O Aviso da Minha Mãe: “Nunca Deixes Uma Amiga Sozinha Entrar em Casa”

— Não abras a porta, Leonor! — ouvi a voz da minha mãe ecoar na minha cabeça, mesmo antes de tocar na maçaneta. O aviso dela, repetido vezes sem conta desde a adolescência, parecia agora mais forte do que nunca. Mas era só a Sara. A Sara, minha amiga desde o liceu, com quem partilhei segredos, lágrimas e sonhos. Porque é que hesitei?

O choro do Tomás interrompeu o meu pensamento. O leite já me manchava a camisola, mas ignorei. Peguei no bebé ao colo e fui abrir a porta. A Sara entrou com aquele sorriso largo, mas os olhos dela estavam diferentes — cansados, talvez magoados.

— Leonor, desculpa vir assim sem avisar — disse ela, pousando a mala no chão. — Precisei de sair de casa. O Pedro está impossível.

Senti um nó no estômago. O Pedro era o marido dela, mas ultimamente parecia mais meu do que dela. Não por escolha minha. Ele ligava-me para pedir conselhos sobre a Sara, mandava mensagens a desabafar sobre o trabalho. Eu respondia por educação, mas sentia-me cada vez mais desconfortável.

— Senta-te — disse-lhe, tentando soar natural. — Queres chá?

Ela assentiu e ficou a olhar para o Tomás enquanto eu preparava tudo na cozinha. Oiço-a falar baixinho:

— Sabes, às vezes penso que nunca devia ter casado com o Pedro. Ele não me entende. Tu percebes-me melhor do que ele.

O Tomás parou de chorar e olhou para ela com aqueles olhos grandes e curiosos. Senti uma pontada de ciúmes — ou seria medo? Lembrei-me do conselho da minha mãe: “Nunca deixes uma amiga sozinha entrar em casa.” Sempre achei exagero. Mas agora…

Voltei à sala com o chá e sentei-me ao lado dela.

— Sara, tens de falar com ele. Não podes guardar tudo para ti.

Ela suspirou e pousou a chávena na mesa.

— E tu? Como estás? Não te vejo desde que o Tomás nasceu. Sinto que te perdi.

Sorri, mas por dentro sentia-me vazia. Desde que fui mãe, os dias misturavam-se num ciclo de amamentação, fraldas e noites mal dormidas. Os amigos afastaram-se. O meu marido, o Rui, trabalhava até tarde e chegava sempre cansado demais para conversar.

— Estou bem — menti. — Só cansada.

Ela olhou-me nos olhos.

— Precisas de sair de casa. Devias confiar mais em mim. Posso ajudar-te.

Aquelas palavras soaram estranhas. Lembrei-me de quando éramos adolescentes e ela me convenceu a faltar às aulas para irmos à praia. Acabámos apanhadas pela minha mãe, que nunca mais me deixou esquecer o episódio.

O telefone tocou. Era o Rui.

— Está tudo bem? — perguntei ao atender.

— Vou chegar tarde outra vez — disse ele, seco. — Não esperes por mim para jantar.

Desliguei sem responder. A Sara observava-me com atenção.

— O Rui anda estranho? — perguntou ela.

Encolhi os ombros.

— Está cansado do trabalho.

Ela aproximou-se e pousou a mão na minha perna.

— Se precisares de falar… sabes que estou aqui para ti.

O toque dela fez-me estremecer. Afastei-me discretamente e fingi ir buscar mais chá.

Na cozinha, respirei fundo. Porque é que tudo parecia tão tenso? Porque é que sentia que havia algo não dito entre nós?

Quando voltei à sala, encontrei-a a folhear um álbum de fotografias antigas.

— Lembras-te disto? — perguntou ela, mostrando uma foto nossa no festival de verão em Vilar de Mouros.

Sorri com nostalgia.

— Foi das melhores noites da minha vida.

Ela riu-se, mas os olhos encheram-se de lágrimas.

— Tenho saudades tuas, Leonor. Sinto que já não sou importante para ti.

Sentei-me ao lado dela e abracei-a.

— Claro que és importante. Só… tudo mudou tão depressa.

Ela afastou-se e olhou-me fixamente.

— Mudou para ti ou para nós?

Fiquei sem resposta. O Tomás começou a chorar outra vez e aproveitei para fugir à conversa.

Enquanto amamentava o meu filho no quarto, ouvi vozes baixas vindas da sala. A Sara estava ao telefone com alguém:

— Sim… está aqui… não sei se devo dizer-lhe…

O coração disparou. Com quem falava ela? Sobre o quê?

Quando voltei à sala, ela desligou rapidamente e sorriu forçadamente.

— Era só a minha mãe — disse ela apressada.

Não acreditei. Mas fingi não notar.

O resto da tarde passou num silêncio estranho. Quando ela se foi embora, senti um alívio misturado com culpa.

À noite, quando o Rui chegou a casa, perguntei-lhe:

— Tens falado com a Sara?

Ele hesitou antes de responder:

— Às vezes… sobre o Pedro… porquê?

Senti uma raiva surda crescer dentro de mim.

— Porque ela esteve aqui hoje e senti… não sei… algo estranho.

Ele encolheu os ombros e foi tomar banho sem dizer mais nada.

Naquela noite não consegui dormir. O Tomás adormeceu cedo demais e eu fiquei sozinha na sala escura, ouvindo apenas o som do frigorífico e os meus próprios pensamentos.

Lembrei-me das palavras da minha mãe:

“As amigas são como irmãs até deixarem de ser.”

No dia seguinte, recebi uma mensagem da Sara:

“Preciso mesmo de falar contigo. É urgente.”

O medo apertou-me o peito. Liguei-lhe imediatamente.

— O que se passa?

Ela chorava do outro lado da linha.

— Leonor… desculpa… eu nunca quis magoar-te…

O mundo pareceu parar por um segundo.

— Diz-me o que aconteceu!

Ela soluçou:

— O Rui… ele… eu… foi só uma vez… juro…

Senti as pernas fraquejarem. O Tomás começou a chorar no berço e eu não consegui mexer-me. Tudo à minha volta desabava: a confiança na amiga de infância, no marido, em mim própria como mulher e mãe.

Desliguei sem dizer nada. Sentei-me no chão da cozinha e chorei como nunca tinha chorado antes.

A minha mãe apareceu sem avisar nessa tarde — como se pressentisse tudo à distância. Sentou-se ao meu lado no chão frio e abraçou-me em silêncio até eu conseguir respirar de novo.

— Eu avisei-te — murmurou ela baixinho, mas sem julgamento na voz. — Mas ninguém aprende pelos erros dos outros.

Durante dias vivi num nevoeiro denso: cuidei do Tomás mecanicamente, evitei o Rui, apaguei as mensagens da Sara sem ler. A solidão tornou-se ainda mais pesada — agora cheia de mágoa e desconfiança.

Um mês depois, sentei-me à mesa com o Rui pela primeira vez desde então. Ele pediu desculpa entre lágrimas sinceras; disse que se sentiu perdido com a chegada do bebé, esquecido por mim e por ele próprio; que não sabia como lidar com tudo aquilo.

Não sei se algum dia vou perdoá-lo verdadeiramente — ou à Sara. Mas sei que nunca mais vou ignorar os avisos da minha mãe ou os meus próprios instintos.

Agora olho para o Tomás a dormir no berço e pergunto-me: será possível reconstruir uma vida depois de tanta traição? Ou será que certas feridas nunca saram? E vocês… já confiaram demais em alguém e pagaram caro por isso?