Entre o Amor de Mãe e o Medo de Perder a Filha: Um Lar em Nome de Quem?

— Não, mãe, não é bem assim! — Inês tentava explicar, mas a minha cabeça já fervilhava de pensamentos. O cheiro do café acabado de fazer misturava-se com a tensão no ar da cozinha. Eu olhava para ela, a minha filha, com a mão pousada na barriga já arredondada pela segunda gravidez, e sentia um aperto no peito.

— Então explica-me, filha. Como é que vais vender o teu apartamento, juntar o dinheiro ao do Rui, e depois a casa nova vai ficar em nome da mãe dele? — perguntei, tentando manter a voz firme, mas sentindo o tremor nas palavras.

Inês desviou o olhar para a janela, onde a chuva miudinha caía sobre Lisboa. — O Rui diz que é mais seguro assim. Que a mãe dele ajudou muito quando ele precisou e que agora quer garantir que ela nunca fique desamparada.

— E tu? E os teus filhos? — insisti. — Se alguma coisa correr mal, ficas sem nada. Já pensaste nisso?

Ela ficou em silêncio. Oiço o relógio da parede marcar cada segundo como se fosse um martelo a bater na minha ansiedade. Lembrei-me de quando ela era pequena, de como chorava quando caía e eu corria para a segurar. Agora, não podia protegê-la de tudo.

Naquela noite, não consegui dormir. O meu marido, António, ressonava ao meu lado, alheio ao turbilhão que me consumia. Levantei-me e fui até à sala. Sentei-me no sofá e olhei para as fotografias antigas: Inês no seu primeiro dia de escola, Inês com o diploma na mão, Inês no dia do casamento com Rui. Sempre achei Rui um rapaz simpático, trabalhador, mas nunca imaginei que pudesse tomar uma decisão destas sem pensar na minha filha.

No dia seguinte, decidi falar com António. — Achas normal isto? A nossa filha dar tudo o que tem e ficar sem nada?

Ele encolheu os ombros. — Cada casal tem as suas razões. Não te metas demasiado, Maria.

Mas como não me meter? Era a felicidade da minha filha em jogo! Liguei à minha irmã Teresa, sempre mais prática do que eu.

— Maria, tu sabes como são as famílias portuguesas. Às vezes os sogros metem-se demais. Mas tens razão em estar preocupada. Já viste tantos casos de mulheres que ficam sem nada depois de anos de casamento…

As palavras dela ecoaram na minha cabeça durante dias. Tentei falar com Inês outra vez.

— Filha, por favor, pensa bem. O Rui pode ser boa pessoa agora, mas ninguém sabe o dia de amanhã. E se vocês se separarem? E se acontecer alguma coisa à mãe dele? Vais ficar dependente da boa vontade dos outros?

Desta vez ela chorou. — Mãe, eu sei que te preocupas comigo. Mas eu amo o Rui. Ele diz que é só uma formalidade, que nunca me deixaria desamparada.

— O amor é bonito, filha, mas os papéis também contam — respondi baixinho.

A tensão foi crescendo cá em casa. António começou a evitar o assunto. Eu sentia-me cada vez mais sozinha nesta luta. Até que um dia recebi uma chamada inesperada.

— Dona Maria? Aqui é a Dona Lurdes, mãe do Rui. Queria falar consigo sobre esta questão da casa.

O coração disparou. — Claro, Dona Lurdes. Diga.

— Eu compreendo as suas preocupações. Mas veja… eu só quero garantir que se alguma coisa me acontecer, o Rui não fique sem nada do que é dele por direito.

— Mas e a Inês? — perguntei.

— A Inês é família agora. Mas sabe como são as coisas… às vezes as pessoas mudam.

Fiquei sem palavras. Era como se ela já estivesse a prever uma separação. Senti um frio na espinha.

Na semana seguinte houve um jantar em casa da Dona Lurdes para discutir tudo. O ambiente estava pesado desde o início. Rui tentava ser conciliador:

— Mãe, Maria… por favor, não vamos discutir por causa disto. Eu só quero proteger toda a gente.

Mas Dona Lurdes foi direta:

— O dinheiro do apartamento da Inês pode ficar como parte do pagamento da casa, mas o nome tem de ser o meu. É assim ou não há negócio.

Inês olhou para mim com lágrimas nos olhos. Eu vi ali a menina assustada que sempre quis proteger.

— Rui… — sussurrou ela — E se um dia eu precisar dessa casa para os nossos filhos?

Ele hesitou. — Não vai acontecer nada disso…

A discussão subiu de tom. António tentou acalmar os ânimos:

— Isto não faz sentido nenhum! Estamos todos a querer proteger os nossos filhos!

No fim da noite, saímos de lá sem acordo e com o coração ainda mais pesado.

Os dias seguintes foram um tormento para mim e para Inês. Ela começou a duvidar das próprias decisões. O Rui ficou mais distante e passava mais tempo fora de casa.

Uma tarde, Inês apareceu em minha casa com as malas e o neto pela mão.

— Mãe… preciso ficar aqui uns dias.

O meu coração partiu-se ao ver a tristeza nos olhos dela.

— O Rui disse que se eu não concordasse com a casa no nome da mãe dele, talvez fosse melhor repensarmos tudo…

Abracei-a com força. — Vais ficar aqui o tempo que precisares.

Durante semanas tentei animá-la enquanto ela chorava baixinho à noite no quarto de infância. O neto perguntava pelo pai e eu sentia-me impotente.

Um dia recebi uma mensagem do Rui: “Quero falar convosco.”

Veio cá a casa e sentou-se à mesa connosco.

— Eu amo a Inês… mas sinto-me pressionado entre ela e a minha mãe. Não sei o que fazer.

Olhei-o nos olhos: — Rui, tu tens de decidir quem é a tua família agora.

Ele baixou a cabeça e saiu sem dizer mais nada.

O tempo passou devagar até que um dia Inês decidiu procurar aconselhamento jurídico. Descobriu que tinha direitos sobre o dinheiro investido na casa mesmo que não estivesse em seu nome, mas seria sempre uma luta difícil se algo corresse mal.

Finalmente, depois de muita conversa e lágrimas, Rui voltou atrás na decisão. Aceitou colocar a casa em nome dos dois.

Foi um alívio enorme para todos, mas as feridas ficaram. A relação entre Inês e Dona Lurdes nunca mais foi igual; entre mim e António ficou um silêncio estranho sempre que falávamos do assunto.

Hoje olho para trás e pergunto-me: até onde deve ir uma mãe para proteger os filhos? E será que às vezes não acabamos por magoar quem mais amamos ao tentar protegê-los demais?

E vocês? O que fariam no meu lugar? Até onde iriam por um filho?