Entre o Tédio e o Amor: A Minha Busca por Emoção e o Preço da Liberdade

— Achas mesmo que é possível amar só uma pessoa para sempre? — perguntei, sem conseguir esconder o tom de provocação na voz, enquanto mexia distraidamente no arroz de pato que Sofia tinha preparado para o jantar.

Ela pousou os talheres com um leve tilintar e olhou-me nos olhos. O silêncio entre nós tornou-se pesado, como se todo o ar da sala tivesse sido sugado. — Paulo, se não acreditasses nisso, porque é que casaste comigo?

A pergunta dela ficou a ecoar na minha cabeça. Não era a primeira vez que me sentia inquieto, preso numa rotina que parecia sempre igual: acordar cedo, apanhar o comboio para Lisboa, trabalhar horas a fio num escritório cinzento, voltar para casa, jantar, ver televisão e adormecer ao lado da mesma mulher. Sofia era tudo o que alguém poderia desejar: dedicada, inteligente, bonita. Mas havia em mim uma inquietação, uma fome de novidade que não conseguia calar.

— Não sei… — murmurei, desviando o olhar. — Às vezes sinto falta de… emoção. De algo diferente.

Ela sorriu tristemente. — A emoção não está lá fora, Paulo. Está aqui — disse, apontando para o peito. — Mas tu é que tens de a encontrar.

Naquela noite, não dormi. Fiquei a olhar para o teto do nosso quarto, ouvindo a respiração tranquila de Sofia ao meu lado. Ouvia também os meus próprios pensamentos, cada vez mais altos: “Será isto tudo? Será que vou passar o resto da vida a repetir os mesmos gestos, as mesmas conversas?”

No dia seguinte, no escritório, a rotina parecia ainda mais insuportável. O telefone tocava sem parar, os colegas falavam das mesmas coisas de sempre: futebol, política, as promoções do supermercado. Foi então que reparei nela: Mariana, a nova colega do departamento de marketing. Tinha um sorriso fácil e um olhar curioso. Quando me pediu ajuda para configurar o computador, senti um arrepio estranho. Era como se estivesse a acordar de um longo sono.

Começámos a almoçar juntos. Primeiro em grupo, depois só os dois. As conversas eram leves, cheias de piadas e cumplicidades subtis. Mariana falava-me dos seus sonhos de viajar pelo mundo, das noites passadas a ouvir fado em Alfama, dos livros que lia à janela nos dias de chuva. Senti-me vivo outra vez.

Uma tarde, depois do trabalho, ficámos sozinhos na copa do escritório. Ela olhou-me nos olhos e disse:

— Gosto da tua companhia, Paulo. Fazes-me rir.

O coração bateu mais depressa. Senti-me desejado, especial. E foi ali, entre as chávenas de café e os papéis espalhados pela mesa, que nos beijámos pela primeira vez.

Durante semanas vivi numa espécie de euforia secreta. Em casa era o marido exemplar; no trabalho era o amante apaixonado. Mas a culpa começou a pesar. Sofia notava o meu distanciamento. Uma noite confrontou-me:

— Paulo, há outra pessoa?

Fiquei em silêncio demasiado tempo. Ela percebeu tudo no meu olhar.

— Sabes o que dói mais? — perguntou ela, com lágrimas nos olhos. — Não é saber que me traíste. É perceber que nunca foste honesto contigo próprio.

Saí de casa naquela noite com uma mala pequena e um nó na garganta. Fui para casa da minha mãe em Almada. Ela recebeu-me com aquele olhar de quem já viu demasiado da vida para julgar alguém.

— O teu pai também teve as suas aventuras — disse ela enquanto me servia uma sopa quente. — Mas no fim percebeu que nada substitui a paz de quem sabe onde pertence.

Eu não queria paz; queria emoção. Passei a viver com Mariana. No início era tudo novo: noites longas em bares do Bairro Alto, viagens espontâneas até ao Gerês ou ao Algarve, discussões acesas seguidas de reconciliações apaixonadas. Mas aos poucos percebi que até a novidade se torna rotina.

Mariana queria filhos; eu não sabia o que queria. Começámos a discutir por pequenas coisas: quem lavava a loiça, quem pagava as contas, porque é que eu estava sempre cansado ao fim do dia.

Um domingo à tarde recebi uma mensagem da minha irmã:

— A mãe está no hospital. Vem rápido.

Corri para lá sem pensar duas vezes. Encontrei Sofia sentada ao lado da minha mãe, segurando-lhe a mão.

— O que estás aqui a fazer? — perguntei, confuso.

Ela olhou para mim com uma serenidade desarmante.

— A tua mãe sempre foi como uma segunda mãe para mim. Não ia deixá-la sozinha agora.

Senti uma vergonha profunda. Percebi ali tudo o que tinha perdido: não só uma mulher extraordinária, mas também uma família inteira feita de laços invisíveis — aqueles que só damos valor quando já não os temos.

A minha mãe recuperou devagarinho. Fiquei uns dias em casa dela e reparei nas fotografias antigas espalhadas pela sala: casamentos, batizados, férias em família na Nazaré… Senti saudades de mim próprio — do homem que era antes de querer ser sempre outro.

Mariana acabou por me deixar pouco tempo depois. Disse-me:

— Tu não sabes o que queres da vida, Paulo. E eu não posso viver assim.

Fiquei sozinho num apartamento alugado em Benfica, rodeado de móveis baratos e silêncios pesados. Os amigos afastaram-se; até no trabalho comecei a sentir-me um estranho.

Uma noite liguei à Sofia:

— Podemos falar?

Ela aceitou encontrar-se comigo num café perto do jardim da Estrela. Estava diferente: mais magra, mas com um brilho novo nos olhos.

— Perdoas-me? — perguntei quase num sussurro.

Ela sorriu tristemente.

— Eu já te perdoei há muito tempo, Paulo. Mas aprendi a viver sem ti.

Fiquei ali sentado depois dela sair, olhando para o fundo da chávena vazia. Senti um vazio maior do que qualquer tédio alguma vez sentido ao lado dela.

Hoje vivo sozinho e aprendi a conviver com as minhas escolhas. Às vezes olho para trás e pergunto-me: será que valeu mesmo a pena trocar estabilidade por emoção? Ou será que só damos valor ao amor quando já é tarde demais?

E vocês? Já sentiram essa inquietação? O que fariam se estivessem no meu lugar?