“Têm um mês para encontrar outra casa. A partir de agora vou viver sozinha”: A história de uma mãe portuguesa que precisou expulsar as filhas de casa

“Vocês têm um mês para encontrar outra casa. A partir de agora, vou viver sozinha.” As palavras saíram-me da boca como se fossem de outra pessoa. Senti o chão fugir-me dos pés, mas não havia volta a dar. Olhei para a Ana e para a Joana, as minhas filhas, e vi nos olhos delas uma mistura de choque, mágoa e incredulidade.

A Ana foi a primeira a reagir. “Mãe, estás a falar a sério? Depois de tudo o que passámos juntas?”

A Joana nem conseguiu dizer nada. Limitou-se a olhar para mim, com os olhos cheios de lágrimas, como se eu tivesse acabado de a trair da pior maneira possível.

Naquele momento, tudo o que me vinha à cabeça era o silêncio pesado que se instalou na casa desde que o António morreu. O meu marido era o pilar desta família. Quando ele partiu, há dois anos, senti-me perdida. Mas as minhas filhas ficaram comigo, prometeram que nunca me deixariam sozinha. Achei que isso seria suficiente para preencher o vazio, mas não foi.

A verdade é que, desde então, a nossa casa transformou-se num campo de batalha. A Ana tem 28 anos e trabalha num café, mas nunca conseguiu juntar dinheiro suficiente para sair de casa. A Joana, com 25, acabou o curso há pouco tempo e ainda está à procura do primeiro emprego. Ambas vivem como se ainda fossem adolescentes: deixam tudo espalhado pela casa, discutem por tudo e por nada, e esperam que eu resolva todos os problemas.

No início tentei ser paciente. “São fases”, dizia-me a minha irmã Teresa ao telefone. “Elas vão crescer.” Mas os meses passaram e nada mudou. Pelo contrário: as discussões aumentaram, as acusações também. “A mãe só pensa em si”, gritava a Ana quando eu lhe pedia para ajudar nas tarefas domésticas. “A Joana é a preferida”, atirava a Joana sempre que eu tentava mediar uma discussão.

Comecei a sentir-me sufocada dentro da minha própria casa. Não tinha espaço para mim, nem sequer para o meu luto. As fotografias do António na sala eram agora apenas recordações amargas de um tempo em que éramos felizes. Sentia falta da paz, do silêncio, até da solidão.

Uma noite, depois de mais uma discussão por causa da loiça por lavar, fechei-me no quarto e chorei como há muito não chorava. Senti-me uma má mãe por sequer pensar em querer as minhas filhas fora de casa. Mas também percebi que estava a chegar ao limite.

No dia seguinte, fui falar com o Padre Manuel, da paróquia. “Maria do Carmo, às vezes amar também é saber dizer basta”, disse-me ele com aquela voz calma que sempre me tranquilizou. “As tuas filhas precisam aprender a viver por elas próprias.”

Voltei para casa decidida. Esperei que as duas estivessem juntas na sala e disse-lhes aquilo que nunca pensei dizer: “Têm um mês para encontrar outra casa.”

O mês que se seguiu foi um inferno. A Ana quase não me falava. Saía cedo e chegava tarde, batendo com as portas. A Joana chorava todos os dias e tentava convencer-me a mudar de ideias.

Uma noite ouvi-as a discutir no quarto:
— Isto é culpa tua! — gritava a Ana. — Se tivesses arranjado trabalho já tínhamos saído daqui!
— E tu? Sempre a gastar dinheiro em saídas e roupas! — respondeu-lhe a Joana.

Senti-me culpada por ser o motivo daquela discórdia entre elas. Mas também percebi que talvez fosse preciso este choque para que crescessem.

No último dia do prazo, ajudaram-se mutuamente a fazer as malas. Não houve abraços nem despedidas calorosas. Apenas um silêncio pesado e olhares magoados.

Quando fecharam a porta atrás de si, sentei-me no sofá e chorei tudo o que tinha para chorar. A casa parecia maior, mais fria, mas finalmente era minha outra vez.

Os primeiros dias foram difíceis. Sentia falta do barulho, das discussões até. Ia ao quarto delas e ficava ali sentada a olhar para as paredes vazias.

A Teresa ligava-me todos os dias:
— Fizeste o que tinhas de fazer, Maria do Carmo. Agora deixa-as voar.

Passaram-se semanas até receber notícias das duas. Um dia recebi uma mensagem da Ana: “Mãe, arranjei um quarto com umas colegas do trabalho. Não é grande coisa mas estou bem.”

Pouco depois foi a vez da Joana: “Consegui um estágio numa empresa em Lisboa! Estou assustada mas feliz.”

Senti um orgulho imenso misturado com saudade.

No Natal desse ano convidei-as para jantar em casa. Vieram as duas, cada uma com histórias novas para contar. Pela primeira vez em muito tempo rimos juntas sem discussões nem acusações.

Hoje sei que fiz o certo, mesmo que tenha doído mais do que alguma vez imaginei.

Às vezes pergunto-me: será isto ser egoísta ou apenas amar de outra forma? Quantas mães terão coragem de escolher o seu próprio bem-estar sem deixar de amar os filhos? O que vocês fariam no meu lugar?