A sogra impõe condições – a história de Eulália
— Ou fazes como eu digo, ou não ponho mais os pés nesta casa! — A voz da minha sogra, Dona Teresa, ecoava pela cozinha, misturando-se com o cheiro do arroz queimado. Eu sentia as mãos a tremer, mas não conseguia desviar o olhar dela. O meu marido, Rui, estava sentado à mesa, calado, os olhos fixos no telemóvel como se ali estivesse a solução para todos os nossos problemas.
Naquele instante, percebi que já não era dona da minha própria casa. Dona Teresa vinha todos os dias, desde que o nosso filho Tomás nasceu. No início, agradeci a ajuda: ela cozinhava, limpava, dava conselhos. Mas rapidamente os conselhos transformaram-se em ordens e as críticas começaram a corroer-me por dentro.
— Eulália, tu não sabes cuidar de uma criança. Olha para este caos! — dizia ela, apontando para os brinquedos espalhados pela sala. — No meu tempo, as mulheres sabiam ser mães e esposas.
Eu mordia o lábio para não responder. Rui dizia sempre: — Deixa lá, amor, ela só quer ajudar. — Mas eu sentia-me cada vez mais pequena, sufocada por aquela presença constante e invasiva.
Naquela terça-feira, tudo explodiu por causa de um simples jantar. Dona Teresa queria que eu fizesse bacalhau à Brás para o aniversário do Rui. Eu tinha planeado fazer outra coisa — algo mais simples, porque estava exausta depois de um dia inteiro a trabalhar no escritório e a cuidar do Tomás. Quando lhe disse isso, ela levantou-se da cadeira e começou a gritar.
— Não tens respeito pelo meu filho! Ele merece melhor! — Os olhos dela brilhavam de raiva.
— Dona Teresa, por favor… — tentei argumentar, mas ela não me deixou terminar.
— Ou fazes como eu digo ou não venho cá mais! — repetiu.
Olhei para o Rui, à espera de algum apoio. Ele encolheu os ombros e murmurou:
— Se calhar era melhor fazeres o bacalhau…
Senti uma dor aguda no peito. Era como se estivesse sozinha contra o mundo. Fui para o quarto e fechei a porta atrás de mim. Sentei-me na cama e chorei baixinho para não acordar o Tomás. Lembrei-me da minha mãe, que morreu quando eu tinha dezassete anos. Ela sempre me dizia: “Nunca deixes ninguém passar por cima de ti, filha.” Mas ali estava eu, a deixar que uma estranha comandasse a minha vida.
Na manhã seguinte, Dona Teresa apareceu como se nada tivesse acontecido. Trazia um saco cheio de compras e começou logo a arrumar tudo nos armários.
— Trouxe-te farinha boa para fazeres o bolo do Rui — disse ela sem sequer olhar para mim.
Eu respirei fundo e tentei manter a calma.
— Dona Teresa, precisamos de conversar — disse-lhe.
Ela parou por um segundo e olhou-me com desconfiança.
— Sobre o quê?
— Sobre limites. Esta é a minha casa. Eu agradeço a sua ajuda, mas preciso de espaço para ser mãe à minha maneira.
Ela bufou e abanou a cabeça.
— Tu não sabes o que dizes. Se não fosse eu, este menino andava sempre doente e tu nem sabias fazer uma sopa!
Senti as lágrimas a quererem saltar outra vez, mas desta vez não deixei.
— Eu sou capaz. E se continuar assim, vou ter de pedir-lhe que venha menos vezes cá a casa.
O silêncio caiu pesado entre nós. Ela largou o saco das compras no chão e saiu sem dizer mais nada.
Quando Rui chegou do trabalho, contei-lhe o que se tinha passado. Ele ficou furioso.
— Para quê criar problemas? A minha mãe só quer ajudar! — gritou ele.
— E eu? Quem me ajuda a mim? — perguntei-lhe com a voz embargada.
Ele não respondeu. Saiu de casa e só voltou tarde nessa noite. Dormiu no sofá.
Os dias seguintes foram um inferno. Dona Teresa deixou de aparecer e ligava todos os dias ao Rui para se queixar de mim. Ele começou a chegar cada vez mais tarde a casa e mal falava comigo. O Tomás sentia a tensão e chorava por tudo e por nada.
Uma noite, depois de adormecer o Tomás, sentei-me sozinha na sala escura e pensei em tudo o que tinha perdido: a leveza dos primeiros tempos com o Rui, as conversas à mesa sem medo de ser julgada, os sonhos que tínhamos juntos antes do casamento. Agora só havia silêncio e ressentimento.
Certa manhã, recebi uma mensagem da minha irmã:
“Estás bem? Precisas de vir cá passar uns dias?”
Respondi-lhe que sim. Fiz as malas para mim e para o Tomás enquanto Rui ainda dormia. Deixei-lhe um bilhete:
“Preciso de espaço para pensar. Não aguento mais esta pressão. Quando quiseres conversar como adultos, liga-me.”
Na casa da minha irmã em Setúbal senti-me finalmente respirar. Ela ouviu-me sem julgar e abraçou-me quando chorei tudo o que tinha guardado durante meses.
— Tu tens direito à tua vida — disse ela. — Não deixes ninguém roubar-te isso.
Os dias passaram devagar. O Rui ligou-me várias vezes mas eu não atendi logo. Precisava de tempo para perceber quem era eu sem aquela sombra constante da sogra e do marido ausente.
Quando finalmente aceitei falar com ele, marcámos encontro num café perto do rio Sado. Ele parecia cansado, envelhecido até.
— Desculpa — disse ele assim que me viu. — Eu devia ter-te defendido mais vezes…
Olhei-o nos olhos e vi ali o rapaz por quem me apaixonei há anos atrás.
— Eu só queria ser ouvida — respondi-lhe baixinho.
Conversámos durante horas sobre tudo: sobre as mágoas antigas, sobre os sonhos adiados, sobre o medo de perdermos tudo por causa dos outros. Ele prometeu tentar mudar e pôr limites à mãe dele.
Voltámos para casa devagarinho, como quem aprende a andar outra vez. Dona Teresa resistiu durante semanas: ligava menos vezes mas nunca pediu desculpa. Eu aprendi a dizer “não” com mais firmeza e Rui começou finalmente a perceber que o nosso casamento era feito de dois — não de três.
Hoje olho para trás e pergunto-me: quantas mulheres vivem presas às expectativas dos outros? Quantas têm coragem de dizer basta antes de se perderem completamente? E vocês… já tiveram de escolher entre agradar aos outros ou protegerem-se a vocês mesmas?