
Assenti em silêncio. Saí de casa e fui até ao apartamento do Nuno. Toquei à campainha uma vez, duas vezes… Nada.
Quando já me preparava para desistir, ouvi a porta abrir-se devagar.
O Nuno estava lá dentro, de olhos vermelhos.
— Vieste buscar as tuas coisas? — perguntou ele friamente.
Abanei a cabeça:
— Vim pedir-te desculpa. Vim dizer-te que te amo e que nunca quis magoar-te.
Ele olhou para mim durante muito tempo antes de responder:
— Não sei se consigo perdoar-te, Maria. Não sei se consigo confiar em ti outra vez.
Senti um nó na garganta:
— Eu compreendo… Só queria que soubesses que tudo o que vivi contigo foi verdadeiro.
Ele fechou a porta devagar sem dizer mais nada.
Voltei para casa dos meus pais e fechei-me no quarto durante dias. As mensagens das amigas foram escasseando; os familiares evitavam falar do assunto. A vergonha era insuportável.
Meses depois, soube que o Nuno tinha ido trabalhar para Lisboa. Nunca mais falámos.
Hoje olho para trás e pergunto-me: teria sido diferente se tivesse contado tudo desde o início? Ou será que há segredos que nunca deviam ser revelados? E vocês? Já sentiram que um momento pode mudar toda uma vida?