Quando Trouxe a Minha Mãe para Casa, o Meu Marido Pediu-me para a Pôr Fora
— Não aguento mais esta situação, Sofia! — gritou o Miguel, com os olhos vermelhos de raiva e cansaço. — Ou a tua mãe sai desta casa, ou eu saio!
Fiquei ali, parada no corredor, com as mãos a tremer e o coração a bater tão alto que quase abafava as palavras dele. A minha mãe, deitada no quarto ao lado, tossia baixinho. O cheiro a chá de limão misturava-se com o odor dos medicamentos. Era como se toda a casa estivesse impregnada de doença e tensão.
Nunca pensei que a minha vida chegasse a este ponto. Cresci em Setúbal, filha única de uma mãe professora primária e de um pai que morreu cedo demais. A minha mãe sempre foi o meu porto seguro, aquela que me ensinou a nunca virar as costas à família. Quando ela adoeceu, há seis meses, não hesitei: trouxe-a para o nosso apartamento em Lisboa, mesmo sabendo que o Miguel não estava confortável com a ideia.
— Sofia, eu compreendo que ela precise de ajuda, mas isto não é vida para ninguém — disse-me ele numa noite, enquanto lavava os pratos com força desnecessária. — Não temos privacidade, não descansamos, até a nossa filha já sente o ambiente pesado.
A nossa filha, a Mariana, tinha apenas oito anos. Era sensível, percebia tudo. Uma vez ouvi-a sussurrar à avó: “Não fiques triste, avó. Eu gosto quando estás aqui.” Senti um nó na garganta. Como podia escolher entre a minha mãe e o meu marido? Como podia ser boa filha sem ser má esposa?
As discussões tornaram-se rotina. O Miguel começou a chegar mais tarde do trabalho, evitava olhar-me nos olhos. Eu passava as noites acordada ao lado da minha mãe, ouvindo-lhe as queixas e os lamentos sobre dores que nem os médicos conseguiam explicar direito. O cansaço era tanto que às vezes esquecia-me de comer.
Uma noite, depois de mais uma discussão acesa, sentei-me no chão da cozinha e chorei em silêncio. Lembrei-me das palavras da minha mãe quando era pequena: “Sofia, nunca deixes ninguém sozinho quando mais precisa de ti.” Mas agora era eu quem me sentia sozinha.
O Miguel começou a pressionar:
— Já viste como isto está a afetar-nos? Não temos uma noite só para nós há meses! A tua mãe precisa de cuidados que nós não conseguimos dar. Porque não procuras um lar ou um apartamento para ela?
— Não vou abandonar a minha mãe! — respondi-lhe num tom mais alto do que queria.
— E eu? E nós? — perguntou ele, com uma voz quase suplicante.
A Mariana apareceu à porta da sala, olhos arregalados.
— Mãe… vocês vão separar-se?
O silêncio caiu como uma pedra. O Miguel virou costas e saiu para o quarto. Fui até à Mariana, abracei-a com força.
— Não vamos separar-nos, meu amor. Só estamos cansados.
Mas eu própria já não acreditava nas minhas palavras.
Os dias seguintes foram um tormento. A minha mãe piorava; precisava de ajuda até para ir à casa de banho. O Miguel tornou-se um estranho dentro da nossa casa: evitava refeições em família, passava horas no telemóvel ou saía sem dizer para onde ia.
Uma tarde, ao regressar do supermercado, encontrei-o sentado à mesa da cozinha com um papel na mão.
— Isto é o número de uma residência assistida. Liguei hoje. Têm vaga para a tua mãe já na próxima semana.
Senti uma raiva surda crescer dentro de mim.
— Tu ligaste sem me dizer nada? Como podes ser tão frio?
— Frio? Sofia, estou a tentar salvar o nosso casamento! Não vês que estamos todos a afundar?
A discussão foi interrompida pela tosse da minha mãe. Fui ter com ela ao quarto. Estava pálida, os olhos fundos.
— O Miguel tem razão — disse ela baixinho. — Estou a ser um peso…
— Mãe! Nunca digas isso! — As lágrimas caíam-me pelo rosto sem controlo.
Ela sorriu tristemente.
— Eu só quero que sejas feliz. Não quero destruir a tua família.
Naquela noite não dormi. Fiquei sentada ao lado da cama dela, segurando-lhe a mão magra e fria. Lembrei-me dos natais felizes em Setúbal, das tardes na praia com ela e o meu pai antes do acidente. Como é que tudo se tornou tão complicado?
No dia seguinte, tomei uma decisão: ia falar com o Miguel calmamente. Esperei que Mariana estivesse na escola e sentei-me com ele na sala.
— Miguel, eu amo-te. Mas não posso abandonar a minha mãe agora. Se quiseres ir embora… eu compreendo.
Ele olhou para mim com olhos cansados.
— Eu amo-te também, Sofia. Mas não sei se consigo continuar assim.
O silêncio entre nós era pesado como chumbo. Ele levantou-se e saiu sem dizer mais nada.
Durante dias vivemos como dois estranhos sob o mesmo teto. A Mariana tornou-se ainda mais calada; desenhava famílias partidas nos seus cadernos de colorir. A minha mãe piorava visivelmente; os médicos diziam que era uma questão de tempo.
Uma noite ouvi o Miguel ao telefone no corredor:
— Não sei quanto mais aguento… Sinto-me invisível nesta casa… Sim, já pensei em sair…
O coração apertou-se-me no peito. Será que ele tinha alguém? Será que já não me amava?
No dia seguinte confrontei-o:
— Tens outra pessoa?
Ele ficou chocado.
— Não! Nunca te traí! Só estou… perdido.
Chorámos juntos pela primeira vez em meses. Abracei-o como quem se agarra à última tábua num naufrágio.
A minha mãe morreu duas semanas depois. Estávamos todos ao seu lado: eu, o Miguel e a Mariana. Ela partiu em paz, segurando as nossas mãos.
Depois do funeral, a casa parecia vazia demais. O Miguel tentou aproximar-se; marcámos terapia de casal, tentámos reconstruir o que restava de nós. Mas algo tinha mudado irremediavelmente.
Um ano depois estamos juntos — mas diferentes. A Mariana ainda pergunta pela avó antes de dormir; eu ainda acordo às vezes esperando ouvir-lhe a voz fraca chamar por mim.
Às vezes pergunto-me: teria feito diferente? Teria sido possível salvar tudo? Ou será que há escolhas na vida que nos partem para sempre?
E vocês? Já tiveram de escolher entre duas pessoas que amam? Como se sobrevive depois disso?