Sozinha ao Jantar da Empresa: O Que Esconde o Silêncio do Meu Marido?
— Então, Mariana, vais sozinha ao jantar da empresa? — A voz da minha sogra, Dona Lurdes, ecoou pela sala de jantar, cortando o silêncio como uma faca afiada. — E tu, Rui, não insistes em ir com a tua mulher? Não achas estranho?
O garfo do Rui ficou suspenso no ar. O meu coração acelerou. Senti todos os olhares da família pousados em mim, como se esperassem que eu confessasse um segredo obscuro. A minha filha, Leonor, olhou-me de soslaio, tentando perceber se ia haver discussão. O meu sogro pigarreou e continuou a cortar o bacalhau, fingindo não ouvir.
— Mãe, já falámos sobre isso — respondeu Rui, com aquela voz cansada que ultimamente usava sempre que o assunto era sair de casa. — Não me apetece ir a festas. Estou cansado.
— Cansado? — Dona Lurdes bufou. — Toda a gente trabalha, Rui! Mariana também trabalha e vai. Ou será que ela prefere ir sozinha?
O silêncio caiu pesado. Senti-me exposta, como se a minha sogra tivesse arrancado o tapete debaixo dos meus pés. A verdade é que o nosso casamento já estava por um fio há meses. Rui passava os dias fechado no escritório lá de casa, saía pouco, e quando saía era para ir ao café ver o Benfica com os amigos. Eu tentava manter as aparências, mas cada vez era mais difícil.
— Não é por aí, Dona Lurdes — tentei sorrir, mas a voz saiu-me trémula. — O jantar é só para colegas e acompanhantes. Não é obrigatório levar ninguém.
— Mas toda a gente leva! — insistiu ela. — O meu primo António foi com a mulher ao jantar da empresa dela e até ganharam um cabaz de Natal! Não percebo esta mania de cada um andar para seu lado.
Rui largou o garfo e encostou-se na cadeira.
— Mãe, chega. Mariana vai sozinha porque eu não quero ir. Ponto final.
A tensão era palpável. Leonor levantou-se para ir buscar mais água e eu aproveitei para sair atrás dela para a cozinha.
— Mãe, está tudo bem? — perguntou baixinho.
— Está, filha. Vai lá para a sala — menti.
Fiquei sozinha na cozinha, a olhar para o lava-loiça cheio de pratos por lavar. Senti uma lágrima escorrer-me pela face. Não era só o jantar da empresa. Era tudo: as conversas que já não tínhamos, os silêncios cada vez mais longos, as noites em que Rui adormecia no sofá e eu fingia não me importar.
Voltei à sala com um sorriso forçado. O jantar terminou num clima estranho, cada um a fingir que nada se passava. Quando chegámos a casa, Rui foi direto para o escritório.
— Vais ficar aí muito tempo? — perguntei da porta.
— Tenho trabalho — respondeu sem me olhar.
Fechei a porta devagar e fui para o quarto. Sentei-me na cama e olhei para a fotografia do nosso casamento na mesa de cabeceira. Lembrei-me do Rui de outros tempos: divertido, apaixonado, sempre pronto para uma aventura. Onde é que nos perdemos?
Na manhã seguinte, acordei cedo e preparei o pequeno-almoço para Leonor. Rui já tinha saído para correr, como fazia todos os dias desde que começou a evitar-me em casa.
No trabalho, tentei concentrar-me mas só pensava no jantar da empresa. As colegas falavam animadas sobre os vestidos que iam usar e os maridos que iam levar. Senti-me deslocada.
Na véspera do jantar, tentei falar com Rui.
— Rui, podemos conversar?
Ele suspirou e pousou o telemóvel.
— Sobre o quê?
— Sobre nós. Sinto que estamos cada vez mais afastados…
Ele encolheu os ombros.
— Mariana, estou cansado destas conversas. Não tenho energia para discutir sempre o mesmo.
— Mas não vês que isto não é normal? Mal falamos um com o outro! Até a tua mãe percebeu!
Ele levantou-se abruptamente.
— A minha mãe só sabe meter-se onde não é chamada! E tu também podias parar de insistir nisto!
Fiquei sem palavras. Ele saiu do quarto e bateu com a porta.
Na noite do jantar da empresa, vesti-me com cuidado: um vestido azul-escuro que comprei especialmente para a ocasião. Quando me olhei ao espelho, vi uma mulher cansada mas determinada a não deixar que a tristeza tomasse conta de mim.
Antes de sair, fui ao escritório despedir-me do Rui.
— Vou sair agora.
Ele nem levantou os olhos do computador.
— Diverte-te.
Fechei a porta atrás de mim e senti um nó na garganta. No caminho para o restaurante, revi mentalmente todos os momentos felizes que já tínhamos partilhado e perguntei-me se ainda havia salvação para nós.
O jantar foi animado. Os colegas riram-se das piadas do chefe, brindaram ao sucesso da equipa e tiraram fotografias em grupo. Quando perguntaram pelo Rui, inventei uma desculpa qualquer sobre uma gripe repentina. Ninguém acreditou realmente, mas ninguém insistiu.
No regresso a casa, caminhei devagar pelas ruas frias de Lisboa. As luzes de Natal brilhavam nas montras das lojas fechadas e senti uma solidão profunda apertar-me o peito.
Quando cheguei a casa, encontrei Rui adormecido no sofá com a televisão ligada num jogo qualquer. Cobri-o com uma manta e fui para o quarto sozinha.
Na manhã seguinte, acordei decidida a enfrentar a verdade. Preparei café para nós os dois e sentei-me à mesa à espera que ele acordasse.
Quando finalmente apareceu na cozinha, olhou-me surpreendido por me ver ali sentada àquela hora.
— Precisamos mesmo de conversar — disse-lhe calmamente.
Ele sentou-se à minha frente e ficou à espera.
— Rui… eu amo-te. Mas não posso continuar assim. Sinto-me sozinha dentro deste casamento e já não sei como te chegar perto.
Ele ficou em silêncio durante uns segundos eternos antes de responder:
— Eu também me sinto perdido, Mariana… Não sei quando é que isto começou a correr mal…
As lágrimas correram-me pelo rosto enquanto ele finalmente me olhava nos olhos.
— Achas que ainda conseguimos salvar isto? — perguntei-lhe num sussurro.
Ele pegou na minha mão por cima da mesa e apertou-a com força.
— Podemos tentar… se ambos quisermos mesmo.
Naquele momento percebi que talvez ainda houvesse esperança para nós — mas também sabia que nada voltaria a ser como antes sem esforço dos dois lados.
Agora pergunto-me: quantos casais vivem assim, juntos mas tão distantes? Quantas vezes deixamos que o silêncio fale mais alto do que as palavras? E vocês… já sentiram esta solidão acompanhada?