Pensei que ele me traía com uma mais nova. Mas voltou para a ex de há 25 anos
— Não me mintas, Miguel! — gritei, sentindo a voz tremer, enquanto ele desviava o olhar e fingia procurar algo na gaveta da cozinha. O cheiro do café queimado misturava-se com o perfume novo dele, aquele que nunca usava antes de começar a chegar tarde a casa.
Ele suspirou, cansado, como se eu fosse uma criança birrenta. — Não estou a mentir, Marta. Só estou cansado do trabalho, é só isso.
Mas eu sabia que não era só isso. Há meses que tudo mudara: as camisas novas, os perfumes caros, as mensagens trocadas às escondidas, o telemóvel sempre em silêncio, até mesmo em casa. Os “jantares de equipa” e as “formações fora de Lisboa” tornaram-se rotina. Eu via-o afastar-se de mim todos os dias, como se cada passo dele fosse um adeus silencioso.
A minha cabeça rodava com hipóteses. Será que era aquela miúda da contabilidade? Ou a personal trainer do ginásio? Ou talvez aquela influencer que ele seguia no Instagram? Tudo apontava para o cliché: homem de meia-idade, crise existencial, procura de juventude.
Uma noite, depois de mais um dos seus “eventos”, decidi confrontá-lo. Esperei-o na sala, sentada no escuro, com o coração aos pulos. Quando entrou, nem se surpreendeu por me ver ali.
— Marta, por favor… — começou ele, mas eu interrompi-o.
— Diz-me só uma coisa: é alguém do trabalho? É alguém mais nova? — A minha voz saiu mais fraca do que queria.
Ele hesitou. O silêncio dele foi pior do que qualquer resposta. Senti as lágrimas a arderem-me nos olhos, mas não as deixei cair. Não lhe ia dar esse prazer.
Durante dias, tentei apanhar-lhe uma mensagem suspeita, um cheiro estranho na roupa, um recibo esquecido no bolso. Nada. Só aquele vazio entre nós, cada vez maior.
Foi a minha irmã, Ana, quem me abriu os olhos sem querer. Estávamos a tomar café quando ela comentou:
— Sabias que a Teresa voltou para Lisboa? Aquela tua colega da faculdade… E sabes quem vi com ela no Chiado? O Miguel! Achei estranho…
O mundo parou. Teresa. A ex-namorada dele de há 25 anos. A mulher por quem ele chorou meses antes de me conhecer. Sempre achei que era coisa do passado, uma história enterrada.
Nessa noite, esperei que ele adormecesse e vasculhei o telemóvel dele. Não encontrei mensagens recentes, mas havia uma foto antiga deles juntos na galeria — tirada há poucos dias, reconheci pelo casaco novo dele.
O peito apertou-se-me. Não era uma miúda qualquer. Era alguém com história, com passado partilhado. Alguém que podia dar-lhe aquilo que eu nunca conseguiria: a ilusão de voltar atrás no tempo.
No dia seguinte, não consegui conter-me. Atirei-lhe a foto para cima da mesa do pequeno-almoço.
— Então é isto? Voltaste para ela?
Ele ficou pálido. — Marta… não é assim tão simples.
— Não é simples?! — gritei. — Estás a destruir a nossa família por causa de uma paixão de adolescência?
Ele passou as mãos pelo rosto e murmurou:
— Eu já não sei quem sou contigo. Sinto-me perdido… Com ela lembro-me de quem era antes de tudo isto.
As palavras dele cortaram-me como facas. Eu era “tudo isto”? O peso da rotina? O fardo da vida adulta?
Os dias seguintes foram um inferno. Tentei fingir normalidade para os nossos filhos — o Tiago e a Leonor — mas eles sentiam tudo. O Tiago fechou-se no quarto e a Leonor começou a fazer perguntas difíceis:
— A mãe e o pai vão separar-se?
Eu mentia-lhes como podia: “Está tudo bem”. Mas não estava nada bem.
A minha mãe ligava todos os dias:
— Marta, tens de lutar pelo teu casamento! Não deixes essa mulher roubar-te o marido!
Mas como se luta contra fantasmas do passado? Como se compete com memórias idealizadas?
Uma noite, depois de todos dormirem, sentei-me na varanda e chorei até não ter mais lágrimas. Lembrei-me do início do nosso namoro: os passeios em Belém ao domingo, os jantares baratos na Mouraria, os sonhos partilhados sobre filhos e viagens. Onde é que nos perdemos?
No dia seguinte, decidi confrontar Teresa. Liguei-lhe e pedi para falarmos.
Encontrámo-nos num café discreto em Campo de Ourique. Ela estava igual ao que me lembrava: elegante, segura de si, com aquele sorriso enigmático.
— Marta… — disse ela suavemente — Não vim aqui para roubar ninguém. O Miguel procurou-me porque precisava de respostas sobre o passado dele…
— E tu deste-lhas? — perguntei amargamente.
Ela suspirou:
— Eu também estou sozinha há muito tempo. Talvez nos tenhamos enganado a pensar que podíamos voltar atrás no tempo… Mas acredita: não quero destruir a tua família.
Saí dali ainda mais confusa. Se ela não queria o Miguel… porque é que ele parecia tão decidido a afastar-se?
Quando cheguei a casa, encontrei-o sentado à mesa da cozinha, com uma mala feita ao lado da cadeira.
— Vou sair por uns tempos — disse ele baixinho. — Preciso de perceber quem sou sem ti… sem ninguém.
O chão fugiu-me dos pés. Os miúdos ouviram tudo e vieram abraçar-me a chorar.
Os dias seguintes foram um nevoeiro: acordar sozinha na cama fria, fazer o jantar só para três, responder às perguntas dos vizinhos com um sorriso falso.
A Ana vinha cá quase todos os dias:
— Vais ver que ele volta… Eles voltam sempre quando percebem o que perderam.
Mas eu já não sabia se queria que ele voltasse. Comecei a olhar para mim ao espelho e a perguntar-me: quem sou eu sem o Miguel? Será que também me perdi nestes anos todos?
Um mês depois, ele ligou-me:
— Posso passar aí para falar contigo?
Quando chegou, parecia mais velho, cansado.
— Percebi que não posso viver no passado — disse ele. — A Teresa foi importante para mim… mas tu és a minha família agora.
Olhei-o nos olhos e vi sinceridade… mas também medo. Medo de recomeçar, medo de enfrentar tudo o que tínhamos deixado por resolver.
— E agora? — perguntei-lhe.
Ele encolheu os ombros:
— Agora depende de ti…
Ficámos ali sentados em silêncio durante muito tempo. Pela primeira vez em anos, senti que podia escolher: perdoar ou seguir em frente sozinha.
Ainda hoje não sei se fiz bem em aceitá-lo de volta. Mas aprendi uma coisa: ninguém nos pertence realmente; só podemos escolher amar todos os dias.
E vocês? Já sentiram que perderam alguém para o passado? Como se volta a confiar depois de uma traição assim?