“Passa tudo para o meu nome! Por que acreditaste nela? Ela só te engana!” – A minha luta pela casa, pela minha filha e pela dignidade depois da traição do meu marido
— Passa tudo para o meu nome! — gritou o Rui, com os olhos vermelhos de raiva, enquanto batia com força na mesa da sala. O som ecoou pela casa, misturando-se com o choro abafado da nossa filha, a Leonor, que se escondia atrás da porta do quarto. Eu tremia. O meu coração parecia querer saltar do peito, mas não podia mostrar fraqueza. Não agora.
— Rui, por favor, pensa na Leonor. Isto não é só sobre nós — tentei manter a voz firme, mas sentia as lágrimas a quererem cair.
Ele aproximou-se, o rosto tão perto do meu que senti o cheiro do whisky barato que andava a beber há semanas. — Tu é que estragaste tudo! Se não fosses tão desconfiada… — cuspiu as palavras como se fossem veneno.
Naquele momento, percebi que já não reconhecia o homem com quem partilhei metade da minha vida. O Rui que me fazia rir nas noites frias de inverno, que me prometeu amor eterno no altar da igreja de São João, tinha desaparecido. No lugar dele estava este estranho, consumido pela raiva e pelo ressentimento.
Tudo começou há três meses, numa noite aparentemente igual às outras. Estava a preparar o jantar quando ouvi uma mensagem no telemóvel do Rui. Não costumo mexer nas coisas dele, mas naquele dia algo me disse para olhar. Era uma mensagem da Sílvia, a minha prima. “Saudades tuas… Quando voltas?” O chão fugiu-me dos pés.
Confrontei-o nessa noite. Ele negou tudo, claro. Disse que era imaginação minha, que a Sílvia estava só a brincar. Mas depois começaram as ausências, as desculpas esfarrapadas, o cheiro de perfume estranho na roupa dele. A minha mãe dizia-me para ter calma, para não fazer juízos precipitados. Mas eu sabia. No fundo, sempre soube.
O pior foi quando descobri que ele tinha começado a tratar dos papéis para passar a casa — a casa dos meus pais, onde cresci — para o nome dele. Fê-lo pelas costas, com a ajuda do tio António, que sempre teve inveja do pouco que tínhamos. Senti-me traída por todos: pelo homem que amava, pela família que devia proteger-me.
— Achas mesmo que vais ficar com tudo? — gritou ele outra vez, agora já sem máscara nenhuma. — Eu é que trabalhei para isto! Tu só sabes gastar!
— Trabalhaste? Rui, eu estive ao teu lado todos estes anos! Fui eu que cuidei da Leonor quando estavas no café até às tantas! Fui eu que aguentei as tuas crises, as tuas dívidas! — A voz saiu-me mais alta do que queria. Senti vergonha por a Leonor ouvir tudo aquilo.
Nesse momento, ouvi passos no corredor. A Leonor apareceu à porta da sala, os olhos inchados de tanto chorar.
— Mãe… não quero que vás embora… — sussurrou.
O Rui virou-lhe as costas e saiu de casa, batendo com a porta com tanta força que os quadros caíram ao chão. Corri até à Leonor e abracei-a com todas as forças que me restavam.
As semanas seguintes foram um inferno. O Rui começou a aparecer cada vez menos em casa. Quando vinha, era só para buscar roupa ou para me ameaçar com advogados e tribunais. A família dele deixou de me falar. Até a minha mãe começou a duvidar de mim.
— Filha, tens de ser compreensiva… Os homens são assim… — dizia ela ao telefone.
— Mãe, ele traiu-me com a Sílvia! — gritei-lhe uma vez.
Do outro lado só silêncio.
A Sílvia teve a lata de me ligar. Disse-me que o Rui estava apaixonado por ela e que eu devia aceitar e facilitar as coisas.
— Olha, Mariana… Não vale a pena lutares contra isto. O Rui já não te ama. Deixa-o ser feliz…
— E tu achas que és feliz assim? A destruir uma família? — perguntei-lhe entre lágrimas.
Ela riu-se. — A vida é curta demais para perder tempo com ressentimentos.
Desliguei-lhe na cara.
Comecei a perder peso. Dormia mal. Ia trabalhar como um fantasma: os colegas olhavam-me de lado, cochichavam nos corredores. A Leonor começou a ter pesadelos e a fazer xixi na cama outra vez.
Um dia recebi uma carta do tribunal: o Rui queria ficar com metade da casa e pedia guarda partilhada da Leonor. Senti-me esmagada pelo sistema: como é possível um homem que quase nunca está presente querer agora ser pai exemplar?
Procurei um advogado, o doutor Álvaro, amigo antigo do meu pai. Ele ouviu-me em silêncio e depois disse:
— Mariana, tens de ser forte. Isto vai ser uma guerra suja. Vais ouvir mentiras sobre ti, vão tentar virar-te contra toda a gente… Mas tens de lutar pela tua filha e pela tua dignidade.
Foi aí que decidi não baixar mais os braços.
Comecei a reunir provas: mensagens do Rui para a Sílvia, testemunhos dos vizinhos sobre as ausências dele, recibos das despesas da casa pagas por mim. Falei com a assistente social da escola da Leonor para explicar o que se passava em casa.
A audiência no tribunal foi um pesadelo. O Rui apareceu de fato novo e cara lavada, acompanhado pela Sílvia e pelo tio António. Disseram ao juiz que eu era instável, ciumenta, incapaz de criar uma criança sozinha.
Quando chegou a minha vez de falar, olhei para o juiz e depois para a Leonor — sentada ao fundo da sala com uma psicóloga — e respirei fundo:
— Meritíssimo… Eu só quero proteger a minha filha e manter o pouco que ainda me resta da minha família. Não sou perfeita, mas nunca abandonei ninguém nem traí quem amava.
O juiz ouviu tudo em silêncio. No final marcou nova audiência e pediu mais relatórios sociais.
Os meses seguintes foram um teste à minha resistência. Houve dias em que pensei desistir de tudo: deixar a casa, entregar a guarda da Leonor ao Rui e desaparecer. Mas depois olhava para ela — tão frágil e ao mesmo tempo tão corajosa — e lembrava-me porque lutava.
A minha mãe acabou por perceber o erro dela quando viu o Rui aos beijos com a Sílvia no café da vila. Veio pedir-me desculpa em lágrimas:
— Perdoa-me filha… Eu só queria evitar escândalos…
Abracei-a sem rancor. Precisava dela mais do que nunca.
No final do processo o juiz decidiu: a casa ficava comigo porque era herança dos meus pais; a guarda da Leonor seria minha mas com visitas regulares ao pai; o Rui teria de pagar pensão alimentícia.
Quando recebi a notícia chorei como nunca tinha chorado antes: de alívio, de tristeza pelo que perdi e de medo pelo futuro.
Hoje tento reconstruir-me aos poucos. A Leonor voltou a sorrir e já dorme noites inteiras sem pesadelos. Eu ainda acordo muitas vezes assustada, mas sei que sobrevivi ao pior.
Às vezes pergunto-me: como é possível alguém mudar tanto? Como é possível amar-se alguém e depois odiar-se tanto? E vocês? Já sentiram o chão fugir-vos dos pés assim? Como encontraram forças para continuar?