Quando a Minha Sogra se Tornou Minha Responsabilidade: Cinco Anos que Mudaram Tudo

— Maria, por favor, só tu podes ajudar. Eu já não sei o que fazer com a minha mãe… — A voz da minha nora, Inês, tremia do outro lado da linha. Era uma manhã fria de novembro, e eu estava a preparar o café quando o telefone tocou. O cheiro do café misturava-se com o cheiro da chuva que batia na janela da cozinha. O meu coração apertou-se logo ali, antes mesmo de ela terminar a frase.

A mãe da Inês, a Dona Lurdes, tinha tido um AVC há duas semanas. Desde então, a vida da minha nora e do meu filho, Rui, era um caos. Eles tinham dois filhos pequenos, ambos trabalhavam, e a Dona Lurdes precisava de cuidados constantes. Eu sabia que não ia ser fácil, mas nunca imaginei o que estava prestes a viver.

— Inês, eu… — hesitei. Tinha 62 anos, já não tinha a mesma energia de antes, mas como podia dizer não? — Claro que sim. Faço tudo pela família.

No dia seguinte, fui buscar a Dona Lurdes ao hospital. O Rui ajudou-me a acomodá-la no carro. Ela olhou para mim com olhos cansados e um sorriso triste.

— Obrigada, Maria. Não sei o que seria de mim sem vocês — murmurou.

A partir desse momento, a minha casa deixou de ser só minha. A Dona Lurdes precisava de tudo: banho, comida especial, medicação rigorosa. As minhas rotinas desapareceram. Passei a acordar de madrugada para lhe dar os comprimidos, a trocar-lhe as fraldas, a ouvir os seus lamentos durante horas.

No início, tentei manter o ânimo. “É só uma fase”, dizia para mim mesma. Mas os dias foram passando e as noites tornaram-se mais longas. A Dona Lurdes chorava muito. Sentia-se um peso para todos.

— Maria, desculpa… — dizia ela entre soluços. — Não queria dar-te este trabalho todo.

Eu respondia sempre com um sorriso forçado:

— Não se preocupe, Dona Lurdes. Estamos juntas nisto.

Mas por dentro sentia-me a afundar. O Rui e a Inês vinham visitar-nos ao fim de semana, mas durante a semana era só eu e ela. Comecei a sentir raiva: raiva da situação, raiva do Rui por não ajudar mais, raiva de mim própria por não conseguir ser mais paciente.

Uma noite, depois de um dia especialmente difícil em que a Dona Lurdes caiu da cama e eu tive de chamar uma ambulância, sentei-me na cozinha e chorei como já não chorava há anos. O telefone tocou — era o Rui.

— Mãe, desculpa… Eu sei que isto está a ser muito para ti. Mas não temos outra solução…

— Eu sei, filho… — respondi entre lágrimas. — Mas eu também sou humana.

A partir desse dia, algo mudou em mim. Comecei a exigir mais ajuda ao Rui e à Inês. Eles passaram a vir jantar duas vezes por semana e a levar a Dona Lurdes ao médico. Mas as discussões aumentaram.

— Achas que não faço nada? — gritou o Rui numa dessas noites.

— Não é isso! Mas eu não posso fazer tudo sozinha! — respondi, sentindo-me culpada logo depois.

A tensão foi crescendo. Os meus netos começaram a evitar vir cá a casa porque “a avó está sempre doente” e “a avó Maria está sempre cansada”. Senti-me sozinha como nunca antes.

Houve dias em que desejei simplesmente desaparecer. Olhava para as minhas mãos gretadas dos banhos quentes que dava à Dona Lurdes e perguntava-me: “É isto o fim da minha vida? Ser cuidadora até ao último suspiro?”

Mas também houve momentos bonitos. Uma tarde de primavera, enquanto lhe penteava o cabelo à janela, ela sorriu-me com ternura:

— Maria… Sabes? Nunca pensei que fôssemos ficar tão próximas. Sempre achei que não gostavas muito de mim…

Fiquei sem palavras. Era verdade: nunca fomos íntimas. Sempre houve aquela distância típica entre sogra e nora. Mas ali estávamos nós, unidas pela fragilidade humana.

Os anos passaram devagar. A saúde da Dona Lurdes piorou muito no terceiro ano. Começou a confundir nomes, a esquecer-se de quem era eu.

— Mãe… — chamava-me às vezes, pensando que eu era outra pessoa.

Isso doía-me mais do que qualquer cansaço físico.

No quarto ano, o Rui perdeu o emprego. A tensão em casa aumentou ainda mais. As discussões tornaram-se diárias:

— Não aguento mais esta pressão! — gritou ele uma noite.

— E eu? Achas que isto é fácil para mim? — respondi-lhe com voz trémula.

A Inês chorava baixinho na sala enquanto os miúdos tentavam fingir que não ouviam nada.

Foi nesse inverno que pensei em desistir pela primeira vez. Liguei à minha irmã, Teresa:

— Teresa… Não sei quanto tempo mais aguento isto…

Ela ouviu-me em silêncio e depois disse:

— Maria, tu és mais forte do que pensas. Mas tens de pedir ajuda profissional. Não podes carregar isto sozinha.

Foi assim que decidi procurar apoio domiciliário do centro de saúde local. Vieram enfermeiras duas vezes por semana para ajudar nos cuidados básicos. Senti-me menos sozinha.

No quinto ano, a Dona Lurdes partiu numa manhã calma de maio. Estava sol lá fora e os pássaros cantavam na figueira do quintal. Sentei-me ao lado dela até ao último suspiro.

O funeral foi simples mas cheio de emoção. O Rui abraçou-me como há muito não fazia:

— Obrigado por tudo, mãe…

A Inês chorou nos meus braços:

— Nunca vou esquecer o que fizeste pela minha mãe…

Agora olho para trás e vejo tudo o que mudou em mim: perdi parte da minha juventude tardia, ganhei rugas novas e dores no corpo… mas também ganhei respeito próprio e uma ligação inesperada à Dona Lurdes.

Pergunto-me muitas vezes: será que fiz tudo certo? Será que me anulei demais? Ou será este o verdadeiro significado de família?

E vocês? Já sentiram que deram tudo por alguém e mesmo assim ficaram com dúvidas? O que é afinal ser família?