Quando as Nossas Mães se Tornaram Amigas: “Sem Querer, Deixámo-las Entrar nos Nossos Planos. Foi Como se o Reator Delas Entrasse em Sobrecarga”

— Não acredito que vais mesmo fazer isto, Sofia! — A voz da minha mãe ecoava pelo pequeno café da esquina, misturando-se com o cheiro a café torrado e bolo de arroz. O Miguel apertava-me a mão por baixo da mesa, mas eu sentia os dedos dele a tremerem tanto quanto os meus.

O plano era simples: anunciar o nosso noivado e marcar o casamento para dali a três semanas. Queríamos algo íntimo, sem grandes preparativos, sem listas intermináveis de convidados. Mas, naquele momento, percebi que nada seria simples com as nossas mães envolvidas.

A mãe do Miguel, Dona Teresa, olhou para a minha mãe com um brilho nos olhos que eu nunca tinha visto. — Oh, Maria do Céu, isto é maravilhoso! Já viste? Os nossos filhos juntos! Temos tanto para organizar! — E ali, naquele instante, percebi que tínhamos cometido um erro fatal: deixámo-las entrar nos nossos planos.

O Miguel tentou intervir. — Mãe, calma. Nós só queremos uma coisa pequena, só com os mais próximos…

— Pequena? — interrompeu a minha mãe, já com o telemóvel na mão. — Nem penses! A tua avó tem de vir de Braga, e a tia Lurdes não pode faltar. E depois há os primos do Porto…

Dona Teresa já fazia listas mentais de pratos típicos para servir no copo-d’água. — E eu trato das sobremesas! O arroz doce da minha mãe era famoso em toda a aldeia. Sofia, vais adorar!

Olhei para o Miguel, desesperada. Ele sussurrou: — Isto vai ser um desastre.

A partir desse dia, as nossas mães tornaram-se inseparáveis. Passavam horas ao telefone, trocando receitas e ideias para decorações. O nosso grupo de WhatsApp transformou-se numa avalanche de mensagens: “E se fizermos lembranças personalizadas?”, “Já pensaram na cor das toalhas?”, “O padre Joaquim ainda faz casamentos?”.

Eu sentia-me cada vez mais sufocada. O casamento que sonhara — simples, íntimo, só nosso — estava a transformar-se num evento digno de reportagem na TVI. O Miguel tentava acalmar-me:

— Amor, são só detalhes…

— Detalhes? Já viste o orçamento que elas fizeram? Só em flores vão gastar mais do que eu ganho num mês!

As discussões começaram a surgir entre nós. Uma noite, depois de mais uma reunião familiar caótica, explodi:

— Isto não é o casamento que eu quero! Não percebes?

O Miguel ficou em silêncio. Depois levantou-se e saiu para a varanda. Fiquei sozinha na sala, com lágrimas a escorrer-me pelo rosto.

No dia seguinte, acordei com uma mensagem da minha mãe: “Sofia, precisamos falar.” Fui ter com ela ao café onde tudo começara.

— Filha, sei que estás chateada comigo. Mas quero o melhor para ti. Sempre sonhei ver-te casar em grande…

— Mas mãe, esse é o teu sonho, não o meu.

Ela ficou calada por um momento. Depois suspirou:

— Sabes… Quando casei com o teu pai, não pude escolher nada. Foi tudo decidido pelos outros. Só queria que tivesses uma experiência diferente.

Senti um nó na garganta. Pela primeira vez vi a minha mãe como alguém vulnerável, cheia de sonhos adiados.

Entretanto, do outro lado da cidade, o Miguel enfrentava Dona Teresa:

— Mãe, estás a exagerar. A Sofia está infeliz.

— Mas filho… Eu só queria ajudar! Nunca tive uma filha para organizar um casamento…

O Miguel abraçou-a e disse-lhe baixinho:

— Então ajuda-nos a sermos felizes à nossa maneira.

As mães encontraram-se nessa noite em nossa casa. O ambiente estava tenso. Eu e o Miguel ficámos sentados no sofá enquanto elas falavam na cozinha.

— Maria do Céu, acho que exagerámos…

— Pois foi. A Sofia está triste e o Miguel também.

— Se calhar devíamos deixá-los decidir.

Quando voltaram à sala, estavam diferentes. Mais calmas. A minha mãe sentou-se ao meu lado e pegou-me na mão.

— Filha, desculpa. Vamos fazer como tu quiseres.

Dona Teresa sorriu para o Miguel:

— E eu prometo não me meter mais… muito.

O alívio foi imediato. Pela primeira vez em semanas senti que podia respirar.

No final, casámo-nos no jardim dos meus pais, só com os amigos mais próximos e família direta. As nossas mães fizeram questão de preparar as sobremesas juntas — e até aí discutiram sobre quem fazia o melhor pudim — mas no fim riram-se das próprias teimosias.

Durante a festa, vi-as sentadas juntas à sombra de uma oliveira, a conversar como velhas amigas. Pensei em tudo o que tínhamos passado para chegar ali: as discussões, os sonhos desfeitos e reconstruídos, as lágrimas e os abraços.

Às vezes pergunto-me: será que algum dia conseguimos realmente separar os nossos sonhos dos sonhos dos nossos pais? Ou será que acabamos sempre por misturá-los sem querer? E vocês? Já sentiram que a vossa felicidade depende demasiado das expectativas dos outros?