O Dia em que o Adriano Voltou Mudado: Um Segredo que Nos Despedaçou
— Não me olhes assim, Mariana. Não é nada — disse o Adriano, sem me encarar, enquanto pousava a mala no corredor. O cheiro a chuva entrava pela porta entreaberta, misturando-se com o aroma do jantar que eu preparara com tanto cuidado. Era suposto ser uma noite especial: fazia três anos que tínhamos comprado a nossa casa em Vila Nova de Gaia, e eu queria surpreendê-lo com o seu prato favorito, arroz de pato.
Mas ele não tocou na comida. Limitou-se a empurrar os grãos com o garfo, olhos fixos na toalha. O silêncio era tão denso que quase me sufocava. Oiço ainda hoje o som do relógio da sala, cada tic-tac uma martelada no meu peito.
— Adriano, o que se passa? — insisti, tentando controlar o tremor na voz. — Estás assim desde que voltaste de Lisboa. Nem sequer olhas para mim.
Ele levantou-se abruptamente, a cadeira arrastando-se pelo chão de madeira.
— Preciso de tomar um banho — murmurou, desaparecendo pelo corredor.
Fiquei ali sentada, sozinha, com o cheiro do arroz de pato a tornar-se enjoativo. Senti uma lágrima escorrer-me pela face. Não era só cansaço; era medo. Medo de perder tudo aquilo por que tinha lutado.
Os dias seguintes foram um tormento. O Adriano saía cedo, chegava tarde e evitava qualquer conversa mais profunda. A minha mãe, a Dona Lurdes, reparou logo quando veio visitar-nos ao domingo.
— O teu marido anda estranho, filha. Não me digas que andam com problemas…
— Não, mãe, está só cansado do trabalho — menti, sentindo-me pequena e impotente.
Mas não era só cansaço. Uma noite, enquanto ele dormia no sofá, ouvi o telemóvel dele vibrar. Uma mensagem apareceu no ecrã: “Preciso de falar contigo. Não posso continuar assim.” O nome era Ana Rita. O meu coração gelou.
No dia seguinte, esperei que ele saísse para o trabalho e liguei à minha melhor amiga, a Sofia.
— Sofia, acho que o Adriano me está a esconder alguma coisa… Encontrei uma mensagem de uma tal Ana Rita.
— Mariana… tens de falar com ele. Não podes viver assim.
Tentei confrontá-lo naquela noite. Esperei por ele na sala, luzes apagadas, só o candeeiro da esquina aceso.
— Adriano, precisamos de conversar. Quem é a Ana Rita?
Ele ficou pálido. Sentou-se devagarinho e passou as mãos pela cara.
— Mariana… eu não queria que soubesses assim. Eu… conheci-a em Lisboa. Foi só uma vez… Eu estava bêbado… Não significa nada.
As palavras dele caíram sobre mim como pedras. Senti-me traída, humilhada, vazia.
— Só uma vez? Achas que isso muda alguma coisa? — gritei-lhe, incapaz de conter as lágrimas.
Ele tentou tocar-me na mão, mas afastei-me.
— Mariana, perdoa-me… Eu amo-te…
Mas já não conseguia ouvir mais nada. Saí de casa e fui para casa da minha mãe. Passei a noite em claro, a olhar para o teto do meu antigo quarto, onde ainda estavam colados os autocolantes das Spice Girls da minha adolescência.
A Dona Lurdes entrou pela manhã com um café quente e um olhar preocupado.
— Filha… tens de decidir o que queres para ti. Não fiques presa ao passado só porque tens medo do futuro.
As palavras dela ecoaram em mim durante dias. O Adriano tentou ligar-me várias vezes, mandou flores para o trabalho, escreveu cartas. Mas eu já não conseguia confiar nele.
Os meus sogros ficaram devastados quando souberam da separação. A mãe dele chorava sempre que me via no supermercado.
— Mariana, por favor… ele arrepende-se tanto…
Mas eu sabia que não podia voltar atrás. A confiança é como um vaso: parte-se e nunca mais fica igual.
O processo de divórcio foi doloroso e lento. Tínhamos amigos em comum que tentaram intervir, mas cada conversa só servia para reabrir feridas.
A Sofia foi o meu pilar durante aqueles meses negros.
— Vais ver que vais encontrar alguém melhor — dizia ela sempre que me via desanimada.
Mas eu não queria ouvir falar de outros homens. Só queria voltar a ser eu própria, sem aquela sombra constante da traição.
O pior foi lidar com os olhares e os comentários das pessoas da terra. Em Gaia toda a gente se conhece; as notícias correm depressa.
— Ouvi dizer que foi ela que quis acabar… — cochichavam as vizinhas à porta do café.
Só os mais próximos sabiam a verdade: a dor de ser traída por quem mais amava.
Os meses passaram devagarinho. Voltei a viver com a minha mãe durante algum tempo até conseguir arrendar um pequeno apartamento perto do rio Douro. As noites eram solitárias e frias; muitas vezes acordava sobressaltada com pesadelos do Adriano a pedir-me perdão.
Um dia encontrei-o por acaso na estação de São Bento. Ele parecia mais velho, cansado.
— Mariana… desculpa — disse ele apenas, com os olhos marejados de lágrimas.
Limitei-me a acenar com a cabeça e segui caminho. Já não havia nada para dizer.
Hoje olho para trás e vejo como aquele segredo destruiu tudo aquilo em que acreditava. Mas também percebo que foi preciso perder-me para me reencontrar.
Às vezes pergunto-me: quantas pessoas vivem presas a mentiras só porque têm medo de recomeçar? E vocês? Já tiveram de escolher entre perdoar ou seguir em frente?