Quando o Amor se Quebra: O Dia em que Descobri a Traição do Rui
— Não faças essa cara, Marta. Não é nada do que estás a pensar.
As palavras do Rui ecoaram na minha cabeça como um trovão. Eu estava parada na cozinha, as mãos trémulas a segurar uma chávena de chá já frio. O relógio marcava quase meia-noite e ele tinha acabado de chegar, outra vez, tarde do trabalho. Mas desta vez, havia algo diferente no seu olhar — uma inquietação, um nervosismo que nunca lhe tinha visto.
— Então explica-me, Rui. Explica-me porque é que a Andreia me ligou hoje a perguntar se eu já sabia. Explica-me porque é que toda a gente no escritório parece saber mais sobre o teu casamento do que eu própria!
Ele desviou o olhar, fixando-se no chão como se ali encontrasse as respostas que não conseguia dar-me. O silêncio entre nós era pesado, sufocante. Senti o peito apertar-se, como se alguém me tivesse tirado o ar.
Sempre pensei que conhecia o Rui. Estávamos juntos desde os tempos da faculdade em Coimbra. Foram quinze anos de vida partilhada — risos cúmplices nas noites frias de inverno, discussões acesas sobre coisas pequenas, vitórias celebradas com vinho do Dão e derrotas choradas no ombro um do outro. Construímos uma família, uma casa cheia de memórias e fotografias nas paredes.
Ele sempre dizia: “A família é o mais importante, Marta.” E eu acreditava. Acreditava tanto que nunca questionei quando começou a chegar tarde, quando os jantares passaram a ser só eu e a Leonor, a nossa filha de oito anos. Quando ele dizia que estava cansado demais para conversar ou brincar com ela. Eu justificava tudo: o trabalho no banco estava difícil, havia cortes de pessoal, ele precisava de se esforçar mais.
Mas naquele dia, tudo desabou. A Andreia, colega minha do ginásio e amiga de infância, ligou-me com a voz trémula:
— Marta… desculpa perguntar isto assim… mas tu sabes da história do Rui e da Sílvia?
Sílvia. O nome caiu-me como uma pedra no estômago. Sílvia era a nova colega do Rui no banco — loira, sempre impecável, simpática até demais. Eu tinha-a conhecido numa festa de Natal da empresa e ela elogiara o meu vestido com aquele sorriso falso que só as mulheres reconhecem.
— Não sei do que estás a falar — respondi, tentando manter a voz firme.
— Marta… toda a gente comenta. Dizem que eles andam juntos há meses. Que até foram vistos num hotel em Aveiro…
Desliguei o telefone sem dizer mais nada. Senti-me ridícula. Como é que podia ter sido tão cega? Como é que todos sabiam menos eu?
Naquela noite, esperei pelo Rui até ele chegar. E agora estávamos ali, frente a frente, com o abismo entre nós maior do que nunca.
— Diz-me a verdade, Rui. Por favor.
Ele suspirou fundo e finalmente olhou para mim. Os olhos dele estavam vermelhos — não sei se de cansaço ou de vergonha.
— Marta… eu… não sei como isto aconteceu. Juro-te que não planeei nada disto. Foi só… aconteceu.
Senti um nó na garganta. As lágrimas começaram a cair sem controlo.
— E a nossa filha? E tudo o que construímos? Valeu tudo tão pouco assim?
Ele tentou aproximar-se, mas recuei instintivamente.
— Não me toques! — gritei, surpreendendo até a mim própria com a força da minha voz.
A Leonor apareceu à porta do quarto, assustada.
— Mãe? O que se passa?
Corri até ela e abracei-a com força.
— Nada, querida. Vai dormir, está bem? A mãe já vai ter contigo.
Ela olhou para o pai com desconfiança — talvez já tivesse percebido mais do que eu imaginava.
Quando finalmente fiquei sozinha na sala, sentei-me no sofá e deixei-me afundar na dor. Lembrei-me das vezes em que defendi o Rui perante as amigas quando diziam que todos os homens traem. “O meu Rui não é assim”, dizia eu com orgulho. Que ingénua fui.
Os dias seguintes foram um pesadelo. No trabalho, sentia os olhares de pena dos colegas — alguns evitavam falar comigo, outros tentavam consolar-me com frases feitas: “Essas coisas acontecem…” ou “Tens de ser forte pela Leonor”.
A minha mãe ligava todos os dias:
— Marta, volta para casa. Não tens de passar por isto sozinha.
Mas eu não queria voltar para aquela aldeia perto de Viseu onde cresci. Não queria ser “a filha da D. Emília que foi traída pelo marido”. O estigma pesa muito numa terra pequena.
O Rui tentou pedir desculpa mil vezes. Mandava mensagens longas durante o dia:
— Perdoa-me, Marta. Eu amo-te. Foi um erro horrível…
Mas como se perdoa uma traição destas? Como se esquece o olhar das pessoas na rua? Como se reconstrói uma vida quando tudo parece mentira?
A Leonor começou a ter pesadelos à noite. Chamava por mim e agarrava-se ao meu braço como se tivesse medo de me perder também.
Uma noite, depois de a adormecer, sentei-me na varanda e olhei para as luzes da cidade ao longe. Senti uma solidão imensa — como se estivesse num barco à deriva sem saber para onde remar.
A minha irmã Inês veio visitar-me nesse fim-de-semana.
— Marta, tu és forte. Sempre foste. Mas não tens de carregar isto sozinha. O Rui fez uma escolha — agora tu tens de fazer a tua.
Chorei no colo dela como uma criança perdida.
Os meus sogros vieram falar comigo também:
— Sabemos que o nosso filho errou muito… mas pensa na Leonor. Ela precisa do pai.
Senti raiva por me pedirem para pensar nele quando ninguém parecia pensar em mim.
As semanas passaram e as feridas continuavam abertas. O Rui insistia em voltar para casa:
— Dá-me uma oportunidade para te provar que mudei…
Mas eu sentia vergonha só de imaginar os vizinhos a cochichar quando ele entrasse em casa outra vez. Sentia vergonha por ter acreditado tanto nele — por ter sido a última a saber da traição.
Uma noite, sentei-me com a Leonor na cama dela e ela perguntou:
— Mãe… vais perdoar o pai?
Fiquei sem resposta. Olhei para aqueles olhos grandes e sinceros e percebi que não sabia o que fazer.
Agora estou aqui, dividida entre o medo de ficar sozinha e o orgulho ferido. Entre o desejo de proteger a minha filha e a vontade de me proteger a mim própria.
Será possível reconstruir um casamento depois de tanta mentira? Ou será melhor recomeçar sozinha?
E vocês? O que fariam no meu lugar?