Dois Anos Depois, Casei-me com um Divorciado. Agora, Estou a Pedir o Divórcio: A Filha Dele Vai Para a Faculdade e Estamos Apertados no Nosso T0

— Inês, preciso falar contigo — disse o Rui, com aquele tom de voz que me fazia gelar por dentro. Era uma terça-feira à noite, o cheiro do jantar ainda pairava no ar do nosso pequeno T0 em Benfica. Eu sabia que algo estava errado. Ele nunca usava aquele tom sem motivo.

— O que foi agora? — perguntei, tentando soar calma, mas já sentindo o coração a bater mais depressa.

Ele hesitou, olhou para as mãos e depois para mim. — A Leonor vai vir viver connosco. Entrou na faculdade em Lisboa e… não tem onde ficar.

Senti o chão fugir-me dos pés. A Leonor, filha do Rui do primeiro casamento, aquela adolescente que só via nos fins de semana alternados e que mal me cumprimentava. Agora ia viver connosco? No nosso T0 onde mal cabíamos os dois?

— Mas… como assim? — balbuciei. — Não falaste comigo antes? Isto não é uma decisão pequena, Rui!

Ele suspirou. — Eu sei, Inês. Mas ela não tem para onde ir. A mãe dela está desempregada e ficou com a casa dos pais dela cheia de gente. Não posso deixá-la sem apoio.

Fiquei ali, parada, a olhar para ele. Lembrei-me de todas as vezes que tentei aproximar-me da Leonor e ela me olhou como se eu fosse uma intrusa. Lembrei-me das discussões com o Rui sobre os limites entre a nossa vida e a vida dele antes de mim. E agora tudo se misturava.

Naquela noite não dormi. Fiquei a olhar para o teto, a pensar em como ia ser partilhar aquele espaço minúsculo com uma adolescente que me via como uma ameaça. O Rui dormia ao meu lado, tranquilo, como se tivesse resolvido tudo com uma frase.

No dia seguinte, liguei à minha mãe. — Mãe, a Leonor vai viver connosco. No T0! Achas normal?

Ela suspirou do outro lado da linha. — Filha, quando casaste com um homem divorciado sabias que vinha com bagagem. Tens de ser compreensiva.

— Mas mãe, eu também sou humana! Não posso ser sempre eu a ceder!

A minha mãe ficou em silêncio. Eu sabia que ela não queria tomar partido.

A Leonor chegou numa sexta-feira chuvosa, com duas malas e um olhar desconfiado. O Rui fez questão de lhe mostrar tudo — como se houvesse muito para mostrar naquele cubículo.

— Olá, Leonor — disse eu, forçando um sorriso.

Ela respondeu com um aceno de cabeça e foi logo para o canto do sofá-cama que agora era dela.

As semanas seguintes foram um caos. O Rui tentava agradar a toda a gente: fazia jantares especiais para a Leonor, perguntava-lhe pela faculdade, esquecia-se de mim. Eu sentia-me invisível na minha própria casa.

Uma noite, depois de mais uma discussão sobre quem ficava com a casa de banho de manhã, explodi:

— Isto não é vida! Não tenho espaço para mim! Nem para nós!

O Rui olhou-me como se eu fosse egoísta. — A Leonor precisa de nós agora. Não podes ser mais compreensiva?

— E eu? Quem é que pensa em mim?

Ele não respondeu.

Comecei a sair mais cedo de casa e a chegar mais tarde do trabalho só para evitar o ambiente pesado. A Leonor ocupava tudo: o sofá, a televisão, até o frigorífico estava cheio das coisas dela. Senti-me uma estranha na minha própria casa.

Uma noite ouvi-a ao telefone com a mãe:

— Odeio estar aqui. Ela nem tenta perceber-me. O pai só pensa nela quando lhe convém.

Fiquei magoada. Eu tentava tanto… mas era sempre a má da fita.

O Rui começou a chegar mais tarde também. Dizia que era trabalho, mas eu sabia que era para evitar as discussões.

Um sábado à tarde sentei-me com ele na varanda minúscula:

— Rui, isto não está a funcionar. Não posso continuar assim.

Ele olhou-me nos olhos pela primeira vez em semanas.

— O que queres fazer?

— Quero separar-me — disse eu, sentindo um alívio estranho misturado com tristeza.

Ele baixou a cabeça. — Nunca pensei que chegássemos aqui.

— Eu também não — respondi.

A Leonor ouviu-nos e saiu disparada para o quarto improvisado atrás da cortina. Senti-me culpada por ela, mas também por mim mesma. Tinha dado tudo por este casamento e agora estava tudo desfeito por falta de espaço — físico e emocional.

Os dias seguintes foram um turbilhão de emoções: tristeza pelo fim do casamento, raiva por nunca ter sido ouvida, culpa por não conseguir ser aquela madrasta perfeita dos filmes.

Quando finalmente arrumei as minhas coisas para sair daquele T0, olhei para trás e vi o Rui sentado no sofá-cama ao lado da filha, ambos calados, cada um perdido nos seus próprios pensamentos.

Agora pergunto-me: será que alguma vez é possível conciliar todas as peças de uma família reconstruída? Ou há sempre alguém que acaba por ficar sem lugar?

E vocês? Já sentiram que tiveram de abdicar demasiado de vocês próprios por amor?