Encruzilhada do Coração: O Dilema de Samuel Entre a Lealdade e a Tentação
— Samuel, não me mintas outra vez. Eu conheço-te melhor do que tu próprio. — A voz da Rebeca ecoava pela cozinha, trémula, mas firme. O cheiro do café queimado misturava-se com o peso das palavras dela. Eu estava encostado à bancada, mãos trémulas, coração aos saltos.
Como é que cheguei aqui? Perguntava-me isso todos os dias desde que conheci a Helena. Tudo começou numa tarde de chuva, no escritório onde trabalho em Lisboa. A Helena entrou como nova colega de equipa, sorriso aberto, olhos castanhos cheios de vida. Não era só bonita; era diferente. Tinha uma energia que me puxava para fora da rotina cinzenta dos meus dias.
A Rebeca e eu estávamos juntos há dez anos. Casámos cedo, comprámos casa em Almada, tivemos a Leonor, a nossa filha de seis anos. A vida era estável, previsível. Talvez previsível demais. E foi nesse vazio de novidade que a Helena entrou.
No início era só conversa de trabalho, piadas sobre os chefes, cafés rápidos no bar da esquina. Mas depressa os nossos almoços começaram a prolongar-se, as mensagens fora de horas tornaram-se frequentes. Senti-me vivo outra vez, desejado. E ao mesmo tempo, culpado.
— Samuel, estás a ouvir-me? — A Rebeca estava à minha frente agora, olhos vermelhos de tanto chorar.
— Estou… desculpa. — Não sabia o que dizer. Não sabia como explicar aquele vazio dentro de mim, aquela necessidade de algo mais.
A verdade é que nunca houve traição física. Mas as conversas com a Helena eram íntimas demais para serem só amizade. Partilhávamos segredos, sonhos, medos. Ela dizia-me coisas que eu já não ouvia da Rebeca há anos.
Uma noite, depois de mais uma discussão com a Rebeca sobre as minhas ausências e distrações, liguei ao meu melhor amigo, o Rui. Ele sempre foi o meu confidente.
— Rui, sinto-me perdido. Não sei o que fazer…
— Olha, Samuel, tu tens uma família. A Leonor adora-te. A Rebeca pode não ser perfeita, mas ninguém é. Vais mesmo arriscar tudo por uma paixão?
As palavras dele ficaram a ecoar na minha cabeça durante dias. Mas o desejo de estar com a Helena era mais forte do que eu queria admitir.
No trabalho, tudo se intensificou quando ficámos sozinhos até tarde num projeto urgente. A tensão entre nós era palpável.
— Samuel… — sussurrou ela — às vezes penso que devíamos fugir daqui.
Sorri, nervoso.
— E deixar tudo para trás?
— Às vezes parece que sim… — respondeu ela, desviando o olhar.
Nesse momento percebi que estava numa encruzilhada: ou cortava tudo com a Helena e tentava salvar o meu casamento, ou arriscava perder tudo por algo incerto.
Em casa, a Rebeca tornou-se cada vez mais desconfiada. Começou a mexer no meu telemóvel, a questionar cada saída tardia do trabalho.
— Diz-me a verdade: há outra mulher? — perguntou ela numa noite gelada de janeiro.
O silêncio foi resposta suficiente.
Ela chorou como nunca tinha visto antes. Senti-me um monstro. Mas mesmo assim não consegui cortar com a Helena imediatamente. Fui cobarde; tentei manter as duas coisas ao mesmo tempo.
A Leonor começou a perceber que algo não estava bem. Um dia desenhou um boneco triste e disse:
— Papá, porque é que tu e a mamã estão sempre zangados?
Aquilo partiu-me o coração.
Foi então que decidi pedir ajuda ao Rui outra vez.
— Rui, não aguento mais esta mentira…
— Então escolhe! Ou assumes o risco e vais atrás da Helena, ou lutas pela tua família. Mas não podes continuar assim. Vais destruir toda a gente à tua volta.
Nessa noite dormi no sofá. A Rebeca trancou-se no quarto com a Leonor. Senti-me sozinho como nunca antes.
No dia seguinte fui ter com a Helena ao café onde costumávamos almoçar.
— Helena… isto não pode continuar. Eu amo a minha filha e não posso magoar mais a minha mulher.
Ela olhou para mim com lágrimas nos olhos.
— Eu sabia que isto ia acabar assim… mas tinha esperança.
Saí dali destroçado. No caminho para casa senti um alívio estranho misturado com uma tristeza profunda.
Quando cheguei, encontrei a Rebeca sentada à mesa da cozinha.
— Acabou? — perguntou ela sem me olhar nos olhos.
— Acabou…
Ela chorou em silêncio durante muito tempo. Depois levantou-se e disse:
— Não sei se consigo perdoar-te… mas quero tentar por causa da Leonor.
Os meses seguintes foram um inferno de desconfiança e tentativas falhadas de reconciliação. Fomos à terapia de casal, fizemos promessas, tentámos reacender algo que parecia morto há muito tempo.
A Helena saiu do trabalho pouco depois. Nunca mais soube dela.
Hoje olho para trás e vejo um homem dividido entre o desejo e o dever, entre o sonho e a realidade. A minha relação com a Rebeca nunca voltou a ser igual; há feridas que nunca cicatrizam totalmente. Mas continuamos juntos, por nós e pela Leonor.
Às vezes pergunto-me: será possível reconstruir algo depois de tanta mentira? Ou será que certas escolhas nos marcam para sempre? O que fariam vocês no meu lugar?