A Ferida Que Nunca Sara: O Dia em Que Encontrei a Outra Mulher

— Não me olhes assim, Leonor. Não fui eu que procurei isto. — A voz do Miguel ecoava pela cozinha, mas eu mal conseguia ouvir. O sangue latejava-me nos ouvidos, as mãos tremiam enquanto segurava o telemóvel dele, ainda com o ecrã aceso. Duas linhas. “Sinto tua falta. Quando voltas?” E a resposta dele: “Logo, amor.”

O mundo parou ali. O cheiro do café queimado, o som do relógio da parede, tudo ficou distante. Sentei-me à mesa, sem saber se gritava ou chorava. Ele tentou aproximar-se, mas recuei como se me tivesse tocado fogo.

— Leonor, deixa-me explicar…

— Explicar o quê, Miguel? Que há quanto tempo? Quem é ela? — A minha voz saiu rouca, quase irreconhecível.

Ele hesitou. E naquele momento percebi que não era a primeira vez. Não era um deslize, era uma história. Uma história paralela à nossa vida de vinte anos, aos nossos filhos, às nossas rotinas.

Os dias seguintes foram um nevoeiro. Os miúdos perceberam que algo estava errado — a Matilde, com os seus quinze anos, fechou-se no quarto; o Tiago, pequeno demais para entender, perguntava porque é que o pai dormia no sofá. A minha mãe ligava todos os dias: “Leonor, tens de ser forte. Pensa nas crianças.” Mas como se pensa em alguém quando mal se consegue respirar?

Miguel saiu de casa duas semanas depois. Disse que precisava de tempo para pensar, mas eu sabia que era para estar com ela. O silêncio da casa tornou-se ensurdecedor. Lavei os lençóis mil vezes, como se pudesse apagar o cheiro dele, o cheiro dela, o cheiro da mentira.

Os meses passaram. Fui à advogada, ouvi conselhos de amigas — umas diziam para perdoar pelo bem da família, outras para seguir em frente e não olhar para trás. No fundo, ninguém sabia o que eu sentia: uma mistura de raiva, tristeza e uma culpa absurda por não ter visto antes.

A Matilde começou a sair mais tarde da escola, a responder-me torto. Uma noite entrou em casa às três da manhã e eu explodi:

— Achas que isto é vida? Achas que podes fazer tudo só porque o teu pai fez?

Ela olhou-me com olhos vermelhos:

— Tu não percebes nada! Se calhar se fosses diferente ele não tinha ido embora!

Aquelas palavras cortaram-me mais do que qualquer traição. Fui para o quarto e chorei até adormecer.

O tempo foi passando e aprendi a viver com a ausência. O Miguel ligava para falar com os filhos, às vezes vinha buscá-los ao fim de semana. Eu evitava vê-lo — cada vez que o via sentia um nó no estômago.

Um dia, anos depois, estava no supermercado quando ouvi alguém chamar:

— Leonor?

Virei-me e vi uma mulher loira, elegante, com um sorriso hesitante. Não a reconheci de imediato.

— Sou a Vera… Vera Lopes.

O nome soou como um trovão. Era ela. A mulher por quem o Miguel tinha trocado a nossa família.

Fiquei sem palavras. Ela percebeu e baixou os olhos.

— Sei que não tens motivos para me ouvir… mas precisava de falar contigo.

Quis virar costas e fugir dali, mas algo me prendeu ao chão.

— O que queres de mim?

Ela respirou fundo:

— Só queria pedir desculpa… Não sabia que ele ainda estava contigo quando começámos. Ele disse-me que estava separado… Só descobri depois.

Olhei-a nos olhos e vi tristeza genuína.

— Isso muda alguma coisa agora?

Ela abanou a cabeça.

— Não muda nada… Mas queria que soubesses que também fui enganada. E… ele deixou-me há seis meses. Disse que precisava de voltar para a família dele.

Senti uma estranha mistura de alívio e pena. Ela não era um monstro — era só mais uma peça partida no jogo do Miguel.

Ficámos ali em silêncio durante uns segundos eternos. Depois ela disse:

— Espero que consigas ser feliz… Eu ainda estou a tentar.

Quando cheguei a casa sentei-me no sofá e fiquei a olhar para as mãos. Pensei em tudo o que tinha perdido — mas também em tudo o que tinha ganho: a força de recomeçar sozinha, o respeito dos meus filhos (que aos poucos voltaram para mim), a paz de não viver mais na dúvida.

Nessa noite escrevi no meu diário: “A traição não é só uma ferida aberta — é uma cicatriz que nos lembra quem somos e até onde conseguimos ir.” Pergunto-me: quantas mulheres vivem com esta dor calada? E será possível algum dia confiar outra vez? Gostava de saber o que vocês fariam no meu lugar.