Mãe, este é o Pedro: O Momento em que Tudo Mudou

— Mãe, preciso falar contigo. — A minha voz tremia, mesmo que tentasse parecer firme. O cheiro a café acabado de fazer misturava-se com o perfume forte da minha mãe, que pairava na sala como uma nuvem pesada. Ela pousou a chávena com um estalido seco e olhou-me de cima dos óculos.

— O que foi agora, Mariana? — perguntou, já impaciente, como se adivinhasse que vinha aí tempestade.

O Pedro estava ao meu lado, as mãos suadas entrelaçadas nas minhas. Senti o seu aperto, um pedido silencioso para não recuar. Olhei para ele e depois para a minha mãe, que já franzia o sobrolho.

— Mãe… este é o Pedro. — As palavras saíram baixinho, mas ecoaram na sala como um trovão. — E… eu estou grávida.

O silêncio caiu como uma sentença. O relógio da parede parecia marcar cada segundo com uma crueldade especial. A minha mãe levantou-se devagar, ajeitou o casaco e olhou para mim como se eu fosse uma estranha.

— Grávida? — repetiu, a voz carregada de desdém. — E quem é este rapaz? Achas que é assim tão fácil? Achas que é isto que eu sonhei para ti?

Senti as lágrimas a quererem saltar, mas forcei-me a manter-me firme. O Pedro tentou falar, mas ela ergueu a mão, cortando-lhe a palavra.

— Não quero ouvir desculpas. Mariana, tu tinhas tudo! Tinhas o curso de Direito quase acabado, tinhas o estágio no escritório do tio Luís… E agora isto? — O “isto” dela era como um murro no estômago.

Lembrei-me de todas as noites em que estudei até tarde só para lhe agradar, de todos os namorados que dispensei porque ela não aprovava, de todos os sonhos meus que guardei numa gaveta fechada à chave. E ali estava eu, finalmente a tentar viver algo meu — e ela destruía tudo com meia dúzia de palavras frias.

O Pedro apertou-me a mão com mais força. — Dona Teresa, eu amo a Mariana. Vamos assumir esta criança juntos. Eu trabalho, posso sustentar a nossa família.

A minha mãe riu-se, um riso amargo. — Trabalhas onde? Naquela loja de informática? Achas que isso chega para criar uma família? Mariana, tu mereces mais do que isto! Não vês?

Senti o rosto a arder de vergonha e raiva. — Mãe, pela primeira vez na vida estou feliz. Não quero ser advogada só porque tu queres. Não quero casar com o filho da amiga da tia Rosa só porque achas que ele é “de boa família”. Quero viver a minha vida!

Ela olhou-me como se eu tivesse cuspido no chão. — Pois então faz como quiseres. Mas não contes comigo para esta vergonha.

O Pedro puxou-me suavemente para junto dele e saímos da sala sem olhar para trás. Lá fora, o céu estava cinzento e ameaçava chover. Senti-me pequena, perdida, mas ao mesmo tempo estranhamente livre.

Os dias seguintes foram um turbilhão de emoções. A minha mãe não me atendeu o telefone durante semanas. O meu pai ligou-me em segredo, tentando apaziguar as coisas: — Mariana, sabes como é a tua mãe… Dá-lhe tempo.

Mas eu sabia que não era só tempo que ela precisava; era de aceitar que eu não era uma extensão dos seus sonhos falhados.

A gravidez avançava e cada consulta era um misto de alegria e medo. O Pedro fazia tudo para me animar: preparava pequenos almoços na cama, lia livros sobre bebés, pintava o quarto do futuro filho com cores suaves. Mas havia sempre uma sombra pairando sobre nós: o medo de não sermos suficientes, de não conseguirmos dar ao nosso filho tudo aquilo que eu nunca tive — aceitação incondicional.

Uma noite, depois de mais uma discussão sobre dinheiro (o salário do Pedro mal chegava para as despesas), sentei-me no chão da cozinha e chorei baixinho. Ele ajoelhou-se ao meu lado e abraçou-me.

— Se quiseres voltar para casa dos teus pais… Eu compreendo — disse ele, com a voz embargada.

— Não quero voltar para trás — respondi entre soluços. — Só queria que ela me aceitasse…

O tempo foi passando e a barriga crescendo. Os amigos afastaram-se aos poucos; alguns por não entenderem as minhas escolhas, outros por influência da minha mãe. Senti-me sozinha muitas vezes, mas também comecei a descobrir uma força dentro de mim que nunca pensei ter.

No dia em que o nosso filho nasceu — chamámo-lo Miguel — senti uma felicidade tão pura que quase me esqueci de todas as dores passadas. O Pedro chorou ao meu lado na maternidade e prometeu-me que nunca nos faltaria nada.

Duas semanas depois do parto, ouvi bater à porta. Era a minha mãe. Trazia um saco com roupas de bebé e um olhar cansado.

— Posso ver o Miguel? — perguntou baixinho.

Deixei-a entrar sem dizer palavra. Ela pegou no neto ao colo e ficou a olhar para ele longos minutos em silêncio. Depois olhou para mim com lágrimas nos olhos.

— Desculpa… Eu só queria o melhor para ti. Mas esqueci-me de perguntar o que era o melhor para ti…

Chorámos as duas ali mesmo, no meio da sala desarrumada e cheia de fraldas espalhadas pelo chão.

A reconciliação não foi fácil nem rápida. Ainda hoje há silêncios desconfortáveis nos jantares de família e discussões sobre como educar o Miguel. Mas aprendi a pôr limites e a defender aquilo em que acredito.

Às vezes pergunto-me se teria tido coragem de seguir outro caminho se não tivesse engravidado do Pedro. Se teria continuado a viver segundo os sonhos dos outros ou se teria encontrado esta força dentro de mim noutra circunstância qualquer.

E vocês? Já sentiram este peso de viver para agradar aos outros? Até onde iriam para serem fiéis a vocês próprios?