Recusei Tomar Conta do Filho da Minha Cunhada – Ela Humilhou-me Diante de Todos. Não Consigo Esquecer Aquela Noite
— Não me peças isso, por favor, Mariana. Hoje não consigo mesmo — pedi-lhe em voz baixa, tentando não chamar a atenção dos outros que já se serviam do arroz de pato na mesa da sala.
Ela olhou-me de cima a baixo, com aquele ar de superioridade que sempre me incomodou desde o primeiro dia em que entrou para a família. — Então para que é que serves, Inês? — disparou, alto o suficiente para todos ouvirem. — Só sabes comer e aparecer nas festas, mas quando é preciso ajudar, desapareces!
Senti o sangue a subir-me à cara. O meu marido, Rui, olhou-me de relance, mas não disse nada. A minha sogra suspirou, como se eu fosse um fardo impossível de suportar. O silêncio caiu sobre a sala por um segundo, até o meu sogro tossir e tentar mudar de assunto. Mas já era tarde: todos os olhares estavam cravados em mim.
A festa era o aniversário do meu sogro, uma daquelas noites em que a família toda se reúne na casa dos meus sogros em Sintra. Eu já vinha cansada do trabalho, com a cabeça cheia de preocupações: o contrato a prazo que estava prestes a terminar, as contas da casa, o cansaço acumulado de noites mal dormidas. Mariana sabia disso — ou pelo menos podia imaginar — mas nunca lhe interessou saber nada sobre mim.
O pedido dela foi mais uma ordem do que um pedido: queria que eu ficasse com o pequeno Tomás, de três anos, enquanto ela ia “respirar um pouco” lá fora com as amigas. Eu sabia bem o que isso queria dizer: um cigarro e meia hora de conversa fiada, enquanto eu ficava presa com uma criança irrequieta e os pratos por lavar.
— Mariana, eu não estou bem hoje. Preciso mesmo de descansar um pouco — tentei explicar, mas ela já estava a virar-se para os outros.
— Viram? É sempre assim! — exclamou ela, teatral. — A Inês nunca está disponível para ajudar ninguém! Até parece que tem alergia à família!
A vergonha queimava-me por dentro. Senti as lágrimas a quererem saltar-me dos olhos, mas engoli-as com força. O meu cunhado riu-se baixinho; a minha sogra abanou a cabeça em desaprovação. Só o Tomás olhava para mim com aqueles olhos grandes e inocentes, sem perceber nada do que se passava.
O resto da noite foi um suplício. Sentei-me num canto da sala, fingindo mexer no telemóvel para evitar os olhares e os cochichos. O Rui tentou aproximar-se uma ou duas vezes, mas parecia mais preocupado em não criar ondas do que em me defender. Senti-me sozinha no meio daquela gente toda.
Quando finalmente chegou a hora de ir embora, despedi-me rapidamente e saí quase a correr para o carro. No caminho para casa, o Rui tentou justificar-se:
— Sabes como é a Mariana… Ela fala sem pensar. Não leves tão a peito.
— Não leves tão a peito? Rui, ela humilhou-me à frente de toda a tua família! E tu não disseste nada!
Ele ficou calado. O silêncio entre nós era pesado, quase sufocante.
Nessa noite não consegui dormir. As palavras da Mariana ecoavam-me na cabeça: “Para que é que serves?” Senti-me inútil, pequena, como se realmente não tivesse valor nenhum naquela família. Lembrei-me de todas as outras vezes em que fui posta de lado: quando não fui convidada para o batizado do Tomás porque “não havia espaço”, quando fiquei sozinha na cozinha a arrumar tudo depois do Natal enquanto os outros riam na sala.
No dia seguinte acordei com os olhos inchados e uma sensação de vazio no peito. O Rui saiu cedo para trabalhar sem dizer grande coisa. Passei o dia a arrastar-me pela casa, sem vontade para nada. Recebi uma mensagem da minha mãe:
— Está tudo bem contigo? Pareces triste.
Não consegui responder-lhe. Como explicar-lhe aquela dor surda de não pertencer verdadeiramente à família do homem com quem casei?
À tarde recebi uma chamada inesperada da minha sogra:
— Inês, precisamos de falar sobre ontem à noite.
O meu coração disparou. Sentei-me no sofá, tentando controlar a voz:
— Sim?
— A Mariana ficou muito magoada com a tua atitude. Ela só queria um bocadinho de descanso… Tu podias ter ajudado.
— E eu? Ninguém se preocupa comigo? — perguntei, sentindo as lágrimas novamente a ameaçarem cair.
— Inês… tu és parte da família agora. Tens de aprender a ceder um bocadinho.
Desliguei antes que começasse a chorar ao telefone. Senti-me esmagada por aquela expectativa constante de ser sempre eu a ceder, sempre eu a engolir sapos para manter a paz.
Durante dias evitei falar com o Rui sobre o assunto. Ele parecia aliviado por eu não trazer o tema à baila, mas eu sentia-me cada vez mais distante dele e da família dele. Comecei a pensar se alguma vez seria possível sentir-me verdadeiramente aceite ali.
Na semana seguinte houve outro jantar em casa dos meus sogros. Fui contrariada, mas fui — não queria dar mais motivos para falarem mal de mim. Assim que entrei na sala senti os olhares: alguns frios, outros apenas curiosos. A Mariana ignorou-me completamente; só falou comigo para perguntar se podia passar-lhe o sal.
Durante o jantar tentei participar na conversa, mas cada vez que abria a boca sentia que ninguém me ouvia realmente. O Rui ria-se das piadas do irmão; a sogra elogiava o arroz doce da Mariana; eu sentia-me invisível.
No final da noite, enquanto ajudava a arrumar a cozinha (claro), ouvi a Mariana comentar baixinho com a sogra:
— Não sei como é que o Rui aguenta…
Nesse momento algo dentro de mim partiu-se. Larguei o pano da loiça e saí dali sem dizer palavra. Fui até ao jardim e sentei-me num banco de pedra, sentindo o frio da noite entranhar-se nos ossos.
Passados uns minutos ouvi passos atrás de mim. Era o Rui.
— O que é que se passa contigo ultimamente? — perguntou ele, como se não soubesse.
— Achas normal tudo isto? Achas justo? Porque é que ninguém me defende? Porque é que tenho sempre de ser eu a ceder?
Ele encolheu os ombros.
— É assim nas famílias… Toda a gente tem de fazer sacrifícios.
— Mas sou sempre eu! — gritei-lhe, finalmente deixando sair tudo o que tinha guardado dentro de mim durante anos.
Chorei ali mesmo à frente dele, sem vergonha desta vez. Disse-lhe tudo: como me sentia sozinha, como me custava ser sempre tratada como outsider, como me magoava ver que ele nunca estava do meu lado.
Ele ficou calado durante muito tempo. Depois disse apenas:
— Não sei o que queres que faça.
Nesse momento percebi: talvez nunca fosse verdadeiramente aceite naquela família. Talvez tivesse de aprender a impor limites e proteger-me antes de esperar compreensão dos outros.
Na viagem para casa decidi: não voltaria a sacrificar o meu bem-estar só para agradar aos outros. Se isso significasse ser vista como egoísta ou ingrata, paciência.
Hoje olho para trás e ainda sinto aquela dor aguda daquela noite em Sintra. Ainda me pergunto se podia ter feito diferente — se devia ter engolido mais uma vez o orgulho e ficado com o Tomás só para evitar conflitos. Mas também sei que há momentos em que temos de dizer basta.
Será que fiz bem em recusar? Ou será que devia ter continuado a ceder só para manter as aparências? Quantas vezes é aceitável sacrificar-nos pelos outros antes de perdermos quem realmente somos?