O Almoço Que Mudou Tudo: Entre o Meu Filho e a Minha Nora
— Mãe, precisamos de falar contigo. — A voz do Paulo cortou o silêncio da sala como uma faca. O cheiro do bacalhau com natas ainda pairava no ar, misturado com o perfume das flores frescas que coloquei na mesa de propósito. O sorriso da Magda era tenso, quase um pedido de desculpa antes mesmo de abrir a boca.
O meu coração acelerou. Sabia que algo não estava bem há semanas. O Paulo andava calado, distante. A Magda, que sempre me ligava para contar novidades ou pedir receitas, quase desaparecera. Mas nunca imaginei isto.
— O que se passa, filho? — perguntei, tentando manter a voz firme, mas sentindo as mãos a tremerem por baixo da mesa.
Ele olhou para a Magda, que baixou os olhos. — Nós… vamos divorciar-nos.
O mundo parou. Senti o sangue fugir-me do rosto. Oiço o relógio da parede a marcar cada segundo como um martelo. — Como assim? — sussurrei, incapaz de acreditar.
A Magda limpou uma lágrima discreta. — Tentámos tudo, Dona Teresa. Mas já não conseguimos ser felizes juntos.
O Paulo desviou o olhar, fitando o prato como se ali estivesse a resposta para todos os problemas. — Não quero discutir, mãe. Só achámos que devias saber por nós.
A minha cabeça rodopiava. Lembrei-me do casamento deles, há seis anos, na igreja de São João. Lembrei-me do sorriso do Paulo ao ver a Magda entrar, do orgulho que senti naquele dia. E agora… tudo desmoronava-se à minha frente.
— E… e agora? — perguntei, sentindo-me perdida como uma criança.
O Paulo suspirou. — Agora cada um segue a sua vida. Mas… há mais uma coisa.
Olhei para ele, esperando o pior.
— A Magda vai ficar com o apartamento. Eu vou voltar para casa por uns tempos…
Senti um aperto no peito. A casa onde criei o Paulo era pequena, cheia de memórias e silêncios partilhados. Não sabia se estava preparada para voltar a viver com ele adulto, magoado e zangado com o mundo.
A Magda levantou-se devagar. — Eu sei que isto é difícil para si, Dona Teresa. Mas espero que não me odeie…
Levantei-me também, sem saber o que fazer com as mãos. Abracei-a, sentindo-a tremer nos meus braços. — Nunca te vou odiar, Magda. Foste como uma filha para mim.
Ela chorou baixinho no meu ombro e eu senti as lágrimas a escorrerem-me pela cara também.
O Paulo ficou parado, braços cruzados, olhos vermelhos de raiva ou tristeza — não consegui perceber qual dos dois sentimentos era mais forte.
O resto do almoço foi um silêncio pesado. O bolo ficou intocado. As flores perderam o brilho.
Quando eles saíram, fiquei sozinha na sala, rodeada de pratos sujos e sonhos partidos. Sentei-me à mesa e chorei como já não chorava há anos.
Nos dias seguintes, o Paulo mudou-se para casa. Trazia consigo uma mala pequena e um olhar vazio. Passava horas fechado no quarto ou a vaguear pela casa como um fantasma.
Tentei conversar com ele várias vezes:
— Queres falar sobre isso?
Ele abanava a cabeça ou respondia com monossílabos.
A Magda ligou-me uma vez:
— Dona Teresa, só queria saber se está tudo bem consigo…
Eu menti:
— Está tudo bem, querida.
Mas não estava nada bem.
Os vizinhos começaram a perguntar:
— Então, a Magda já não aparece?
Eu sorria e mudava de assunto.
A minha irmã Clara foi direta:
— Vais ficar do lado de quem?
Fiquei chocada:
— Não tenho de escolher lados! São os dois família!
Mas no fundo sabia que era impossível agradar aos dois.
O Paulo começou a sair à noite, voltava tarde e cheirava a álcool. Uma noite entrou em casa aos gritos:
— A culpa é tua! Sempre gostaste mais dela do que de mim!
Fiquei sem palavras. Ele atirou as chaves para cima da mesa e foi fechar-se no quarto.
No dia seguinte tentei falar com ele:
— Paulo, eu amo-te. Amo-vos aos dois. Não me peças para escolher!
Ele chorou nos meus braços como quando era criança.
Os meses passaram e as feridas não saravam. A Magda mandava mensagens nos aniversários e no Natal. O Paulo recusava-se a falar dela.
Um dia encontrei uma carta da Magda na caixa do correio:
“Querida Dona Teresa,
Sei que as coisas nunca mais serão as mesmas. Mas quero agradecer-lhe por tudo o que fez por mim. Espero que um dia me possa perdoar.”
Chorei ao ler aquelas palavras simples e sinceras.
Comecei a sentir-me dividida entre os dois mundos: o do meu filho magoado e solitário; e o da nora que continuava a ser parte da minha vida, mesmo à distância.
As festas familiares tornaram-se um campo minado:
— Vais convidar a Magda para o Natal? — perguntou-me a minha irmã.
— Não sei… — respondi, sentindo-me culpada só de pensar nisso.
O Paulo ouviu e saiu da sala sem dizer palavra.
Senti-me velha e cansada como nunca antes. A minha família estava partida e eu não sabia como colar os pedaços.
Uma noite sonhei com o Paulo em criança, a correr pelo jardim atrás da Magda jovem e feliz. Acordei com lágrimas nos olhos e uma pergunta na cabeça: será possível amar duas pessoas em lados opostos de uma guerra?
Hoje olho para trás e vejo como aquele almoço mudou tudo na minha vida. Ainda amo os dois — cada um à sua maneira — mas continuo sem saber se algum dia conseguirei juntar esta família outra vez.
E vocês? Já foram obrigados a escolher entre pessoas que amam? Como se sobrevive quando o coração está dividido ao meio?