E Quando Percebi Que o Meu Filho Não Me Ouvia

— Ivan, por favor, não voltes a sair da mesa sem pedir licença! — gritei, já sem conseguir controlar o tremor na voz. O barulho dos talheres a bater no prato ecoou pela sala, misturando-se com o silêncio pesado que se seguiu. O meu marido, Rui, olhou-me de soslaio, como quem pede calma, mas eu já não conseguia esconder o cansaço.

Ivan, com os seus quinze anos recém-feitos, olhou-me de cima, os olhos semicerrados de desafio. — Mãe, não é assim tão grave! Só fui buscar o telemóvel…

— Não é o telemóvel, Ivan! — interrompi, sentindo as lágrimas a ameaçarem-me os olhos. — É o respeito! É saberes ouvir quando te falamos!

Ele encolheu os ombros e saiu da sala sem dizer mais nada. Fiquei ali, paralisada, a olhar para o prato frio. O Rui suspirou e tentou aliviar a tensão:

— Deixa-o ir. Está numa fase complicada…

Mas eu não queria ouvir desculpas. Não era só uma fase. Era uma sucessão de pequenas faltas de respeito, de respostas atravessadas, de portas batidas e silêncios ensurdecedores. Era o meu filho a afastar-se de mim e eu sem saber como trazê-lo de volta.

Lembro-me de quando ele era pequeno e me pedia colo sempre que caía. Agora, parecia que cada palavra minha era uma pedra no caminho dele. Senti-me perdida.

Naquela noite, depois do jantar, fui até ao quarto dele. Bati à porta com suavidade.

— Ivan? Posso entrar?

Do outro lado ouvi um resmungo. Entrei mesmo assim. Ele estava deitado na cama, auscultadores nos ouvidos, olhos fixos no telemóvel.

— Podemos falar?

Ele tirou um dos auscultadores com má vontade.

— O que foi agora?

Sentei-me na beira da cama e tentei não chorar.

— Sinto que não me ouves mais. Que tudo o que digo te irrita…

Ele revirou os olhos.

— Mãe, estás sempre a reclamar. Nunca está nada bem para ti.

Aquelas palavras doeram mais do que qualquer discussão. Levantei-me devagar.

— Só quero o melhor para ti…

Saí do quarto antes que ele visse as lágrimas a escorrerem-me pela cara.

Na manhã seguinte, tentei agir normalmente. Preparei o pequeno-almoço como sempre, mas Ivan saiu apressado sem sequer olhar para mim. O Rui tentou animar-me:

— Ele vai perceber um dia…

Mas e se não perceber? E se eu estiver a falhar como mãe?

Os dias seguintes foram uma sucessão de pequenas guerras: roupa espalhada pelo chão, trabalhos de casa por fazer, respostas secas. A cada confronto sentia-me mais impotente.

Uma noite, ouvi Ivan a falar ao telefone no corredor:

— A minha mãe é impossível… Só sabe implicar comigo…

Senti um nó na garganta. Fui para a varanda e chorei baixinho. Lembrei-me da minha própria mãe e das discussões que tínhamos tido quando eu era adolescente. Será que também lhe doía assim?

No fim-de-semana seguinte, decidi tentar algo diferente. Convidei Ivan para irmos ao cinema juntos. Ele hesitou, mas acabou por aceitar.

No caminho, tentei puxar conversa:

— Lembras-te quando vinhas sempre ao meu colo no cinema?

Ele sorriu de lado.

— Era puto…

— Mas gostavas…

Ele encolheu os ombros.

Durante o filme, reparei que ele se riu genuinamente em algumas cenas. No regresso a casa, parecia mais leve.

— Obrigado por me trazeres — murmurou antes de sair do carro.

Aquela pequena vitória encheu-me de esperança.

Mas a paz durou pouco. Na segunda-feira seguinte recebi um telefonema da escola: Ivan tinha faltado a duas aulas sem avisar.

Quando chegou a casa confrontei-o:

— Ivan, podes explicar-me isto?

Ele ficou vermelho e começou aos gritos:

— Não percebes nada! Odeio aquela escola! Odeio tudo!

O Rui entrou na sala e tentou acalmar-nos:

— Vamos todos sentar-nos e falar como família.

Sentámo-nos à mesa da cozinha. O silêncio era pesado.

— Ivan — começou o Rui — precisamos de perceber o que se passa contigo.

Ivan baixou os olhos.

— Estou farto… Sinto que nunca faço nada bem… Que nunca sou suficiente para vocês…

As palavras dele caíram como um murro no estômago. Senti uma culpa imensa por não ter percebido antes.

Aproximei-me dele e abracei-o com força.

— Desculpa se te fiz sentir assim… Só quero que sejas feliz…

Ele chorou no meu ombro como quando era pequeno. O Rui abraçou-nos aos dois.

Nessa noite falámos durante horas: sobre medos, expectativas e sonhos adiados. Percebi que também eu precisava de aprender a ouvir mais e julgar menos.

Os dias seguintes foram feitos de pequenos gestos: um bilhete deixado na mochila dele com um “gosto muito de ti”, uma mensagem rápida durante o dia só para perguntar como estava. Aos poucos, Ivan foi-se abrindo novamente.

Ainda discutimos muitas vezes — faz parte — mas agora tentamos ouvir-nos verdadeiramente. Aprendi que impor limites não é fechar portas, mas sim mostrar caminhos seguros.

Hoje olho para trás e percebo: ser mãe é errar muitas vezes, mas nunca desistir de tentar acertar.

E vocês? Já sentiram que perderam o vosso filho pelo caminho? Como conseguiram voltar a encontrá-lo?