Recusei Tomar Conta da Filha da Minha Cunhada – Ela Humilhou-me à Frente de Todos. Serei Eu a Vilã?
— Então, Mariana, podes ficar com a Leonor um bocadinho? — A voz da minha cunhada, Andreia, cortou o burburinho do almoço de domingo como uma faca afiada. O olhar dela era frio, quase desafiador, e senti todos os olhos da família pousarem em mim.
Respirei fundo. O cheiro do arroz de pato ainda pairava no ar, misturado com o perfume forte da Andreia. Olhei para a Leonor, a menina de quatro anos que já corria à volta da mesa, e depois para o meu marido, Rui, que fingia não ouvir nada enquanto enchia o copo de vinho.
— Desculpa, Andreia, mas hoje não posso — respondi, tentando manter a voz firme. — Estou exausta e preciso mesmo de descansar um pouco.
O silêncio caiu como uma pedra. A Andreia arregalou os olhos e soltou uma gargalhada seca.
— Descansar? Descansar de quê, Mariana? Tu nem filhos tens! — disse ela, alto o suficiente para todos ouvirem. — Não fazes nada da vida e ainda te recusas a ajudar a família?
Senti o rosto a arder. A minha sogra, Dona Teresa, olhou-me de lado, desaprovadora. O meu cunhado Pedro abanou a cabeça. Até o meu próprio marido parecia encolher-se na cadeira.
— Andreia, por favor… — tentei argumentar, mas ela já estava lançada.
— Sempre foste assim, egoísta! Quando é para ajudar, nunca podes! — continuou ela. — Mas para vires comer à nossa custa já tens energia!
As palavras dela espetaram-se em mim como agulhas. Senti-me pequena, ridícula. Quis desaparecer dali. Lembrei-me de todas as vezes que tinha ficado com a Leonor para que a Andreia pudesse sair ou descansar. Lembrei-me das noites em que fui buscar medicamentos para ela quando estava doente. Mas ninguém parecia lembrar-se disso agora.
Levantei-me da mesa, as pernas a tremerem.
— Vou apanhar um pouco de ar — murmurei.
Saí para o jardim e sentei-me no banco junto à oliveira. O sol batia-me no rosto, mas só sentia frio por dentro. Ouvi as vozes lá dentro, abafadas mas carregadas de julgamento.
“Será que sou mesmo egoísta?”, pensei. “Será que devia ter dito que sim? Será que estou errada por querer um pouco de paz?”
O Rui veio ter comigo passado uns minutos.
— Mariana… — começou ele, hesitante. — A Andreia estava só cansada… Sabes como ela é.
Olhei para ele, magoada.
— E tu? Não tens nada a dizer? Ficaste calado enquanto ela me humilhava à frente de toda a gente!
Ele desviou o olhar.
— Não queria piorar as coisas…
— Pois, claro — respondi amargamente. — É sempre mais fácil deixar-me levar com tudo sozinha.
Ficámos em silêncio. O vento agitava as folhas da oliveira e eu sentia um nó na garganta.
Lembrei-me do início do meu casamento com o Rui. De como a família dele sempre me olhou como uma outsider. Eu era a rapariga da cidade, sem filhos, com um emprego instável como freelancer. Eles eram tradicionais: família grande, filhos cedo, empregos seguros. Sempre me senti deslocada.
A Andreia nunca perdeu uma oportunidade de me lembrar disso. Quando engravidou da Leonor, tornou-se ainda mais crítica comigo. “Quando é que vocês se decidem?”, perguntava sempre que podia. “Já não vão para novos.”
Eu e o Rui tentámos ter filhos durante anos. Fiz tratamentos dolorosos, chorei noites inteiras em silêncio para não o acordar. Mas nada resultou. E ninguém sabia disso — nem sequer a Andreia.
Voltei para dentro quando já só restavam os restos do almoço e as vozes tinham acalmado. Sentei-me no sofá e tentei ignorar os olhares furtivos.
A Dona Teresa aproximou-se e sentou-se ao meu lado.
— Mariana… A Andreia não devia ter falado assim contigo — disse ela em voz baixa. — Mas sabes como ela é… Está sempre sobrecarregada com a Leonor e o Pedro nunca ajuda muito.
Olhei para ela, cansada.
— Eu compreendo isso tudo… Mas também tenho limites. Não sou obrigada a ser sempre eu a sacrificar-me.
Ela assentiu, mas percebi que não estava convencida.
Na viagem de regresso a casa, o Rui tentou quebrar o silêncio várias vezes, mas eu não tinha forças para falar. Quando chegámos ao nosso apartamento pequeno em Almada, sentei-me na cama e chorei baixinho.
No dia seguinte acordei com mensagens no telemóvel: “Devias ter ajudado a tua cunhada”, “A família é para estas coisas”, “A Andreia está muito magoada contigo”.
Senti-me esmagada por uma culpa que não era minha. Passei o dia inteiro a pensar no que podia ter feito diferente. Liguei à minha mãe para desabafar.
— Filha, tu não és obrigada a nada — disse ela com firmeza. — Já fizeste muito por eles. Se não te respeitam, tens de te respeitar tu.
As palavras dela deram-me algum alívio, mas a dúvida continuava lá.
No trabalho também não foi fácil concentrar-me. Os colegas notaram que estava mais calada do que o costume. A minha chefe perguntou se estava tudo bem e eu só consegui encolher os ombros.
À noite, o Rui tentou falar comigo outra vez.
— Mariana… Eu sei que isto te magoou muito. Mas talvez possas falar com a Andreia? Explicar-lhe como te sentes…
Olhei para ele com lágrimas nos olhos.
— E achas que ela vai ouvir? Alguma vez ouviu?
Ele não respondeu.
Os dias passaram e o ambiente na família ficou tenso. Ninguém me ligava, ninguém me convidava para nada. Senti-me cada vez mais isolada.
Uma semana depois recebi uma mensagem inesperada da Andreia: “Se queres continuar na família, aprende a ajudar os outros.”
Fiquei paralisada a olhar para aquelas palavras cruéis. Respirei fundo e decidi responder:
“Já ajudei muitas vezes sem nunca pedir nada em troca. Mas também tenho direito ao meu descanso e ao meu respeito.”
Ela nunca respondeu.
O Rui ficou do meu lado desta vez. Disse à mãe e ao irmão que eu não era criada de ninguém e que merecia respeito. Pela primeira vez senti que ele me defendia realmente.
Aos poucos fui recuperando alguma paz interior. Comecei a sair mais com as minhas amigas, voltei ao yoga e dediquei-me aos meus projetos pessoais.
Mas ainda hoje me pergunto: será que fiz bem? Será que devia ter cedido só para evitar conflitos? Ou será que finalmente alguém precisava de dizer basta?
E vocês? Já passaram por algo assim? Até onde vai o nosso dever para com a família antes de nos perdermos a nós próprios?