Entre a Fé e o Silêncio: Como Encontrei Paz no Meio da Tempestade do Meu Casamento

— Vais mesmo sair agora? — perguntei, tentando controlar o tremor na voz, enquanto via o Rui pegar nas chaves do carro. O relógio marcava quase meia-noite e a nossa sala, iluminada apenas pela luz fraca do candeeiro, parecia ainda mais fria do que o habitual.

Ele não respondeu de imediato. Limitou-se a olhar para mim, olhos cansados, como se procurasse palavras que não existiam. — Preciso de ar — murmurou, antes de fechar a porta atrás de si com um estrondo seco.

Fiquei ali, parada, com as mãos apertadas no avental, sentindo o coração bater descompassado. O silêncio que se seguiu foi tão pesado que quase me sufocava. Sentei-me no sofá, as lágrimas a correrem-me pelo rosto sem pedir licença. Como é que chegámos aqui? Onde foi que nos perdemos?

O Rui e eu casámos há dez anos numa pequena igreja em Sintra. Lembro-me do cheiro das flores, do sorriso da minha mãe, das mãos do meu pai a tremerem quando me entregou ao altar. Éramos felizes — ou pelo menos eu achava que sim. Construímos uma vida simples: ele trabalhava numa oficina de automóveis, eu dava aulas numa escola primária. Tínhamos dois filhos, a Leonor e o Tiago, e uma rotina tão previsível quanto confortável.

Mas nos últimos meses tudo mudou. O Rui começou a chegar tarde a casa, sempre cansado, sempre distante. As conversas tornaram-se discussões, os jantares em família transformaram-se em silêncios constrangedores. Eu tentava puxar assunto, perguntar pelo dia dele, mas recebia respostas monossilábicas ou um encolher de ombros. Senti-me sozinha dentro da nossa própria casa.

Naquela noite, depois de ele sair, fui ao quarto das crianças. Leonor dormia profundamente, abraçada ao urso de peluche. Tiago ressonava baixinho. Sentei-me ao lado deles e rezei em silêncio: “Meu Deus, ajuda-me a não desistir. Dá-me forças para lutar pela minha família.”

No dia seguinte, acordei com os olhos inchados e uma sensação de vazio no peito. O Rui não tinha voltado para casa. Liguei-lhe várias vezes, mas ele não atendeu. A minha mãe ligou-me logo de manhã:

— Filha, estás bem? Pareces cansada.

— Estou só um pouco em baixo — menti.

Ela percebeu logo que algo não estava bem. — Se precisares de falar… sabes que estou aqui.

Queria desabafar, contar-lhe tudo, mas não consegui. Senti vergonha. Vergonha de admitir que o meu casamento estava por um fio.

Durante o dia tentei distrair-me com as tarefas da escola e com as crianças, mas a cabeça estava longe. À noite, quando finalmente ouvi a porta abrir-se devagarinho, o coração disparou.

— Rui? — chamei baixinho.

Ele entrou na sala sem me olhar nos olhos. Trazia o rosto fechado e uma expressão cansada.

— Estiveste onde? — perguntei, tentando manter a calma.

— Fui dar uma volta — respondeu secamente.

— Rui… precisamos de falar.

Ele suspirou e sentou-se à minha frente. Ficámos ali uns segundos em silêncio até que explodi:

— Não aguento mais este afastamento! Sinto que já nem te conheço! O que se passa contigo?

Ele olhou para mim com olhos marejados. — Não sei… Sinto-me perdido. O trabalho está uma confusão, estou sempre cansado… E às vezes sinto que já não sou suficiente para ti…

As palavras dele caíram sobre mim como uma chuva gelada. Nunca imaginei que ele também se sentisse assim.

— Rui, eu só quero que voltes para mim… para nós — disse-lhe entre lágrimas.

Ele baixou a cabeça e ficou calado. Naquele momento percebi que não era só ele que estava perdido — eu também estava.

Nessa noite dormimos de costas voltadas. Mas antes de fechar os olhos, rezei novamente: “Senhor, mostra-me o caminho. Ajuda-nos a reencontrar-nos.”

Os dias seguintes foram um teste à minha paciência e à minha fé. O Rui continuava distante e eu sentia-me cada vez mais sozinha. Comecei a ir à missa todos os domingos sozinha com as crianças. Sentia uma paz estranha ali dentro da igreja, como se Deus me dissesse para não desistir.

Uma tarde, depois da missa, o padre António aproximou-se de mim:

— Está tudo bem consigo? Tem andado com um ar tão triste…

Desatei a chorar ali mesmo, sem conseguir controlar-me. Ele ouviu-me em silêncio enquanto eu desabafava sobre o Rui, sobre o medo de perder a minha família.

— Às vezes é preciso parar e escutar — disse ele calmamente. — Escutar Deus… mas também escutar o outro.

Essas palavras ficaram comigo durante dias. Percebi que eu também tinha deixado de ouvir o Rui há muito tempo — estava tão ocupada a tentar salvar tudo sozinha que já não lhe dava espaço para falar dos seus medos.

Numa noite chuvosa, sentei-me ao lado dele no sofá e disse:

— Rui… desculpa se não tenho estado atenta ao que sentes. Sei que estás a passar por um momento difícil… mas quero ajudar-te. Podemos tentar juntos?

Ele olhou para mim durante muito tempo antes de responder:

— Tenho medo de falhar contigo… com os miúdos…

Peguei-lhe na mão e senti-o tremer.

— Não tens de carregar tudo sozinho — sussurrei.

Foi como se uma barreira invisível se tivesse quebrado entre nós naquele instante. Pela primeira vez em meses, chorámos juntos. Falámos durante horas sobre tudo: os medos dele no trabalho, as minhas inseguranças como mãe e mulher, as saudades dos tempos em que éramos só nós dois.

A partir desse dia começámos a reconstruir-nos devagarinho. Fomos juntos à missa no domingo seguinte; começámos a jantar à mesa outra vez; voltámos a rir dos disparates dos miúdos; fizemos pequenas escapadelas até à praia da Adraga só para ver o pôr-do-sol.

Não foi fácil nem rápido — houve recaídas, discussões e dias maus. Mas cada vez que sentia vontade de desistir, rezava: “Dá-me paciência… dá-me esperança.” E Deus respondia-me através dos pequenos gestos: um abraço inesperado do Rui, um desenho da Leonor com todos de mãos dadas, um bilhete do Tiago a dizer “gosto muito de ti mamã”.

Hoje olho para trás e percebo que aquela crise foi um ponto de viragem nas nossas vidas. A fé não resolveu tudo num passe de mágica — mas deu-nos força para lutar quando já não tínhamos mais nada a dar.

Às vezes pergunto-me: quantos casais desistem antes de tentarem verdadeiramente ouvir-se? Quantos deixam morrer o amor por medo ou orgulho? Talvez nunca haja respostas certas… Mas sei que valeu a pena lutar por nós.

E vocês? Já sentiram vontade de desistir… ou encontraram forças onde menos esperavam?