Quando a Verdade Dói Mais do que a Mentira: O Dia em que Descobri a Traição de Rui

— Não me olhes assim, Ana. Não foi nada do que estás a pensar! — A voz do Rui ecoava pelo corredor, mas eu já não conseguia distinguir se era raiva, medo ou pura vergonha o que lhe tremia nas palavras. O portátil dele estava aberto na mesa da sala, e eu, sem querer — ou talvez querendo, já nem sei — vi aquela mensagem: “Senti tanto a tua falta esta noite.”

O meu coração disparou. Senti o sangue fugir-me do rosto e as mãos tremerem. Dez anos de casamento, uma filha de sete anos a dormir no quarto ao lado, e eu ali, paralisada entre o impulso de gritar e o desejo de desaparecer. Sempre achei que traição era coisa de outros casais, daqueles que já não se falam ao jantar ou que dormem em quartos separados. Nós não éramos assim. Ou pelo menos eu achava que não.

— Rui, quem é a Marta? — perguntei, tentando manter a voz firme, mas ela saiu-me num sussurro quase infantil.

Ele hesitou. Olhou para mim como se procurasse uma desculpa no fundo dos meus olhos. — É só uma colega do trabalho. Estás a exagerar.

— Uma colega? Então porque é que ela te diz que sentiu a tua falta? — A minha voz começou a falhar. Senti as lágrimas a quererem saltar, mas forcei-me a continuar. — Rui, olha-me nos olhos e diz-me que não me traíste.

O silêncio dele foi mais cruel do que qualquer palavra. O relógio da parede marcava três da manhã. Lá fora, chovia como se o céu também chorasse por mim.

Lembrei-me de todas as vezes em que ele me disse: “Se algum dia me traíres, acabou. Não há volta a dar.” Rui sempre foi intransigente com estas coisas. Eu própria comecei a acreditar que a nossa relação era à prova de tudo. Mas agora era ele quem estava ali, encurralado pelas próprias palavras.

— Ana… — começou ele, mas eu interrompi-o.

— Não digas nada. Não quero ouvir desculpas. Quero saber a verdade.

Ele sentou-se no sofá, as mãos na cabeça. — Foi só uma vez. Eu… estava confuso, as coisas no trabalho estavam difíceis… Senti-me sozinho.

Sozinho? Como é possível sentir-se sozinho quando se tem uma família? Quando todos os dias lhe perguntei como estava, quando tentei ser tudo para ele? Senti uma raiva surda crescer dentro de mim.

— Rui, tu sempre disseste que traição era o fim. Que não havia perdão possível. E agora? Agora esperas que eu faça o quê? Que finja que nada aconteceu?

Ele levantou-se de repente e agarrou-me nas mãos. — Ana, por favor… Eu amo-te. Foi um erro, juro-te! Não quero perder-te.

Afastei-me dele como se o toque me queimasse. — E eu? O que faço com isto tudo agora? Como é que se apaga uma traição?

A noite foi longa. Fiquei sentada na cozinha até ao nascer do sol, a ouvir o tic-tac do relógio e os meus próprios pensamentos aos gritos na cabeça. Lembrei-me da minha mãe, que sempre dizia: “O casamento é feito de perdão.” Mas será mesmo? Ou será só uma desculpa para não ficarmos sozinhas?

No dia seguinte, tentei agir normalmente por causa da nossa filha, Inês. Preparei-lhe o pequeno-almoço e levei-a à escola como sempre. Mas dentro de mim tudo estava diferente. Cada gesto do Rui parecia falso, cada palavra dele soava vazia.

Durante semanas vivi num limbo entre o desejo de perdoar e a vontade de fugir dali para sempre. A família dele ligava-me todos os dias:

— Ana, pensa bem… O Rui está arrependido! — dizia a sogra ao telefone.

A minha mãe foi mais dura:

— Se fosse comigo, já tinha feito as malas dele! Não te deixes pisar.

Mas ninguém sabia o que era acordar todos os dias ao lado de alguém em quem já não confiava. Ninguém sabia o peso do silêncio à mesa do jantar ou o medo de olhar para trás e perceber que tudo foi uma mentira.

Uma noite, depois de pôr a Inês na cama, sentei-me com o Rui na sala.

— Preciso de respostas — disse-lhe. — Preciso de saber se ainda há alguma coisa entre vocês.

Ele abanou a cabeça com força. — Não há nada! Acabou logo ali. Eu só queria sentir-me desejado outra vez…

As palavras dele magoaram-me mais do que qualquer coisa. Será que eu já não era suficiente? Será que me tornei invisível aos olhos dele?

Comecei a duvidar de mim própria: será que fui demasiado exigente? Será que me dediquei tanto à casa e à filha que me esqueci de ser mulher?

Os dias passaram arrastados. No trabalho mal conseguia concentrar-me; os colegas notavam o meu ar ausente.

— Está tudo bem contigo? — perguntou-me a Joana um dia à hora do almoço.

Quis desabar ali mesmo, mas limitei-me a sorrir e dizer: — São só umas coisas lá em casa…

A verdade é que ninguém está preparado para ser traído por quem mais confia. Ninguém nos ensina como reconstruir uma vida depois disso.

Um sábado à tarde, fui visitar a minha irmã mais nova, Sofia. Ela olhou para mim com aqueles olhos grandes e sinceros:

— Ana, tu ainda amas o Rui?

Fiquei em silêncio muito tempo antes de responder:

— Não sei… Acho que já não sei o que sinto.

Ela abraçou-me com força. — Então não te obrigues a perdoar só porque sim.

Naquela noite decidi dormir no quarto da Inês. O Rui ficou sozinho na nossa cama pela primeira vez em dez anos.

Os meses seguintes foram um teste à minha resistência emocional. Fomos juntos à terapia de casal; chorámos muito; discutimos ainda mais. Houve dias em que achei mesmo que ia conseguir perdoar; outros em que só queria desaparecer.

A Inês começou a perguntar porque é que eu já não dava beijinhos ao pai como antes; porque é que ele dormia tantas vezes no sofá.

— Mãe, vocês vão separar-se? — perguntou ela um dia com os olhos cheios de lágrimas.

Abracei-a com toda a força do mundo e prometi-lhe que nunca deixaria de ser mãe dela — mas já não conseguia prometer mais nada.

No fim daquele ano decidi separar-me do Rui. Não foi fácil; houve gritos, lágrimas e acusações dos dois lados da família. A sogra deixou de falar comigo durante meses; a minha mãe achou que eu devia ter tentado mais um pouco.

Mas eu sabia: perdoar não é esquecer; e eu nunca ia conseguir esquecer aquela noite em que tudo mudou.

Hoje vivo sozinha com a Inês num pequeno apartamento em Almada. Às vezes sinto falta dos domingos em família ou dos jantares animados com amigos comuns; outras vezes sinto-me finalmente livre para ser quem sou sem medo de desiludir ninguém.

O Rui continua presente na vida da filha; tentamos ser cordiais por ela. Mas entre nós ficou um vazio impossível de preencher.

Às vezes pergunto-me: será possível reconstruir-se depois da traição? Ou ficamos sempre com medo de confiar outra vez?

E vocês? Já passaram por algo assim? Conseguiram perdoar ou seguiram em frente?