Em Mãos Alheias: A Minha História de Traição e Redescoberta
— Não me olhes assim, Ana. Não é o que parece.
As palavras de Miguel ecoaram na sala, mas o silêncio entre nós era mais pesado do que qualquer explicação. O telemóvel tremia nas minhas mãos, a imagem dele, sorridente, abraçado àquela mulher loira, ainda brilhava no ecrã. O cheiro do café frio misturava-se com o perfume dele, que ainda pairava no ar, como se zombasse de mim.
— Então explica-me, Miguel. Explica-me o que é, porque eu já não sei em que acreditar. — A minha voz saiu trémula, quase um sussurro, mas carregada de raiva e desespero.
Ele passou as mãos pelo cabelo, desviando o olhar para a janela. Lá fora, Lisboa continuava a sua rotina, indiferente ao caos que se instalava na minha sala. Oiço o som dos elétricos, o riso de crianças a brincar no jardim em frente, e tudo me parece tão distante, tão irreal.
— Foi só um jantar de negócios, Ana. Ela é colega da empresa, nada mais. — Ele tentou sorrir, mas o sorriso morreu-lhe nos lábios.
— Jantar de negócios? Com a mão na cintura dela? — Atirei o telemóvel para cima da mesa, a imagem a girar no ecrã como uma ferida aberta.
O silêncio voltou, desta vez mais cruel. Senti o peito apertado, como se alguém me tivesse arrancado o ar. Lembrei-me de todas as noites em que ele chegava tarde, das mensagens que nunca respondia, dos beijos que se tornaram rotina, sem paixão, sem verdade. E, de repente, tudo fez sentido. Ou talvez nunca tivesse feito.
A minha mãe sempre dizia que o casamento era feito de cedências. “Ana, às vezes temos de engolir sapos para manter a paz”, repetia ela, enquanto lavava a loiça na nossa casa em Setúbal. Mas ninguém me preparou para isto. Ninguém me disse que um dia eu ia olhar para o homem com quem partilhei metade da minha vida e não o ia reconhecer.
— Preciso de sair daqui. — Levantei-me, sentindo as pernas bambas. Peguei no casaco e saí, deixando Miguel sozinho, perdido entre as suas mentiras e o nosso sofá gasto.
Caminhei sem rumo pelas ruas de Alfama, as pedras da calçada a magoarem-me os pés, mas a dor física era um alívio comparado com o que sentia por dentro. Passei pelo miradouro de Santa Luzia, onde costumávamos ir nos nossos primeiros anos juntos. Lembrei-me de como ele me fazia rir, de como prometemos nunca nos magoar. As promessas, percebi agora, são frágeis como vidro.
O telefone tocou. Era a minha irmã, Sofia. Atendi sem pensar.
— Ana, está tudo bem? — A voz dela era suave, mas preocupada.
— Não. — Foi tudo o que consegui dizer antes de começar a chorar, ali mesmo, sentada num banco de pedra, com turistas a passarem por mim, alheios à minha dor.
Sofia veio ter comigo, trouxe-me um café quente e um abraço apertado. Contou-me que ela própria já tinha passado por algo parecido, que a traição não era o fim do mundo, mas podia ser o início de outra coisa. Eu queria acreditar nela, mas naquele momento, tudo o que sentia era vazio.
Os dias seguintes foram um borrão. Miguel tentou falar comigo, tentou explicar-se, mas cada palavra dele era como sal nas minhas feridas. A minha mãe ligava todos os dias, preocupada, mas incapaz de compreender a dimensão do que eu estava a viver. “Os homens são assim, filha. O importante é a família”, dizia ela, como se isso justificasse tudo.
Mas eu não conseguia perdoar. Não conseguia esquecer a imagem dele com outra mulher, o sorriso cúmplice, o toque íntimo. Comecei a questionar tudo: o nosso casamento, a minha própria identidade, o valor que tinha enquanto mulher. Será que fui eu que falhei? Será que deixei de ser suficiente?
Uma noite, depois de mais uma discussão, Miguel saiu de casa. Fiquei sozinha, rodeada pelas nossas fotografias, os presentes de anos, os bilhetes de viagens que já não faziam sentido. Senti-me pequena, insignificante, como se a minha vida tivesse sido um erro desde o início.
Foi Sofia que me obrigou a levantar. “Vem comigo ao Porto, Ana. Precisas de sair daqui, de respirar outro ar.” Aceitei, sem saber bem porquê. Talvez porque já não tinha nada a perder.
No Porto, tudo parecia diferente. As ruas estreitas, o cheiro do mar, o som das gaivotas. Passei horas a caminhar pela Ribeira, a olhar para as pontes, a tentar encontrar sentido no caos. Sofia levou-me a um pequeno café, onde conheci a Dona Teresa, uma senhora de cabelos brancos e olhos vivos.
— A menina está triste, não está? — perguntou ela, servindo-me um chá de limão.
— Estou. — Respondi, sem conseguir evitar as lágrimas.
— Sabe, minha filha, a vida é como o Douro. Às vezes calma, outras vezes cheia de correntezas. Mas nunca para. — Ela sorriu, e naquele sorriso vi uma força que me faltava.
Voltei a Lisboa com uma nova determinação. Não sabia o que ia fazer, mas sabia que não podia continuar a viver na sombra de uma traição. Falei com Miguel, desta vez sem gritos, sem lágrimas.
— Preciso de tempo. Preciso de me encontrar, Miguel. — Disse-lhe, olhando-o nos olhos.
Ele tentou convencer-me a ficar, prometeu mudar, jurou amor eterno. Mas as promessas já não me bastavam. Arrumei as minhas coisas, aluguei um pequeno apartamento em Campo de Ourique e comecei de novo.
Os primeiros meses foram difíceis. Senti falta dele, da rotina, do conforto de ter alguém ao meu lado. Mas, aos poucos, fui descobrindo quem era sem ele. Voltei a pintar, algo que tinha deixado para trás há anos. Fiz novas amizades, reencontrei velhos amigos, redescobri Lisboa com outros olhos.
A minha mãe continuava a insistir para que voltasse para casa. “O casamento é para a vida, Ana. Não se deita fora assim.” Mas eu sabia que, se voltasse, estaria a trair-me a mim própria.
Um dia, encontrei Miguel na rua. Ele parecia mais velho, cansado. Falámos como dois estranhos que partilharam uma vida. Não havia raiva, apenas uma tristeza mansa, uma aceitação de que o nosso tempo tinha passado.
Hoje, olho para trás e vejo o quanto cresci. A dor ainda está cá, mas já não me define. Aprendi que o amor-próprio é mais importante do que qualquer promessa quebrada. E, acima de tudo, aprendi que, mesmo em mãos alheias, nunca devemos perder quem somos.
Será que alguma vez conseguimos perdoar verdadeiramente uma traição? Ou apenas aprendemos a viver com as cicatrizes? Gostava de saber o que vocês pensam.